Topo

Paulo Sampaio

A fim de continuar no cargo, síndica convoca eleição logo após o Carnaval

Paulo Sampaio

14/02/2018 05h00

Isso é um texto de ficção, baseado em fatos reais

Munida de mais de 14 procurações de proprietários que não passaram o Carnaval em São Paulo, a síndica do bloco C marcou para hoje a assembleia geral que vai escolher o ocupante do cargo no próximo biênio. Provavelmente, ela mesma.

A eterna candidata se encaixa na máxima "existo porque insisto".  No passado, cerca de 20 moradores convocaram uma reunião para tentar tirá-la do posto, mas ela, muito bem informada, apareceu na hora H com uma liminar judicial que abortou a manifestação. Por outro lado, ninguém se dispõe a substituí-la. Todos se desculpam: "Sabe como é, trabalho, filhos, não sobra tempo, entende?" Não.

Leia também: Joana Fomm comemora retorno de Perpétua, mas reclama: 'hoje estou na rua'
Meninas da alta sociedade fazem aula de dança sensual para requebrar como Anitta
Em escola de elite de SP, mães promovem grupos de "desapego do luxo"

Votar para síndico na "quinta-feira de cinzas" é como aprovar emenda na Câmara de madrugada (Foto: Laycer Thomaz/ Câmara dos Deputados)

O Brasil se repete microcosmicamente no condomínio, que tem três blocos. São relatos inacreditáveis de abuso de autoridade, tráfico de influência, troca de favores: pelo menos quatro condôminos do bloco C instalaram aparelhos de ar-condicionado em seus apartamentos, o que é proibido por comprometer a fachada. A síndica anuiu. Desnecessário dizer que serão seus eleitores agora e para sempre.

Em outro episódio, um dos proprietários afirmou em alto e bom som que a síndica anistiou a dívida dele com o condomínio em troca de voto. "Ela foi muito clara. Disse: 'Eu pago o que você deve"', contou ele, em uma reunião de moradores do bloco A. Debatia-se como fazer para lidar com uma figura que apela para esse tipo de expediente para conseguir o que quer.

Varanda Gourmet

Como já foi dito em um post anterior, o conjunto tem quase 50 anos e está em uma área de envoltório tombado pelo patrimônio histórico no bairro de Higienópolis, região central de São Paulo. Para boa parte dos condôminos, é muito importante recuperar o projeto original, que contemplava brises nas janelas. Mas a  "síndica das procurações" grita ao mundo que, em vez de brises, ela quer "tudo aberto" e defende a inclusão no projeto de uma "varanda gourmet". Por isso, passaram a chamá-la maldosamente de Croquete. "É isso mesmo: moderno e chique!", ela repete alto, enquanto abaixa com as duas mãos a parte de baixo do vestido muito justo.

Multiversada, Croquete é especialista em tudo. Dependendo do assunto que se está discutindo, ela se transforma em advogada, engenheira, chef de cozinha, cirurgiã plástica, maquiadora, decoradora ou arquiteta. Para defender seu projeto de fachada, a arquiteta híbrido de gourmet ameaça os que são contra na base do "prendo e arrebento". Chegou a invadir o prédio com a polícia, disposta a derrubar paredes de apartamentos que ela considera inrregulares; adora dizer que conhece "gente graúda na prefeitura", e alega a existência de uma planta "original" do edifício, que corrobora com tudo o que ela quer para a fachada, mas que jamais foi encontrada.

Fachada banguela

Muito proativa, Croquete tomou a iniciativa de arrancar os janelões que fechavam sua varanda — assim como acontece com as de todo o prédio — e inovou: agora, a fachada ficou banguela no andar dela. O próximo passo pode ser a churrasqueira. Será que os amigos graúdos dela na prefeitura sabem disso?

"A Croquete diz que fez uma pesquisa no bloco C e o resultado apontou que a maioria quer  a varanda gourmet",  afirma uma moradora do bloco B que é descendente de japoneses e ficou conhecida como Nacional Kid — pela maneira heróica com que enfrenta os inimigos do condomínio. Diz que nunca viu a alegada pesquisa. Suspeita que seja invenção.

Não é difícil que, na remota possibilidade de se realizar tal enquete no bloco C, os moradores aprovem em massa a varanda gourmet. Croquete é extremamente persuasiva. Muitos condôminos acham bonito ver o jeito como ela gospe suas ideias geniais; a maioria é capaz de concordar por falta de senso estético e também por indolência. Kid se revolta: "Os que outorgam procurações a ela e também boa parte dos que a reelegem por convicção se dividem entre os preguiçosos, que não têm força para enfrentá-la, e os aparvalhados, que não fazem a menor ideia do que se está discutindo e não se importam em morar em um prédio com cara de hotel Ibis."

Nacional Kid luta heroicamente contra os inimigos do conjunto

Tontinha da Silva

Um refinado colecionador de arte do bloco C olha para Nacional Kid, sem forças. "Pior é que não dá nem para contar com a Labirinta", lamenta ele, também conhecido como #senhorbrisejá.

Labrinta é a síndica do bloco A. Os condôminos a chamam assim porque ela sofre de uma espécie de tontura intermitente que a leva girar em círculos e bater insistentemente com a cabeça na parede, mesmo quando é alertada. Tonta de tudo, Labirinta tem certezas que ninguém consegue demover de sua mente desarranjada.

Sempre que volta das reuniões com Croquete e com o síndico do bloco B, ela está com uma expressão amuada de cachorro que soltou um pum na igreja. Às vésperas do fim do ano, Labirinta desmarcou uma reunião importante com o arquiteto encarregado do projeto da fachada, alegando um acidente muito grave com um pintor de parede que morreu depois de despencar do 13º andar do prédio.

A tragédia deixou toda a comunidade estarrecida, mas ainda assim boa parte não via ligação entre o episódio e a reunião premente com o arquiteto, que, com isso, ficou adiada sine die — já que em seguida vieram as festas de fim de ano e, depois, o letárgico mês de janeiro.

Labirinta em momento de impaciência (Getty Images)

Esperando Godot

O arquiteto aproveitou os giros de Labirinta para dar, ele também, uma de tonto. Estima-se que doutor Cágado, como muitos já se referem a ele, leve de 100 a 150 anos para apresentar os traços básicos do projeto de reforma da fachada. Por ser arquiteta, Nacional Kid cobra resultados dele, mas Cágado diz que só responde a síndicos. O problema é que, como há três síndicos, ele precisa se decidir por um.  O do bloco B, recém-eleito, passa a maior parte do tempo tentando tomar pé na selvageria que caracteriza a relação entre as mandatárias do A e do C;  enquanto Croquete berra suas ordens, Labirinta gira sem parar e, enfim, todos já perceberam que não dá para contar com ela.

Eleito por condôminos que são frontalmente contra a varanda gourmet, ironicamente Cágado agora ouve os pitacos da síndica que é "mega a favor". Por sua vez, Labirinta se recusa a reconhecer que comeu mosca.  "Você acredita que o Cágado anda conversando com a Croquete?", pergunta, indignada, como se aquilo fosse uma traição dele, e não resultado da incompetência dela.

Croquete e Labirinta: eterna disputa

Ombreira no hospital

Alhures, as notícias sobre a ex-síndica do bloco B, dona Ombreira — também conhecida como Quarterback –, não são nada boas. Sua filha esbraveja que a mãe "foi internada num hospital por causa de vocês todos!!". Ela fala isso como se Ombreira trabalhasse feito uma camela à frente da administração do bloco, quando na verdade parece ter passado anos agindo sob o efeito de um Lexotan a mais.

Os gritos dramáticos da filha de Ombreira culpando "todo mundo" pelo flagelo da mãe não passam de jogo de cena. Isso é o que garante uma vizinha do bloco A, que, na infância, costumava brincar com a outra no jardim interno do prédio. Ao que tudo indica, a pobre garotinha sofria bullying doméstico. "Sua gorda!", gritava Ombreira. "Inútil!"'

Comenta-se que isso gerou graves problemas psicológicos na menina, hoje uma solteirona de 45  anos. Com cerca de 90 kg, para 1,65 m de altura, ela é chamada de Bebê Elefante pelos desafetos, por causa de sua voz de menininha. De acordo com as últimas fofocas, Bebê defende a mãe enquanto a empurra para o túmulo, porque, caso a velha morra, ela vai herdar um terreninho no interior. No fim, BB acabou cumprindo a profecia de sua pérfida mãezinha: nunca fez nada da vida.

Quarterback se recupera de "estafa" no leito de um hospital; sua filha desabafa com os condôminos: "A culpa é de vocês!!"

Varredura na contas

Segundo Nacional Kid,  o que de fato levou Ombreira para o leito de um hospital foi o fato de ela ter perdido a última eleição para um síndico profissional.  "Ela agora não pode mais fazer tudo o que lhe vem à telha, sem dar satisfação aos condôminos", acredita Kid, que no momento faz uma varredura nas contas e nos contratos do prédio.

Por motivos políticos, Ombreira uniu-se à outra ex-síndica, que ela costumava chamar de "caloteira sem vergonha". A mulher chegou a processar o condomínio na gestão de Ombreira, mas ultimamente as duas haviam se tornado melhores amigas de infância. "Ela fez tudo pelo condomínio! Deveria ser respeitada!", gritou em uma reunião a caloteira, que, depois de uma temporada portenha, passou a ser chamada no condomínio de  "Estafadora Hija de Puta".

Besos satânicos

Os mais recentes gritos de BB Elefante são dirigidos, quem diria, justamente a Estafadora Hija de Puta — já declarada a mais nova ex-parceira e ex-amiga de infância de Ombreira. Parece que os besitos satânicos da Estafadora em Ombreira fizeram a pobre mãe de BB ser transferida para cuidados intensivos.

Não se tem tido notícia de "hija", e isso pode ser um mal presságio. Os que a conhecem afirmam que quando ela some, em geral está tramando algo "muy perigoso". Avisada, Labirinta reage na base do "pero que si, pero que no".

Cocô na garagem

Croquete está segura de que sairá vitoriosa hoje. Ninguém jamais ouviu falar de uma pessoa que faça tanta questão de ser síndico de edifício. Qualquer outro entregaria o cargo ao mais leve sinal de insatisfação dos condôminos: seria um alívio. Pois ela não deixa o posto nem mesmo quando quase metade dos proprietários de apartamentos pedem sua renúncia.

Conta com o apoio do maridão, Bob, mais conhecido como Bobo, que apesar de ser o dono do apartamento, apenas a obedece. No máximo, murmura algo inaudível. Quer dizer: há quem diga que já o ouviu dirigir  xingamentos como "sua vaca!" à mulher. De qualquer forma, ela não ouviria porque fala muito alto (e porque não ouve ninguém mesmo). Sufocado, Bobo de vez em quando sai para espairecer. Leva o cãozinho dela para fazer cocô na rua, ou, quando está muito deprimido, deixa o animal defecar na garagem mesmo.

Dona do salão de festas

Os dois não moram no imóvel, mas compensaram sua ausência enchendo o lugar com estudantes que o transformaram em uma espécie de república. Nacional Kid e #senhorbrisejá estão de olho. Mandaram uma notificação para Croquete, mas ela, bem ao seu estilo, ignorou. Sequer acusou recebimento. Estava ocupada em deixar claro, de uma vez por todas, que o salão de festas do prédio é propriedade apenas do bloco C (ou dela mesma). Todo croquete, como se sabe, adora uma festa.

A síndica do bloco C adora um salão de festas

Kid não jogou a toalha. O super-herói já bola estratégias com renomados advogados para impedir a ação nefanda da inimiga-mor do condomínio.  Tudo indica que ainda não será desta vez que sairá vitorioso. O bloco C cochila zzzzz gostosamente, alheio às manobras da eterna candidata.

Outros posts do autorVera Gimenez: "Nunca gostei de viadinho"
Regina Guerreiro: "Fazer 77 anos é maravilhoso o caralho"
Ensaio do Salgueiro tem mulherão, animal print e rissoles

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.