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Paulo Sampaio

Como anda o Bozo: ator que fez palhaço será avô e é pastor também

Paulo Sampaio

05/09/2017 08h00

Domingo, 15hs, os convidados começam a chegar no salão de festas onde em breve se saberá o sexo do bebê que os endodontistas Diego e Tatiana Barreto, 34 anos, esperam. A informação, que nem os pais conhecem, está dentro de um envelope pendurado na parede ao fundo da mesa de doces. Veio direto do laboratório onde se fez o teste de gravidez. Toda a decoração do salão, localizado em um condomínio de classe média à entrada de Jundiaí, a 60km de SP,  obedece a uma simetria de elementos nas cores azul e rosa. Endodontia é a parte da odontologia que se especializa em tratamento de canais.

A dada altura da festa, um convidado sorteado abrirá o envelope e soltará balões de hidrogênio na cor correspondente ao sexo do bebê. A indústria da maternidade batizou esse evento de "chá revelação".  Muito entusiasmado, Diego conta que o nome do bebê, caso se soltem balões azuis, será o dele: "Mas sem Jr no fim. A Tati não quer." A alternativa é Nathan ("presente de Deus"). Se subirem balões rosas, será Diana ou Isabela. "A gente está mais para Isabela."

Diego Barreto, entre a mulher e a mãe; ao fundo, o envelope com a informação sobre o sexo do bebê (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Uma videomaker registra os palpites dos convidados. "Eu acho que é menino", torce o avô da criança, o ator/pastor Arlindo Barreto, 64.  Boa parte dos frequentadores da festa não conhecem a dimensão da celebridade que o irrequieto vovô Arlindo alcançou no passado. Filho da atriz Marcia de Windsor, que se tornou jurada "dez, nota dez" do programa de Flávio Cavalcanti, ele foi mocinho de novela das seis na TV Globo, participou de clássicos das pornochanchadas  ("A Noite das Taras", "Corpo Devasso", "A Insaciável, Tormentos da Carne"…), dirigiu espetáculo no circo Vostok e encarnou a versão mais famosa do palhaço Bozo, levado ao ar pelo SBT.

Drogas, tombo no box e conversão evangélica

No auge do sucesso, o palhaço bateu a audiência do programa de Xuxa, exibido pela Globo, que ocupava o primeiro lugar naquele horário. Na ocasião, Arlindo, que sempre foi muito acelerado, havia se tornado dependente de cocaína e álcool. Um dia, sozinho em casa, caiu durante o banho, rasgou o bíceps no vidro do box e ficou muito tempo desacordado. Perdeu sangue demais, quase morreu.  De volta do inferno, mudou sua vida. Convertido pela última mulher, a evangélica Elizabeth Locateli, que era produtora no SBT, ele se tornou pastor. Mas a figura do palhaço reapareceu nos cultos, só que agora para conquistar fiéis.

Outubro de 2000: Palhaço Bozo no culto (Foto: Fabiano Cerchiari/Folhapress)

"Eu nunca acreditei nisso. Levei um baque quando o vi atuando na igreja", diz o  produtor José Carlos Batista, o Micuim, 57, amigo inseparável de Arlindo Barreto nos tempos das "loucuras".  "Quer dizer então que, depois do sexo promíscuo, das drogas, do rock'n'roll, vira pastor e tá tudo certo? Não né!".

O blog se instala em uma mesa do mal ventilado do salão de festas, onde cerca de 50 convidados comem salgadinhos e bebem sucos e refrigerantes, ao som dos gritos das crianças. Não deixa de ser curioso o contraste entre o ambiente lúdico do salão e as histórias "para adultos" que os entrevistados contam. Um a um, eles se sentam à mesa e despejam suas memórias.

Limpo das drogas desde 1990, Micuim passou dez anos na Amazônia trabalhando com campanha política ("Não para o partido do Romero Jucá! Era para o PDT do Otomar de Souza Pinto", diz ele, como se fossem coisas completamente distintas). Naquele período, chegou a ajudar Arlindo nas produções das apresentações dele na igreja. "Sabe aquela frase do filme (Bingo, de Daniel Rezende, 2017, baseado na vida de Arlindo Barreto): 'Onde houver um palco com holofotes, é lá que eu vou estar'? Pois é exatamente aquilo. Não tinha nada a ver com Deus. Ele precisava estar em evidência. Se não fosse pastor, estaria fodido."

Capa de revista: Márcia de Windsor com o neto, Diego (Foto: Reprodução)

Tensão e Desejo

Estava também no "chá revelação" a mãe de Diego, a atriz  Zélia Diniz, 63, que viveu com Arlindo entre 1979 e 1983. Diz que o largou porque não aguentou o ritmo dele. "Eu não estava emocionalmente preparada para levar aquela vida. Era muita loucura, eu queria uma família estruturada, saudável. Fui criada para o casamento convencional, que dura para sempre", diz Zélia, que depois de conquistar o título de miss Franca, no interior de SP, estrelou mais de 20 pornochanchadas ("Tara das Cocotas na Ilha do Pecado",  "Torturadas pelo Sexo", "Tensão e Desejo" etc) e foi  "telemoça"  no programa de  Silvio Santos.  Deixou a carreira para trabalhar com montagem de estandes para feiras. "Fui dispensada do SBT, segundo eles, por causa de contenção de despesas. Mas eu já era uma 'telecoroa'."

Zélia trabalhou como 'telemoça' do programa de Silvio Santos por dez anos (Foto: Arquivo Pessoal)

Aos 40 anos, Zélia foi  morar com um fazendeiro que a havia pedido em casamento quando ela tinha 14: "Ele me esperou todo esse tempo, quase 30 anos. Nunca se casou", conta ela.  Morena, sorridente, acolhedora, ela é o oposto de Arlindo — que se recusa a dar entrevista. Ele sugere, num tom áspero, que o blog vá procurar sua assessoria de imprensa. Será que Micuim está certo a respeito do pastor? "O frasco pode mudar, mas a essência é a mesma", diz Zélia, referindo-se a Arlindo. Ela fala com lástima, não rancor. Reconhece que ele foi um excelente pai, criou Diego junto com ela e, por isso, nem nos piores momentos o impediu de ver o filho: "Achei que seria importante para a própria recuperação dele. O Arlindo sempre foi louco pelo Diego. Na ocasião, ele me disse: 'O Diego é a luz dos meus olhos. Se você não me deixar vê-lo mais, minha vida acaba", lembra ela.

Diego, entre Zélia e Arlindo, no chá revelação; e no começo da década de 1980 (Foto: Paulo Sampaio/UOL/Arquivo Pessoal)

Por sua vez, Diego tem uma adoração incondicional pelo pai. Desde o tempo em que Arlindo o levava em seu Escort XR3 pra dar cavalo de pau na areia, com o menino sentado no capô, a admiração dele só fez crescer. Diego chega a dar uma boa justificava para o mergulho do pai nas drogas: "Ele fazia mil coisas ao mesmo tempo. Trabalhava na TV, no circo, no teatro, produzia, maquiava…Para aguentar um ritmo daqueles, só usando alguma coisa", acha.

Ao mesmo tempo que o põe nas alturas, tenta contemporizar quando Arlindo reage intempestivamente. Na relação entre os dois, muitas vezes o pai parece ser ele. Centrado, tranquilo, receptivo, Diego se queixa de que a mídia só fala da "parte ruim" da vida de Arlindo (ele nunca usa a palavra "droga"), e que ninguém aborda a parte religiosa. "Acho que (a parte boa) não é comercial", acredita. Conta que, logo depois de frequentar um seminário de formação protestante e tornar-se pastor, Arlindo passou a transmitir a palavra de Deus em projetos itinerantes que alcançavam comunidades carentes em lugares esquecidos do Brasil.

Ministro das artes em Orlando

Diego também quis ser palhaço. Antes de fazer odontologia, chegou a criar um personagem chamado Bidu Bida. Mas aí Arlindo o encaminhou para um teste vocacional que revelou que "a arte era apenas um hobby" para ele. Como sempre, o garoto acatou a palavra do pai. Prestou vestibular, tornou-se dentista e fez pós-graduação em endodontia nos Estados Unidos. Na ocasião, Arlindo fora convidado para ser 'ministro de artes' da Igreja Batista Brasileira em Orlando. Ele fala inglês? "Eu estou sempre por perto", diz Diego, que resolveu estudar teologia também e hoje trabalha em um projeto estilo "médicos sem fronteiras", só que ligado à igreja batista.  Sim, pela conversa dele, sua devoção maior continua sendo a Arlindo — não a Deus.

Hora de abrir o envelope!! A sorteada foi a cunhada de Diego, Priscila. Ela faz suspense e…solta os balões azuis. Todos comemoram: Êêêêê!! Diego chora emocionado, pela vinda de Diego sem Jr.

Micuim volta a carga: "Eu não conhecia esse chá. As pessoas agora escondem o sexo do filho. Antes, escondiam a identidade do pai kkkk."

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.