Em bairro nobre a 6km da Cracolândia, joalheiro adota praça com banco de R$ 1,4 milhão
Sábado, meio-dia. Sentado em um banco de 400 mil euros (R$ 1,4 milhão) criado sob encomenda pelo artista plástico argentino Pablo Reinoso, radicado na França, o designer de joias Jack Vartanian recebe para celebrar pela sétima vez em quatro anos a adoção da praça Homero Vaz do Amaral, um retângulo de pouco mais de 700 metros quadrados no coração dos Jardins, em São Paulo. "Em minhas idas a Nova York, percebi o quanto a sociedade civil cuida do espaço público lá. Como tenho uma loja e um apartamento na cidade, entre a Lexington e a Park, eu caminhava muito pela região e passei a me envolver com projetos no Central Park. É incrível, eles já expuseram até esculturas do Botero ali." O envolvimento de Vartanian chegou ao ponto de ser convidado para cunhar uma edição limitada de dez medalhas-símbolo do parque novaiorquino.
Em São Paulo, o designer de joias quis repetir a experiência de Nova York. Pensava em adotar algo que estivesse, digamos, próximo ao "Central Park" paulistano. Há cerca de cinco anos, começou a flertar com a praça Homero Vaz do Amaral. "Não queria suportar (do verbo to support, em inglês, que quer dizer manter) qualquer bushezinho (do substantivo bush, em inglês, que significa arbusto). Aqui você está no cross road (em inglês, entroncamento: das ruas Venezuela, Estados Unidos e Bela Cintra."
Em determinado momento, "adoção da praça foi liberada". Então, com a ajuda do empresário Michel Farah, que lida com parcerias público-privadas, Vartanian assumiu os cuidados daquela área. Paga um "fee" mensal de R$ 4 mil. "As pessoas vivem cagando regra a respeito de coleções de arte, falam das próprias obras. Lugar de arte é no espaço público. Esse banco vale 400 mil euros." Ele conta que promoveu um leilão de sete módulos do banco, cuja estrutura pode ser subdividida. O próprio designer tem um pedaço em casa.
A difícil adoção
A praça fica a cerca de 6 km da Cracolândia, região no centro de São Paulo que boa parte dos paulistanos parece ter dificuldade de suportar (no sentido dado pelo idioma falado no Brasil). A própria prefeitura não sabe se adota ou se rejeita. O prefeito João Dória se aproveitou de uma operação contra o tráfico iniciada nas últimas semanas pelo governo do Estado e foi até à região em um domingo para decretar, diante das câmaras, "o fim da Cracolândia". Boa parte da população credita a "limpeza da área" a ele – e isso inclui a pulverização dos usuários. Dória atropelou programas sociais e tentou impingir a internação compulsória deles, criticada até por integrantes da prefeitura. A secretária de Direitos Humanos do município, Patrícia Bezerra, até então partidária das intenções do prefeito, classificou a operação como "desastrosa" — e renunciou ao cargo. A internação compulsória foi barrada pela Justiça, e os usuários acabaram se espalhando por diversos pontos do centro.
Vartanian afirma que não pode opinar muito sobre a Cracolândia. "Conheço pouco a situação. O que me choca é a proporção que isso (crack) tomou. No trajeto para o escritório de um fornecedor, passo sempre por um pedaço no fim da (avenida) Bandeirantes e vejo barracas e barracas debaixo de um viaduto. Um dia, eu abaixei o vidro e entreguei umas roupas que eu tinha, para dar uma ajuda", conta o designer.
Sonho e hambúrguer
O evento na Homero Vaz do Amaral é abastecido pelo foodtruck de hambúrgueres gourmet Buzina (média de R$ 25, o sanduíche); barraquinhas de sonhos da confeitaria Dulca (R$ 10, a unidade); de milk-shake (R$ 13 o pequeno, R$ 17 o grande); de comida japonesa (R$ 40, o combinado com dez peças), entre outros. As crianças brincam alegremente no gramado com babás e recreadores. Em cima de mesas de madeira protegidas por guarda-sóis grandes, há baldes de gelo com espumantes e vinhos. "Quis dar uma força pro Lidio Carraro (produtor dos vinhos), lá de Bento Gonçalves. É um batalhador", diz Vartanian. Os vinhos à venda vão de R$ 49 a R$ 189. Uma banda toca uma trilha que inclui Daft Punk, Michael Jackson e Bossa Nova.
Perto de banheiros químicos imaculados, há um pequeno triângulo ajardinado onde Vartanian e a mulher, a ex-modelo Cássia Ávila, acompanhados das filhas, plantam ipês com a ajuda da babá e de jardineiros sempre a postos. Uma assessora de imprensa orienta o fotógrafo contratado a não incluir as crianças nas imagens. Medo de sequestro.
Parte das pessoas que estão no evento veio direto de uma caminhada que faz parte de um projeto de zeladoria urbana da prefeitura chamado #cidadelindajardins. Dispostos a pintar, varrer e limpar o "espaço público", cerca de 150 voluntários partiram da alameda Tietê e percorreram por volta de cinco quadras até a rua Vittorio Fasano (mesma do hotel estrelado homônimo).
Todos os abordados pelo blog acreditam que a intervenção da prefeitura na Cracolândia foi correta. "Fizeram o que tinha de ser feito", diz o empresário Caio Talebi, 30, que veio para o evento com a mulher, Raquel. Eles moram na Vila Olímpia, zona oeste. "Não sei se (a operação da prefeitura) deu para pulverizar (os craqueiros). Para os familiares deles, não acho ruim. Por vontade própria, ninguém iria."
A empresária Renata Villela acredita que "o assunto é complexo". "Eu tenho um amigo que trabalha na prefeitura, ele me diz que as intenções deles são as melhores. Eu acho que aquelas pessoas que ficam ali se drogando não trazem benefício para a cidade nem para eles." Renata diz que não frequenta a região (Cracolândia), por medo. "Morei um tempo fora do Brasil, na Turquia, você não vê essas coisas lá. Eu me sentia muito segura. Os turcos são muito radicais. Se você assalta, eles te cortam os dedos."
Para Vartanian, um dos caminhos para a solução do problema da Cracolândia seria a implementação de uma zeladoria com o empenho da sociedade civil. "Aqui (na ação da alameda Tietê) foram pouquíssimas pessoas. Não precisa ter 50 mil voluntários. Se você tiver seis, dez médicos." E quem seriam os integrantes dessa zeladoria? "Boa pergunta."
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