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Paulo Sampaio

Grife Prada informa em vitrine que sapato custa 4.150 "cada", e gera dúvida

Paulo Sampaio

27/11/2017 08h00

A tabuleta está na vitrine da loja da grife italiana Prada, no shopping JK Iguatemi, zona oeste de SP:

Será que é cada pé, ou cada par? (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Como se trata de uma grife "de luxo", onde um chaveiro pode custar R$ 1 mil e um porta documento, R$ 5 mil, não parece impróprio perguntar se o preço informado é o do pé do sapato, ou o do par. O vendedor explica que, como há outros dois pares expostos na vitrine, há cliente que entra na loja e diz: "Vou levar os três (por R$ 4150)". "Então, a gente coloca o 'cada' pra ficar claro que é um par."

O rapaz diz que aquele é um modelo de "fashion show" — sapato específico para passarela. Feito em couro, vem decorado com dois tufos de pele na parte de cima. Para um leigo não frequentador de fashion shows, o adereço lembra um fungo parasitário que apareceu no caule de uma planta.

Modelo de "fashion show" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Tudo pela exclusividade

Sem dúvida, não é um conceito de fácil assimilação. Que tipo de cliente no Brasil compra algo assim tão fashion, tão show? Empresários? Empreiteiros? Juízes do STF? O presidente da República? Não é pra qualquer um: "Como é um modelo de desfile, a gente recebe em uma numeração bem restrita. Em geral, apenas um par de cada tamanho. Então, quem compra quer exclusividade", diz o vendedor.

Muito gentil, o rapaz mostra outros ítens da loja. Um dos destaques é a malha com estampa bucólica assumidamente "áspera" (o vendedor sugere que o visitante toque no tecido para checar), detalhe que no caso acrescenta sofisticação à peça (cujo valor é R$ 1.580, cada): "A sra. Miuccia usava modelos assim quando era criança. É um clássico da coleção." Miuccia Prada é neta do fundador da grife. Nasceu em 1949, em Milão, cidade a 9.500 km de São Paulo.

Será que alguém que compra a malha áspera sabe desse importante dado histórico, a ponto de aguentar algo pinicando na pele porque vovó Miuccia usava na infância?

Parada natalina

É sábado, 25, e fora da loja está acontecendo uma ruidosa "parada natalina", com trilha  musical "da Disney". Como o shopping abriga representantes de grifes similares à Prada, como Chanel, Gucci e Dolce & Gabbana, ali parece ser o lugar ideal para testar a cultura fashion dos frequentadores. A pergunta é: "Você sabe quem é a sra. Miuccia?"  Entre 20 pessoas interpeladas, apenas duas disseram "a dona da Prada". Dezoito responderam "não" ou "não tenho ideia"; e um senhor de 71 anos (contemporâneo da sra. Miuccia) arriscou: "A irmã do Chico?"

O evento contou com a apresentação de um coral, depois um desfile de artistas circenses e, no auge, a chegada de Papai Noel. Enquanto o coral cantava a plenos pulmões os hits Sugar (Maroon 5), Happy (Pharrell Williams), Rolling in the Deep (Adele) e Upton Funk (Mark Ronson e Bruno Mars), a audiência jogava os cabelos muito lisos para um lado e para o outro, batia palmas e apontava os músicos para as crianças, em uma atmosfera estilo "We are the world". "Tô arrepiada", diz uma mãe, ao lado da reportagem. "Nem me fale", concorda outra, batendo palmas com a bolsa Louis Vuitton pendurada no antebraço.

O coral canta Happy (Pharell Williams): de arrepiar (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

A festa era para todo mundo que aparecesse no shopping, mas o restaurante Forneria San Paolo, que fica no centro de onde o show teve início, convidou casais "bacanas" para levarem seus filhos para assistirem ao show. O lugar funcionou como uma espécie de camarote da parada. A assessoria do shopping informou que, entre as celebridades, estavam Mariana Kupfer, Mariana Weickert, Adriane Galisteu, Isabela Fiorentino e Suzana Gulo,  mulher do apresentador Marcos Mion. Cada uma das crianças VIP recebeu uma chavinha que correspondia a um "cofre" com brindes em uma das lojas. Entre os mimos estavam pirulitos, balas e bonés — não como o da grife Ermenegildo Zegna, que custa R$ 1.760 (cada).

Vendedoras transtornadas

Enquanto as crianças iam atrás dos brindes, as mães carregavam suas chaneizinhas para ver vitrines. Dentro das lojas, as vendedoras pareciam transtornadas com o volume do som da parada: "Isso não é luxo", diz a supervisora da Gucci. "A gente tem de gritar com o cliente: 'GOSTOU DA BOLSAAA?' Sem dizer que a qualidade do som é ruim."

Enquanto as crianças buscavam os brindes, as mães levam suas chaneizinhas para ver vitrines (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Na Christian Louboutin, que fica em frente a Forneria San Paolo, a atendente mostra meio desconcertada a caixa de som virada para dentro da loja. E tome jingle bells, nas mais variadas versões. Entre uma e outra, sucessos de Frank Sinatra, Tony Bennet, Aretha Franklin, Marvin Gaye.

Papai Noel manteve o bom humor, apesar do som alto. O bom velhinho recebeu os pimpolhos entre a Louboutin e a Miu-Miu, esta última outra grife da sra. Miuccia, batizada com o apelido dela na infância — na época em que usava a malha áspera.

O bom velhinho manteve o bom humor apesar do som "ensurdecedor" (segundo as vendedoras) (Foto: Luciana Prezia/Divulgação)

Nas quase 3h em que o blog circulou no shopping, não viu nenhum par dos sapatos Prada (da vitrine) — nem mesmo nos pés dos elegantes artistas circenses.

 

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.