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Paulo Sampaio

Reunião de condomínio de "gente diferenciada" tem briga para aceitar varand

Paulo Sampaio

15/05/2017 08h00

Este texto é uma ficção com base em fatos reais

 

Dentro de um casaco de tricô grosso com motivos florais e ombreiras que conferem a ela o aspecto de uma aguerrida jogadora de futebol americano, a síndica do bloco B dá a sua opinião sobre a reforma da fachada do prédio: "Eu quero algo clean, sofisticado." Ao lado dela, o morador do 112 se admira. "Não sabia que ela falava inglês!"  A pauta da assembleia geral, que reúne os três blocos do condomínio, é a escolha do arquiteto que vai assinar o projeto de recuperação da fachada. A síndica de ombreiras — vamos chamá-la de quarterback — tende a repetir a opinião da do bloco C, uma sessentona roliça que sensualiza dentro de um tomara que caia cheio de gomos – alguém por perto associa sua figura a um croquete, depois que ela declara abertamente que é a favor de uma "varanda gourmet". Polêmica.

O prédio foi construído há mais de 40 anos, está em uma região de envoltório tombado, em Higienópolis, bairro paulistano que ficou conhecido nacionalmente por abrigar "gente diferenciada". Para boa parte dos condôminos, é muito importante recuperar o projeto original. Mas croquete grita ao mundo que quer varanda gourmet. "É isso mesmo: moderno e chique!", ela repete alto, enquanto suspende o tomara que caia com as duas mãos.

A síndica do A se sente excluída, ficou até afônica ao perceber que quarterback e croquete estão mancomunadas na escolha de um arquiteto que cobra duas vezes o preço do concorrente.  Mas ao que tudo indica trata-se apenas de jogo político. Croquete não tem o menor respeito por ombreira, e ombreira não confia nadinha em croquete. Ombreira se vale do apoio de um senhor cuja especialidade é escrever textos longos, rebuscados, que ao findar vão dar em nada, como diria Gilberto Gil, nada, nada, nada, nada. Com a sua panca de imortal da Academia Brasileira de Letras, ele ajuda muito quarterback.

Vítima de uma enfermidade reumática que a tornou dependente de uma bengala, ela conta com a misericórdia das velhinhas do condomínio. Com medo de não conseguir se reeleger na próxima assembleia do bloco, ela é vista fazendo campanha nos quatro cantos do condomínio, andando com uma desenvoltura jamais imaginada. Em geral, QB usa os serviços de um faxineiro do B até para ir à feira.

A prosódia de vovozinha só é posta em dúvida quando sua filha adotiva aparece. Apesar de estar na faixa dos 40 anos, ela fala os maiores improprérios com voz de menininha de 7: "Quero ver quem é o filho da puta que vai tirar minha mãe (do posto de síndica). Vou foder com ele", diz ela, fazendo uma expressão de bruxinha de animação.

Com algo em torno dos 85 quilos, para cerca de 1,65 metro de altura, a filha da síndica sofre de uma síndrome que a leva a crer que é irresistivelmente sexy.  Por conta disso, volta e meia a bruxinha solta gargalhadas apavorantes, que projetam ainda mais os dentes encavalados de sua arcada superior. Quarterback sorri matreira, como se a filhota estivesse permanentemente dançando um número de balé para amigos na sala de casa.

No salão de festas do prédio, é hora da eleição. E então acontece a surpresa! Quarterback apresenta uma síndica profissional para substituí-la. Todos acham ótimo, acreditando que a administração do condomínio finalmente vai ser imparcial. Só que aí se revela que não houve concorrência — a eleição é de uma candidata só — e que, ainda por cima, trabalha na administradora do condomínio.

"Mas isso não configura conflito de interesses?", pergunta uma das raras condôminas lúcidas na audiência. Subitamente, quarterback perde a audição. Volta a fazer expressão de vovozinha distraída e, como se fosse um parlamentar de Brasília, ignora solenemente a plebe rude. Saca da bolsa um bolinho de procurações de condôminos ausentes e vota por todos. Vitória para a "síndica profissional". QB ajeita a ombreira, sem saber se sorri pela vitória da administradora ou se chora pela estupidez de não ter se candidatado. Com todas aquelas procurações, teria ganhado na certa.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.