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Paulo Sampaio

Dispostas a emagrecer, mulheres vivem "bariátrica imaginária" por hipnose

Paulo Sampaio

14/05/2018 05h00

Até janeiro, a servidora pública curitibana Desirée Amaral, 42 anos, 1,57m de altura, estava doze quilos acima do que considera ideal para ela. Pesava 62kg. "A vida toda fiz dieta, a da lua, a da sopa, a lowcarb, a dos Vigilantes do Peso, mas não conseguia manter depois", conta. Desirée não tinha indicação para se submeter à cirurgia bariátrica, de redução do estômago. Não a feita por médicos.

Então ela soube de uma clínica em sua cidade que usa a hipnose para levar a paciente a crer em uma "bariátrica imaginária". Se o caso não for de obesidade, eles oferecem a possibilidade de promover a perda de peso pela técnica do balão intragástrico, que consiste na introdução de uma bexiga no estômago para "encher a barriga"  e, assim, dar a sensação de saciedade. Tudo por indução.

Ambos os procedimentos são realizados não imaginariamente pela medicina tradicional, praticada por especialistas e com instrumentos cirúrgicos reais.

Tem que acreditar

Segundo Desirée, "funcionou". "Você tem de ir para a consulta acreditando que vai dar certo", avisa. E continuar acreditando depois, claro. Ela conta que, desde a hipnose, tem se sentido saciada com a metade do que comia antes. Diz que perdeu 5 kg de janeiro até agora. Na verdade, deu uma ajudinha no campo da realidade: "Não como mais doce com açúcar, só diet."

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Desirée Amaral, antes e depois da "bariátrica imaginária": "Funcionou", diz ela (Foto: Arquivo Pessoal)

O caso da corretora de imóveis Patricya Martins, 34 anos, foi um pouco mais complicado. "Eu vinha de um processo de depressão, tinha engordado mais ainda. Fiz terapia antes." A princípio, lembra Patricya, ela sentiu um certo receio de se submeter à hipnose.  "Eu quis saber direitinho como era, porque essas coisas que mexem com a cabeça da gente assustam."

Ela afirma que a sensação de saciedade, depois da introdução do balão imaginário em seu estômago,  permaneceu até que ela atingiu o peso que esperava: "Você se sente estufado, perde a vontade de comer", relata ela, que se submeteu ao procedimento há cerca de dois anos. Patricya conta que está grávida e que, "logo, logo", depois que a criança nascer, vai precisar de outras sessões.

Engolindo o balãozinho

As duas foram atendidas pela terapeuta cognitiva comportamental Suéllen de Oliveira Steffens, 35 anos, que se apresenta também como hipnoterapeuta clínica. Suéllen explica que seu método de hipnose de emagrecimento "usa muito o lúdico, a imaginação": "Digo ao paciente: 'Agora você está engolindo um balãozinho vazio….ele está se instalando confortavelmente no seu estômago…a gente vai encher esse balãozinho, e você vai ficar com ele até que atinja o peso e o corpo ideal. Aí, o balãozinho vai se dissolver que nem gelatina."

Suéllen esteve em São Paulo no fim-de-semana para participar de um curso de dois dias de hipnose "focada em emagrecimento". Até então, ela vinha usando apenas a "dinâmica do balão". A partir de hoje, já disponibilizará para os pacientes a "bariátrica imaginária".

Mind setting

O curso foi coordenado pela hipnoterapeuta Fernanda Navarro, 46, que há cinco anos usa a técnica. Ela explica que para o paciente entrar em transe é preciso estabelecer um mind setting (estado de espírito adequado) e criar "um novo cenário mental": "Entrego antes um questionário onde pergunto tudo. Se a pessoa não gosta de água, por exemplo, não posso induzi-la a relaxar no mar. Se não suporta abacaxi, não vou levá-lo para um lugar onde ele corra o risco de sentir o cheiro da fruta", diz Fernanda.

Ela garante que o paciente fissurado em doces, por exemplo, pode vir a sentir náusea só de pensar em comê-los. "Alguns chegam a vomitar", afirma. Segundo Fernanda, "essa pessoa vai adquirir um novo chip de memória no cérebro". "Ao pegar o cardápio em um restaurante, em vez de ir direto na batata frita, ela vai folhear com calma e examinar as outras opções."

Sem picaretagem

Quem ministrou o curso foi o hipnoterapeuta e neuropsicólogo gaúcho Benomy Silberfarb, 60 anos. Ele deixa claro que realizar a hipnose "não é para qualquer um". "Esse pessoal que faz um cursinho de fim de semana e acha que já pode aplicar a técnica é picareta. Meu negócio não é palco não. Meu curso não é chutado, eu tenho cinco livros publicados!"

Segundo Silberfarb, é necessário estar em um transe muito profundo para receber o balão intragástrico. "Normalmente, os profissionais levam seis, sete sessões para conseguir isso. Eu, como tenho mais experiência, faço em um fim-de-semana. As pessoas que participam do meu curso esperam avidamente o final, para receber o balão", explica.

Nesse fecho, Silberfarb promove um "procedimento coletivo" — com todos os participantes.  "É preciso que o terapeuta seja hábil, persuasivo, e o paciente tenha capacidade de vínculo. Caso contrário, não vai rolar."

Ele diz que, para ajudar na indução durante a "bariátrica imaginária" ("não pode chamar de cirurgia porque o conselho de medicina vem atrás e processa"), busca se aproximar o mais possível do procedimento "real": "Ponho o som dos batimentos cardíacos, do barulho dos instrumentos cirúrgicos, do monitor."

Enjoo do bem

A auxiliar de recursos humanos Bruna Costa, 27 anos, que trabalhou como colaboradora no penúltimo curso organizado por Fernanda, vendendo livros e DVDs da técnica, se submeteu voluntariamente à hipnose para a introdução do balão gástrico. Pelo que conta, "deu certo": "Eu tinha 1,63m e pesava 89,7kg; quatro meses depois, estava com 72kg", afirma.

Segundo Bruna,  já durante o transe ela sentiu desconforto no estômago e enjoo. Hoje, afirma que come apenas 10% da quantidade de doces que costumava comer. "O balão se dissolveu em janeiro", acredita. "Talvez precise de outro, porque sobraram uns quilinhos…"

Para casos de pacientes que "viciam" no procedimento, Silberfarb ensina a auto-hipnose.  "A hipnose é uma coisa tão maravilhosa que as pessoas ficam alucinadas, querendo fazer o tempo inteiro. Se você é um pilantra, se aproveita disso. Não quero que fiquem dependentes de mim. Existe uma questão ética."

Bruna Costa diz que perdeu 17 kg depois da "dinâmica do balão" (Foto: Arquivo Pessoal)

Inconsciente Danado

Assim como na bariátrica realizada por médicos, na imaginária também há os convalescentes rebeldes, que não fazem "a parte deles" depois da dinâmica. Suéllen conta que alguns de seus pacientes apresentam o que ela chama de "inconsciente danado".  "A pessoa diz que comeu peixe e que a espinha furou o balão. Coloco-a em transe de novo e a levo a acreditar que tirei a espinha e que estamos em processo de recuperação."

O número de sessões entre o preparo psicológico e a "dinâmica do balão", ou a "bariátrica imaginária" varia de seis a oito. Suéllen cobra 400 reais a consulta. Fernanda não revelou. Benomy, R$ 450. "Estamos lidando com o cérebro, não com uma verruga", lembra ele. Pelo que relatam,  a demanda pelo tratamento é muito grande. "Tem fila de espera", dizem.

Público roubado

A formação pelo Instituto Brasileiro de Hipnose e Terapias ("são 150 horas presenciais, mais um catatau supervisionadas") não foi suficiente para proteger Suéllen de ataques violentos promovidos na semana passada por médicos do Brasil inteiro, que a consideram uma "embusteira". "Não deixa de ser uma reação esperada, a partir do momento em que você rouba um público que seria deles." Ela conta que boa parte dos agressores está cursando a residência.

Para o presidente da Associação Brasileira de Hipnose, o ginecologista Omar Colas, "psicólogos não deveriam fazer a 'bariátrica imaginária', nem qualquer tipo de cirurgia médica": "O conselho de psicologia reconhece a hipnose (assim como o de medicina, odontologia, fisioterapia e enfermagem), mas cada um tem de se ater a sua área. O psicólogo deve usar a hipnose para lidar com angústia, depressão, pânico, desajustes de ordem psíquica."

Profissão que não existe

Segundo Colas, o termo "hipnoterapeuta" tampouco é adequado. Para ele, remete a "um engodo, uma mentira". "É uma profissão que não existe. Parte de 'terapia', que é algo aberto. Se fosse assim, qualquer pedreiro que fizesse um curso de fim de semana poderia virar hipnoterapeuta. E a população brasileira, que em sua maioria é leiga, acredita."

Colas defende que cirurgias, incluindo as por indução, devem ser acompanhadas por médicos. "Se o paciente obeso sofre de diabetes, pressão alta ou problemas cardíacos, é preciso ter um profissional que saiba lidar com eventuais complicações durante o processo." Ele mesmo não faz a "bariátrica imaginária".

Manutenção psicológica

Tanto Silberfarb quanto Fernanda e Suéllen garantem que só submetem seus pacientes à hipnose de emagrecimento depois de pedir exames laboratoriais para se inteirar do estado de saúde deles. "Isso é fundamental. Você precisa saber o histórico da pessoa, as doenças pré-existentes, os riscos que ela corre, até para ver se é o caso de submetê-la à hipnose", afirma Silberfarb.

Os três psicólogos falam também da importância da terapia para amparar o processo. Não só antes, na fase do "preparo", como na "volta", quando é preciso fazer a "manutenção psicológica". Mas tanto Desirée Amaral, a servidora do primeiro parágrafo, como Bruna Costa, que foi voluntária da dinâmica do balão, afirmam que não passaram por nenhum tipo de exame (laboratorial ou psicológico), nem  por manutenção. "Fui só para a hipnose", diz Desirée.

Método Reprovado

O blog consultou o diretor da unidade de cirurgia bariátrica do Hospital das Clínicas, Marco Aurélio Santo, sobre a "bariátrica imaginária". Ele reconhece que há comprovação científica da hipnose em determinados casos ("ela auxilia em diversos aspectos") , mas não endossa absolutamente sua eficácia em nenhum dos dois tipos de cirurgias bariátricas — a redução do estômago simples, e a com derivação intestinal. "É um procedimento interventivo muito sério, feito com anestetesia geral, laparoscopia, não dá para ser banalizado assim. E a obesidade é multifatorial, muitas vezes está associada à diabetes, pressão alta, não se resolve como um problema meramente psicológico."

Santo acredita que, por mais que alguém seja "suscetível", o resultado da indução vai ser momentâneo. "É uma forma ilusória de captar o paciente que está perdido. Não tem ciência que justifique."

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.