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Paulo Sampaio

Fenômeno na mídia, Kéfera prova que é possível haver entrevista sem jornalistas

Paulo Sampaio

11/05/2017 04h00

 

A caminho da entrevista coletiva, Kéfera faz um selfie rápido (Foto: Paulo Sampaio/UOL)


Convidada para assinar uma coleção de óculos, a youtuber Kéfera provou que é possível conceder uma entrevista coletiva sem a presença de jornalistas. Foi com certeza o maior feito em sua carreira de fenômeno midiático. Kéfera e o dono da marca responderam perguntas que eles mesmos se faziam, sem precisar enfrentar a intervenção de estranhos, com o auxílio de suas respectivas assessorias de imprensa.

O evento foi marcado para as 18h na rua Oscar Freire, em São Paulo, mas Kéfera chegou depois das 20h. O andar térreo da loja estava lotado de fãs, graciosamente abastecidos com pipoca, cerveja, sorvete e algodão doce. A DJ Ornella Magi, 28, tocou o que ela classifica de "comercial remixado fino": Justin Bieber, Ed Sheeran, Drake, Michael Jackson.

Vini Bertagnoli (centro), com os amigos Kaique Filadelfo e Murilo Pisani (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Alguns fãs choravam de as lágrimas escorrerem. Entre soluços, o universitário Jonatas Batista, 20, não conseguiu expressar o que sentia.  Tentou, mas a emoção era muita. A vendedora Danielle Luna, 28, contou que pediu dispensa no trabalho para ver Kéfera, "mesmo que de longe": "A simples passagem dela já me satisfaz".  O consultor de moda Vini Bertagnoli, 21, que usava "maquiagem básica para o dia-a-dia" (pele, batom, blush e rímel) justificou seu amor pela youtuber: "Ela não pensa, ela simplesmente fala".

Muita calma nessa hora

Protegida por seguranças, Kéfera deu adeusinhos para a multidão, sorriu e agradeceu o carinho. Dizia a todos que naquele momento não poderia falar, pois estava "atrasada para a coletiva". E subiu para o segundo andar.

À chegada na loja, apressada para a entrevista coletiva (Foto: Paulo Sampaio?UOL)

Precursora entre os jovens que fizeram dinheiro abrindo a casa nas mídias sociais, Kéfera Buchmann acumula cerca de 750 milhões de visualizações em seus vídeos e é dona do terceiro maior canal do país no YouTube. Aos 24 anos, é  dubladora, apresentadora, escritora e cantora.  Assim como "entrevista coletiva",  são termos que devem ser entendidos com parcimônia.

Double selfie

Já no segundo andar, Kéfera gritou ao microfone: "Tem alguém animado aí!!!?" Os fãs responderam ensandecidos, lá de baixo: "Teeeeemmmm!" E ela: "Fala mais alto que eu não tô ouvindoooo! (…) Gente! Eu vou fazer minha coletiva, e daqui a pouco vocês vão poder me fazer perguntas tambéééémmm!!" "Êêêê!!!"

A organização distribuiu entre os jornalistas um pequeno folder com informações sobre a coleção. São cinco modelos de óculos solares; quatro de receituário e três variações de cor. Na sala da entrevista coletiva havia duas fileiras de cadeiras, ou cerca de 30 assentos, para acomodar a imprensa. Estavam todas ocupadas por pessoas que jamais fizeram uma pergunta. A produção passou um vídeo de Kéfera usando os óculos, e então a youtuber aproveitou para produzir uma espécie de double selfie: ela e ela no vídeo dela.

Na hora da "entrevista coletiva" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Pingue-pongue 

Muito educado, o assessor de imprensa pediu licença para começar a coletiva.

Primeira pergunta: "Kéfera, você gosta de óculos?"

Kéfera: "Sou a-pai-xo-na-da. É um mega-acessório." Ela então explicou o principal motivo de sua paixão: "Você tá aqui, entendeu, olhando pro material do boy magia, mas ele não sabe…" (Ela levanta os óculos e seus olhos estão virados na direção oposta a de sua cabeça) Muitas gargalhadas.

O dono da marca, que estava sentado ao lado de Kéfera, participou ativamente da coletiva. Fez perguntas, ela respondeu: "Gastei meus primeiros salários do YouTube comprando esses óculos. Minha mãe me dava a maior corda. Ela dizia: 'Já pensou se um dia der certo e você tiver uma coleção assinada?' Eu dizia: 'Cala a boca, mãe…' Quer dizer, eu não mandava minha mãe calar a boca hahaha. Falava só: 'Isso nunca vai acontecer, mãe (expressão de gata borralheira de teatro infantil), imagine, uma marca desse tamanho. Eles são grandes no mundo todo." (Fãs: Êêêêê!)

Respondendo o dono da marca, durante a entrevista coletiva (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

O pessoal da tecnologia é convocado para amplificar o som de uma mensagem de voz que Kéfera havia mandado para o dono da marca naquela manhã. O empresário parece muito emocionado. Enquanto o áudio é exibido, em um dos raros momentos de silêncio no local, Kéfera esconde o rosto: "Eu tô com muita vergonha, ai meu Deus, eu tava chorando mesmo…"

O empresário reconheceu ali "uma relação de amor" com a marca… Ele diz: "Claro que tem o dinheiro, mas tem tesão na parada."

Kéfera dá uma fungada, a voz falha, alguém a acode com um lenço de papel. Enquanto ela enxuga uma lágrima e diz que vai borrar a maquiagem, o dono da marca diz: "Essa lagriminha no rosto faz todo sentido, a gente sabe que é de verdade."

Para evitar o vácuo e ultrapassar a ameaça de constrangimento, ela cita na sequência os modelos de que mais gosta na coleção: TODOS HAHAHAHAHA. (Uivos no andar de baixo) Ela continua: "Esse é um dos meus preferidos… furtacor… é babado. Ultratendência na Europa. Arrasa, bicha! Esse parece uma TV 22 polegadas. Vai sair arrasando, viado!"

Alguém da assessoria diz, assim, quase sem querer, que os óculos custam a partir de R$ 169. Muito criativa, a youtuber acrescenta: "Adoro um 69!" Gritos! "Brincadeira, gente, hahaha!"… Ela continua: "Bicha, e eles fazem entrega (da coleção) no Acre!!!"

Lá pelo meio da coletiva, a garota-propaganda perguntou, com cara de menina sapequinha, se a marca pretende lançar também uma linha de relógios — com o nome dela, claro. O dono confirma: "Nossa história vai ser longa."

Ghost-writer? Never!

A conversa então evoluiu para os outros produtos Kéfera. Com linguajar leve, soltando um "foda-se" de vez em quando, ela falou do livro que iria lançar na semana seguinte. O terceiro. Ciente de seu enorme talento, ela declarou, sem nenhuma misericórdia: "Sinto muito pelos que usam ghost-writer. Eu nunca usei. Acho banal. Gente! Eu sei escrever!" Gritos e ovações: uhuhuhuhu!!

A coletiva já estava quase no fim, mas ela ainda teve tempo para dar mostras de sua imensa generosidade. Disse que, no fundo, a homenagem da marca foi para seus fãs: "Gente, quando eu paro para pensar nos meus seguidores… eu não consigo nem visualizar o número. Pensa: o Maracanã cheio são 60 mil pessoas…"  Mais gritaria lá embaixo.

Pouco depois, registrou-se a adesão de mais repórteres. Agora, eram os próprios fãs fazendo perguntas. Êêêêê!! Uh!!! Ahahauahaa!Lindaaa! Ela teve oportunidade de falar mais e mais de seus produtos, da vida pessoal, do amor que sentia por todos lá embaixo.

A moça que acompanhava Kéfera pra cima e pra baixo, Dani Barreto, autointitulada diretora artística, sorria orgulhosa. Dani afirmou que pretendia agora "focar no lançamento do livro". Adiantou que ia me ligar para marcarmos uma entrevista. Referiu-se a mim e a ela própria como  "jornalistões da velha guarda". Fiquei sem saber se era um xingamento.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.