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Paulo Sampaio

Plebeus monarquistas pagam R$ 250 para almoçar com a 'raspinha' da realeza

Paulo Sampaio

04/06/2018 05h00

Dom Bertrand de Orleans e Bragança recebe os monarquistas em almoço pago (Foto: Bruna Prado/UOL)

O advogado e candidato a deputado estadual Fernando Sauerbronn, 70 anos, conta que o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) o escolheu para representá-lo "filosoficamente" entre os entusiastas cariocas da monarquia parlamentarista. "Ele (Bolsonaro) é muito sensível. Percebeu que eu não sou um monarquistazinho de aparência, como muitos por aí. A maioria não sabe nem da influência neotomista no regime (explicando): 'neo' é novo, e 'tomista', que se refere a São Tomás de Aquino…." Sauerbronn veste paletó e calça escuros de tecidos diferentes, ambos com finas linhas brancas.

Ele é um dos dos cerca de 70 plebeus que estiveram ontem em uma missa rezada no Outeiro da Glória em homenagem aos 80 anos do "chefe da casa imperial do Brasil", dom Luiz de Orleans e Bragança. À missa se seguiu um almoço no hotel Windsor Florida, no Flamengo, a R$ 250 por cabeça. Como mora em São Paulo e tem problemas de locomoção, dom Luiz foi representado na "gratíssima efeméride" pelo irmão dom Bertrand Maria, 77. "Se eu tivesse sofrido a desgraça de ser republicano, estaria com as barbas de molho. A República fracassou. Precisamos voltar ao único regime que deu certo no Brasil", acha dom Bertand.

Candidato a deputado estadual, o advogado Fernando Sauerbronn diz que o presidenciável Jair Bolsonaro o escolheu como representante "filosófico" do partido (PSL) na monarquia do Rio (Fotos: Bruna Prado/UOL)

Beija eu

Diferentemente do representante filosófico de Bolsonaro, dom Bertrand Maria não associa a monarquia a presidenciáveis. Diz que o regime é suprapartidário, e o coloca acima das polarizações de esquerda e direita: "Entre os monarquistas não há ódio, queremos o bem de todos." Faz sentido: segundo Hayley Rocco, assessora monárquica, dom Luiz sustenta um secretariado de seis funcionários com doações de apoiadores. Ou seja, não está em condição de rejeitar adesões (ou contribuições).

Toda a plebe que circula pelo pátio da igreja acha que de fato a monarquia, em caso de restauro, será isenta. Eles acreditam piamente que o eventual imperador do Brasil se restringirá ao comando do estado, enquanto o primeiro ministro apenas ao governo — sem influências recíprocas. "A descentralização do poder é fundamental", defende o médico Ezequiel Novais Neto, 41, que é presidente do Círculo Monárquico de Montes Claros (MG) e candidato a deputado estadual pelo Partido Novo.

Três letrinhas

Apesar de louvar a "isenção monárquica" e de dizer que o regime não tem preferência por partido nenhum — apenas representa o Estado –, Novais entrega seus desafetos. "Pense em três letrinhas: STF", sugere ele, referindo-se ao Supremo Tribunal Federal. "Hoje, uma pessoa do PT indica outra pessoa do PT para ser ministro, e esse ministro do PT vai julgar uma terceira pessoa do PT." (Algo parece ter dado errado).

Novais fez as contas e chegou à conclusão de que "além de tudo, a monarquia seria um regime muito mais econômico". Ele diz ter descoberto que "nossa corte gasta 34% mais do que as monarquias da Inglaterra, da Suécia e da Dinamarca, juntas". "Peguei os dados no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal). A figura do presidente é mais cara que a do rei."

Precisava ter tido tanto trabalho?

O médico candidato a deputado Ezequiel Novais Neto se deu ao trabalho de fazer as contas para chegar à conclusão de que a corte do Brasil gasta mais que as da Inglaterra, da Suécia e da Dinamarca, juntas  (Foto: Bruna Prado/UOL)

Coice da rainha

Em seus devaneios monárquicos, os súditos de dom Luiz e de dom Bertrand garantem que o regime colocaria um ponto final na corrupção no Brasil.

Para defender a lisura do eventual imperador, o economista Ohannes Kabderian, 67, apela para Elizabeth II: "Você consegue imaginar alguém ligando para a rainha da Inglaterra para perguntar se ela pode soltar um por fora para acabar com a greve dos caminhoneiros? É incabível, a pessoa ia levar um coice."

Dom Bertrand, a propósito, diz que nunca foi apresentado à rainha inglesa: "Mamãe conheceu. Eu só estive com a duquesa de Kent." Disappointed.

Coisa bonita

Perto da entrada da igreja, o grupo de Ohannes permanece falando maravilhas da monarquia. Ele conta várias histórias com a intenção de provar a superioridade de caráter de seus membros. "Dom Luiz nasceu na França, quando seu pai, dom Pedro Henrique, foi exilado em decorrência da lei do banimento. Ofereceram para dom Pedro 5 milhões de contos de réis para que a família fosse embora dignamente, mas ele não aceitou o dinheiro, que equivalia a 4,5 toneladas de ouro, porque sabia que vinha dos cofres públicos." Coisa bonita.

Ali perto, a historiadora Andréa Christina Silva Panaro Caldas, 53, comenta com comedida indignação que "a República fez da Monarquia motivo de piada, de deboche, mas alguns historiadores estão desmistificando isso". "Você sabia que, graças a D. Pedro, o Brasil foi o terceiro país a ter ferrovia, telégrafo e telefone?" Andréa está toda de preto, usa vários broches com insígnias e fitas religiosas — além da miniatura de uma coroa que simboliza a monarquia. "Preto é a cor que se usa para chegar perto do Papa, de acordo com o protocolo diplomático." Ela, particularmente, nunca chegou.

Baronesa da maçaneta

A historiadora afirma que tem, sim, suas conexões com a realeza. Segundo ela, as maçanetas das portas na fazenda de seu avô por parte de pai em Cataguases, Minas Gerais, eram adornadas com o brasão representativo do império. "Ele foi barão do café", explica. Já sua avó por parte de mãe descenderia da casa de Bourbon; D. Pedro II teria se hospedado na fazenda do pai dessa avó, que vem a ser o tataravô da historiadora. "Esse registro está no museu da Paraíba."

Pelo sim, pelo não, Andrea mandou imprimir um "baronesa" eu seu cartão de visita.

Em seu cartão de visitas, a historiadora Andréa Caldas é baronesa: "As maçanetas das portas na fazenda de vovô  em Cataguases tinham o brasão do Império." (Foto: Bruna Prado/UOL)

Sufoco monárquico

O médico Rodrigo Siqueira da Rocha Dias, 36, vice-líder da Organização Império do Brasil, conta que no ano passado foi agredido em uma manifestação no Dia do Trabalho, porque levantou a bandeira da monarquia no meio da multidão. Ele mostra no celular a notícia publicada em um site, com uma foto onde sua camisa aparece rasgada no ombro, revelando um pedaço do tórax. "O repórter me perseguiu, me pediu para fazer a foto, eu fiz."

Rocha Dias diz que é autor da ideia legislativa que pede a restauração da monarquia parlamentarista. Ele explica que, como recebeu 20 mil votos, a ideia virou sugestão legislativa. "Está tramitando na Comissão de Direitos Humanos do Senado e, por isso, obrigatoriamente vira matéria de debate", diz.

Muito obsequioso, o médico chama para dar entrevista o técnico legislativo Uílian Martins, 33, que passa a contar sua façanha em prol da monarquia. Martins conseguiu aprovar uma lei que determina o hasteamento da bandeira imperial em todas as escolas de Rondônia, junto com a do Brasil e a do estado, e também estabelece que os alunos cantem o Hino da Independência pelo menos três vezes por semana. "Tive facilidade de conseguir adesões por ser próximo do primeiro secretário da mesa diretora. Dos 24 deputados, 19 votaram a favor. Mesmo assim o governador à época vetou. Mas tinha Uílian Martins (ele mesmo) e o projeto virou lei por promulgação", conta.

O médico Rodrigo Rocha Dias segura a camisa da seleção brasileira adaptada com a bandeira da monarquia (Foto: Bruna Prado/UOL)

Batom laranja

A ex-feminista de esquerda Sara Winter, que está se candidatando a deputada federal pelo partido Democratas e agora se declara monarquista, também foi à missa (não ao almoço). Com os cabelos descoloridos, batom alaranjado e blusa lilás, ela dava a impressão de representar muita coisa ao mesmo tempo. Apresentou-se como conferencista e escritora, falou de "peitos de fora", de Bolsonaro, de prostituição, deu umas caneladas no noivo e posou para fotos. Apesar do esforço, ela não parecia muito entrosada. As sucessivas guinadas de 180º que efetuou em seu currículo são um assunto recorrente, mas ela nega que use isso para conquistar visibilidade — e votos. "Eu aparecia muito mais antes, quando era feminista. Fui na Marília Gabriela, no Danilo Gentile, concorri ao BBB…".

Por sua vez, o estudante da faculdade de direito da USP Leonardo Cantelli Foltran, 22, que cuida das redes sociais monarquistas, era todo comedimento. De terno cor de areia, óculos de armação grande e ares de senhorzinho, ele contava que se apaixonou pela monarquia há cerca de quatro anos, quando assistiu a uma palestra de dom Bertrand. Desde então, passou a achar que "o trabalho de um médico não é um direito nosso"; e que "a educação do cidadão é um dever da família". "Sou a favor do home schooling (formação escolar em casa)." Ele diz que a página da monarquia no facebook tem quase 90 mil seguidores.

Pelo que se depreende da conversa com Foltran, o restabelecimento da monarquia depende forçosamente da retirada de quase todos os brasileiros do Brasil  — já que não há capital cultural doméstico suficiente para realizar o home schooling na maior parte do País. Diferentemente de seus correligionários mais velhos, Leonardo Foltran ainda tem tempo para abandonar a monarquia e cair na real.

Leonardo defende o home schooling no Brasil (Foto: Bruna Prado/UOL)

Cardápio bilíngue

Em seu sermão em latim, o padre monarquista Anderson Batista da Silva, 38 anos, santificou a família real e falou da esperança que todos depositam no príncipe dom Rafael de Orleans e Bragança, 32, quarto na linha sucessória ao trono do Brasil. Trata-se do varão de dom Antônio de Orleans e Bragança, 67, único dos três sucessores ao trono que teve filhos.  A assessora Hayley Rocco diz com um misto de divertimento e excitação que "dom Rafael é solteiro, vive em Londres e deixou todo mundo na torcida para que ele arranje uma princesa".

Depois da missa, tem beija-mão do lado de fora da igreja, fotos com dom Bertrand e o almoço. No cardápio bilíngue, vol-au-vent de palmito e medalhão de filé mignon. Aparentemente, a greve dos caminhoneiros não desabasteceu a monarquia de brioches.

Monarquistas à missa (Foto: Bruna Prado/UOL)

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.