Topo

Paulo Sampaio

"Cãorrida" tem mordomias, esteticista e até reiki para desestressar os cachorros

Paulo Sampaio

10/04/2017 13h59

São oito horas da manhã de um domingo nublado, e ainda assim o estacionamento sem carros de um shopping-center pode ser um lugar muito animado. Estamos em São Paulo. Os organizadores do evento em questão anunciam uma "cãorrida", seguida de uma "cãominhada". Impossível conter a exclamação: "cãoramba!"

"Este ano, foram 1.500 inscritos", comemora a empresária Carla Zjdenwerg, 40, que cobrou R$ 45 de cada concorrente. Isolada por faixas zebradas preta-e-amarelas, a pista de corrida serpenteia o estacionamento numa extensão de dois quilômetros. Em volta estão tendas que oferecem "mimos para os fofos". Tem desde caricaturista para retratá-los, até ração para cachorro "com ingredientes de comida de gente". "Adorei", diz a professora Bárbara Aguiar, com a caricatura dela, do marido e da vira-lata Estopa.

A professora Bárbara Aguiar exibe a caricatura dela, do marido e do vira-lata Estopa (Foto: Edson Lopes Jr./UOL)

Reiki 

A todo instante, vive-se a fantasia de que o cachorro é um ente da família, estilo pai, mãe, filho e até neto. Alguns donos olham para os bichos na esperança de que eles falem, dêem algum sinal de humanidade. A expectativa é tamanha que a organização instalou uma tenda de reiki para desestressar os animais.

Reiki, como se sabe, é um procedimento que se propõe a restabelecer o equilíbrio físico e emocional através da transmissão de energia pelas palmas mãos.  O monge japonês Mikao Usui, que criou a prática em 1922, a concebeu pensando inicialmente em seres humanos.

Kuduro

Mas em uma cãorrida é perfeitamente compreensível que se aplique em cachorros. Não só pelo esforço físico exigido deles, mas também por todo o aparato que os rodeia. Ao lado do pódio, por exemplo, há um DJ tocando Kuduro, Paula Fernandes ("Eu Quero Ser Pra Você") e Marília Mendonça ("Como Faz com Ela") "remixada". Alto.  Os próprios donos dos "animaizinhos" se entregam a sessões de quick message, afundando o rosto em cadeiras inclinadas ao lado do espaço do reiki.

No meio do vaivém no pátio, o esteticista de cachorros Carlos Rafael, 30, suspende seu afghan hound (galgo afegão) acima da própria cabeça, para uma interminável sessão de fotos. Esteticista!? O blog procura cravos e espinhas no rosto de vários cães ao redor, em vão. Rafael então dá a entender que o nome é apenas um chamariz para atrair clientes para a tosa. "O profissional que corta o pêlo do cão em geral não pensa na proporção. Eu trabalho como um paisagista. Um cão alto, como o afghan, não pode ter o pêlo muito escorrido porque abate", acredita.

O esteticista animal Carlos Rafael suspende seu seu galgo afegão (Foto: Edson Lopes Jr/UOL)

Rosa "Camasmie" Malta

Próximo do reiki está a tenda da retratista Rosa Malta, 52, uma espécie de Roberto Camasmie dos cães: "Coitada de mim, eu sou só Rosa Malta!", diz ela, explicando seu trabalho: "Vou muito no olhar (do cão), o resto acaba acontecendo." E então mostra o retrato que fez de dois irmãos Spitz, seus "netos".

A retratista Rosa Malta (à dir) e a veterinária Patrícia C. Silva, com a cadela Chanel

Por sua vez, a promotora de eventos Thatiana Abreu, 34, conta que já fez alguns casamentos em que "os cachorros são daminhas".  Dá pra entrar na igreja?  "O noivo negocia. Se autorizarem, eles entram. Mas precisa ter uma salinha por perto para o caso de ele (o cachorro) ficar estressado. A gente cuida disso", explica. Parece razoável: coloca o bicho numa enrascada dessas, tem de cuidar.

A ganhadora da prova feminina é a fundista de 5 e 10 mil metros Simone Alves da Silva, 31, que levou a border collie Zig, de dois anos. Ninguém precisa ser fundista para ganhar uma cãorrida, e talvez por isso Simone tenha se esborrachado no chão logo no princípio, quando o cachorro de uma concorrente se soltou da coleira e a empurrou. "Achei que teriam mais duas voltas", diz ela, que ralou o joelho na prova.

A fundista Simone Alves da Silva com a border collie Zig, vencedora da prova

Animadésimo, o locutor Tom Carbaajo anuncia a premiação: "Parabééééns! Pose pra fotoooo! Sorriso no rostooo! Cadê os aplausos galera! O momento é agora! Cadê? (Faz um selfie com o pódio ao fundo)." Em seguida, sorteio. "Eu nunca vi tanta coisa boa pra sorteaaaar!! Dedinhos cruzados, vamo que vamo??" Vamo.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.