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Paulo Sampaio

Professora de samba de Luiza Brunet dá aula a um grupo de socialites no Rio

Paulo Sampaio

07/02/2018 05h00

Terça-feira útil, meio dia e meia: é hora de?  Aula de samba! Mas não pra qualquer uma. As alunas da professora Carla Campos, 46 anos, especializada desde 1997 na modalidade, vêm da alta sociedade remanescente do Rio de Janeiro. "Sempre tive inveja da minha irmã mais velha, que era bailarina e sambava na ponta do pé", diz Carla.

Ela foi à forra. Deu aula para islandesas, chinesas, japonesas, finlandesas, angolanas, francesas e até para Luiza Brunet. "Aprendi a sambar com a Carla. As aulas são muito valiosas, ela tem paciência de ensinar, é uma pessoa adorável", diz Brunet, que foi rainha da bateria da Portela entre 1986 e 1994, depois migrou para a Imperatriz Leopoldinense e estava lá quando a escola ganhou o título em 1995, 1999, 2000 e 2001.

Luiza Brunet , no ensaio geral da Imperatriz Leopoldinense, em 2017 (Foto: Marcos Ferreira/Brazil News)

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Supertop

Com um pequeno arsenal de adereços, as socialites chegam muito animadas ao estúdio onde funciona a escola de samba de Carla. Fica no segundo andar de uma galeria na Rua Visconde de Pirajá, a via comercial mais importante de Ipanema, na zona sul. Elas trazem saias de franja, tops e, importantíssimo, coruscantes sandálias de plataforma: "A traveca veio com a fantasia completa", diz a promoter Márcia Veríssimo, 51, com a voz rouca. Ao se apresentar, ela explica: "Eu era só socialite, mas de tanto me pedirem para convidar os supertop pra as festas, resolvi trabalhar com isso. Chamo só as pessoas que não respondem convite de promoter, sabe?", explica ela, subindo na sandália de tiras prateadas.

De acordo com Márcia, as socialites tendem a ter um rendimento superior ao de qualquer outra aluna de samba: "A dondoca não faz nada da vida. Então, quando abraça um projeto, ela se dedica." Miss Grand Prix 1984, ela foi casada durante 24 anos com um ex-diretor de banco que agora comanda um residencial para idosos em Ipanema.

Aluna mais divertida da turma, Márica conta que desfila desde 2005 na Marquês de Sapucaí e já saiu de destaque no carro abre-alas, semi-destaque e no chão. Gosta de improviso. "Tem muita cara, muito braço, muita perna pro alto e muito truque", diz ela, em pela aula.

Em cima (da esq. para a dir): Marina, Carla e Maria Pia; embaixo: Titina, Flávia, Marcia e Camila (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Samba x terapia

O estúdio de Carla tem cerca de 40 metros quadrados, não é grande, mas há espaço suficiente para as alunas se soltarem. "Eu já sabia sambar mais ou menos, queria aprender a evoluir", diz a arquiteta Camila Jereissati, 42, dentro de uma saia de franjas azul petróleo, camiseta escura e sandália dourada. Naquele contexto, é a mais discreta.

Para ela, "sambar é melhor do que pagar terapia". Camila conta que ela e mais cinco amigas, incluindo a apresentadora Patrícia Poeta e cantora Roberta Sá, começaram a procurar professor em 2014, mas só em 2015 acharam Carla: o grupo gostou da aula de saída. Patrícia diz que costuma fazer aula na sala de Ipanema, "mas de vez em quando vamos a uma roda de samba, para praticar".

Segundo Camila, a primeira frase que o grupo ouviu da professora foi: "Deixa a 'classe' do lado de fora. Aqui, você tem de rebolar." Camila, três filhos, diz que não sabe se já conseguiu. Para um leigo, está indo muito bem (vive vídeo).

Excesso de empoderamento

O programa de aulas segue a metodologia "samba fit", criada pela própria Carla nos anos 1990. Tecnicamente, ela começa com um exercício que "trabalha a coordenação de pernas, braços e quadril na hora do rebolado". "Elaborei uma apostila com mais de 200 floreios e sequências coreográficas."

Ela conta que, nesses vinte anos lecionando, fez cursos de psicologia desportiva, meditação, reiki e coaching. Ao que tudo indica, não faltou a uma aula de auto-estima: "Tenho capacidade de aprimorar a confiança da mulher para que ela se entregue ao ritmo e se sinta deusa. Trabalho muito o fortalecimento do interior das alunas. Elas ficam poderosas."

A professora diz que é preciso tomar cuidado para não exagerar nesse trabalho de empoderamento. "Algumas se sentem tão poderosas que se tornam egocêntricas. É importante, então, trazê-las para o mundo real, mostrar que somos uma partícula no universo, que estamos em sociedade e que uma rainha não sobrevive sozinha."

Carla Campos, a professora: "É preciso tomar cuidado para a aluna não ficar egocêntrica" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Nome: Gracyanne

Carla põe pra tocar "O que é, o que é", de Gonzaguinha, em ritmo de samba. Ela defende a tese da inexorabilidade do aprendizado. "Não tem isso de falta de jeito. Todo mundo pode aprender a sambar", afirma. Quem não tem muito molejo, e a vê atravessando o salão requebrando, custa a acreditar.

As alunas se animam: "A gente ainda vai se chamar Gracyanne", diz Marina Vianna, aludindo ao híbrido de musa fitness e rainha da bateria na União da Ilha do Governador.

Estão na sala ainda a advogada Maria Pia Mussnich, 59; a arquiteta Maria Isabel Palhares, 58; e as donas de casa Flávia Rodrigues, 58, e Ana Cristina Maciel, 53, a Tititna.

Toda de branco, Flávia Rodrigues apresenta um discurso de veterana. Mangueirense roxa, diz que frequenta a Marquês de Sapucaí desde a inauguração do Sambódromo, em 1984. Já desfilou com fantasia, sem fantasia, na ala dos amigos da escola, e no desfile das campeãs: "Nasci sambando. Sambo em casa o tempo todo. Ponho o disco e sambo."

Em dia de apuração de resultado, avisa ela, "não me liga que eu não atendo". "Lá em casa, ninguém fala (na hora da apuração). A gente nem respira", diz. Foleã de todas as horas, ela também manda ver no bloco Sovaco de Cristo, que sai no Jardim Botânico, zona sul carioca. "Não sei porque tratar o samba como se não fosse chique", indigna-se.

Ê um, ê dois (Foto: Paulo Sampaio)

Aulão de fim de semana

Ana Cristina Maciel, a Titina, lembra que "agora as festas mais legais de casamento tem escola de samba". "Pelo menos aqui no Rio", afirma ela, que é casada e tem três filhos. Titina conta que chegou às aulas de Carla trazida por uma amiga que a 'puxou': "Aí, vieram outras", diz. Atualmente, o grupo frequenta o estúdio uma vez por semana. Mas há a opção do "aulão" do fim de semana, que tem duração de duas horas. "Sempre gostei de samba, agora tô sambando para o marido", diz Titina.

Todos os anos, Carla faz a ponte entre as alunas que não têm passe livre na Sapucaí, e as escolas de samba. Conversa com os carnavalescos, providencia a fantasia mais adequada e consegue lugares VIP em carros alegóricos. Ajuda a "dondoca" na maquiagem, leva para a avenida e acompanha no desfile. "Torno realidade o sonho delas de se tornarem artistas no maior espetáculo do mundo (o carnaval do Rio)." E haja psicologia desportiva!

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.