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Paulo Sampaio

Sem namorar, aposentada de 72 diz que se vira com um vibrador chamado Souza

Paulo Sampaio

18/07/2018 04h00

Sentada em uma mesa na beira do palco, a aposentada Clarice Berto, de 72 anos, aguarda o show de Altemar Dutra Júnior, em um dos bares da empresária da noite Lilian Gonçalves, em Santa Cecília, centro de São Paulo. Viúva há 12 anos, sem acompanhante, Clarice diz que não namora há muito tempo: "Tenho um vibrador chamado Souza, me viro com ele. Todo mundo aqui o conhece pelo nome", diz ela.

Os lugares vagos na mesa de Clarice estão reservados para amigos que ainda vão chegar. Ali, só se sentam homens: "Muita mulher junto só dá confusão. Elas são fofoqueiras, competitivas, disputam tudo", acha ela, que assiste ao show de Jr. todas as segundas-feiras, impreterivelmente.

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Sentimental demais

O cantor é filho de Altemar Dutra, o "rei do bolero", que se tornou muito popular com a interpretação arrebatada de sucessos como "Sentimental Demais" e "Que Queres Tu de Mim". Vítima de um enfarte em 1983, morreu quando se apresentava em uma casa noturna em Nova York.

Além do cancioneiro consagrado pelo pai, Dutra Jr. canta Frank Sinatra, Marisa Monte e Luis Fonsi. É um homem afável, de ossatura larga e vozeirão. Cheio de falsa modéstia, ele acredita que há muito mais mulheres na plateia de seu show "porque o homem morre mais cedo". Diz que a relação com as fãs de 60+ é muito respeitosa: "Outro dia, uma me disse que quando eu estiver mais velho vou ficar a cara do meu pai. Só que meu pai morreu aos 43, eu já tenho 48."

Uiscão e brindes

Formada em psicologia, Clarice é aposentada como secretária da Eletropaulo ("na minha época mulher era professora ou secretária"). Enquanto conversa com o blog, bebe whisky em um copo longo, com um pouco de água. "Tomo só um, pra dar aquela desanuviada", explica ela, fazendo com as mãos abertas um movimento de quem afasta uma nuvem. Muito maquiada, cabelos platinum blonde armados e vestido indiano vermelho, ela diz que o marido era notívago também: "Na noite em que nos conhecemos, eu o levei pra casa e ele nunca mais foi embora. Ficamos juntos 21 anos. A gente saía, voltava às 5 da manhã, tomava café e cada um ia pro seu emprego."

Ela mantém o mesmo ritmo. Carregada de bijuterias que tilintam o tempo todo, conta que quando o show acaba, ela ainda passa no bar da esquina para tomar um caldo verde, e só então pega um táxi e volta pra casa. Dorme por volta das 4h. "Preciso de três horas de sono bem dormidas." Assim que acorda, a primeira coisa que faz é colocar os cílios postiços: "Aí eu começo o dia."

Embaixo da mesa onde a aposentada se senta no bar, há alguns sacos plásticos de supermercado com brindes que ela dá de presente aos amigos (homens). Chapéus, pequenas imagens compradas na basílica de Nossa Senhora Aparecida, onde esteve recentemente, e um leque. Leque? "Ah, de vez em quando uma velha passa mal aqui, a gente abana." Tradicionalmenrte, traz de casa um lanche para Altemar Jr, que mora em Atibaia, no interior de São Paulo e, acredita ela, chega ao bar com fome.

 

 

Dutra Jr. desce do palco para fazer charme com Clarice, que em todo show dá um chapéu de presente para o cantor; o dela está autografado por ele (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Clarividente de famosos

Duas cadeiras para a direita está o guru de Clarice ("e de muita gente famosa"), Marcos Duller, 60, que se define como clarividente. Diz que dá consultas a Cleo Pires, Felipe Massa e até ao príncipe Willian ("quando esteve no Brasil, na casa da Ana Paula Junqueira"). Duller afirma que vê "um pouquinho do passado, do presente e do futuro através da aura da pessoa". Sensitivo desde os 7 anos, ele diz o que enxerga na aura do repórter: "Você é ligado 220, capta tudo. Precisa cuidar do sono."

Ele conta que há 20 anos cuida "visualmente" das casas de Lilian Gonçalves (que é dona de uma fileira de bares e restaurantes na rua Canuto do Val). O show de Dutra Jr. é  no bar Nelson Gonçalves, cujo nome é uma homenagem ao "cantor das multidões", alegadamente pai de Lilian. "Quem vê cara não vê coração. Na noite, tudo parece festa, mas quando as pessoas vão embora, deixam uma energia aqui que nem sempre é boa", explica o clarividente.

Mãe, você tá louca?

Em frente a Duller está a empresária Rosana Franceschini, 58. Em sua primeira vez na plateia do show de Dutra Jr., ela se sentou à mesa de Clarice, mesmo sendo mulher, a convite do guru. Não sabia da restrição machista da aposentada. Rosana conta que vai sempre ali, mas em geral às sextas-feiras, "porque no sábado dá pra dormir até mais tarde".

Diz que foi casada três vezes e que se dá muito bem com todos os maridos. Com o segundo (pai de seus três filhos), houve uma pequena rusga. "Ele queria pensão alimentícia", lembra. O terceiro marido foi o padrinho do segundo casamento. Os dois filhos homens foram batizados com os nomes do primeiro marido e do terceiro. "Quando eu conto aos meus filhos ( de 27, 25 e 20 anos) que aqui tem personal  pago paras dançar com as mulheres, eles dizem: "Mãe, você tá louca?"

No palco do Nélson Rodrigues, Dutra Jr. parece muito seguro de seu poder de sedução. Põe a mão na testa nos momentos mais dramáticos, joga a cabeça pra trás quando solta a voz e abre os braços em sinal de acolhimento. Com calça e camisa social pretas, paletó branco com lenço de bolinhas no bolso e sapato de camurça com detalhe dourado na parte superior, ele compõe um tipo "machão romântico" que parece agradar muito. Rosana está encantada com o show. "Ele é um homem muito interessante."

Dona de puteiro

Ali perto a estão as amigas Maria do Rosário Regazzi, 62, e Miriam Rodrigues, 75. Muito distintas, elas  disputam para ver quem tem a história de vida mais picante: "Eu fui dona de puteiro", diz Rosário. "Meu marido estava desempregado, me passaram a casa, eu me tornei empresária. Ficava no centro, perto da (rua da) Consolação." Mãe de dois filhos, ela diz que gerenciava a casa mas não tinha envolvimento com as garotas. Apenas recebia os clientes, que elas traziam para consumir.

Rosário ficou viúva depois de 33 anos de casada, e então se entregou ao álcool. "Meu marido foi o homem da minha vida. Nunca me recuperei da perda dele", diz ela, que, por causa do excesso de whisky, precisou  ter o fígado transplantado. "Tive cirrose hepática", conta ela, que veste um chamativo macacão listrado.

A amiga de Rosário, Míriam Rodrigues, 75, faz charme, mas acaba soltando suas aventuras pregressas. Viciada em bingo, ela conta que foi empresária do ramo e que chegou a oferecer uma mulher como prêmio. Àquela altura, já havia fechado um outro estabelecimento, no Paraíso, bairro de classe média de São Paulo, onde a frequência misturava garotas de programa e executivos. O nome era English Pub.

Míriam diz que precisou fechá-lo quando saiu na imprensa um artigo sobre as atividades que ela promovia ali. "Um filho da puta colocou no jornal", lembra. Mãe de um filho de 47 anos, que ela teve com um homem com quem namorou 10 anos e foi casada um ano e meio, Miriam diz que  aproveitou bastante a vida. Mais antigamente, lembra, ficou com "toda a Jovem Guarda". "Comecei pelo chefão, Roberto, e fui pegando sub-chefe e todos os outros", lembra. Diz que já dançou muito, mas agora está parada por causa de dores no ciático. "

Lilian, Miriam e Rosário: histórias picantes (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Questão de higiene

Depois do show, já no camarim, Dutra Jr. desatarraxa o microfone dourado da haste que dá suporte a ele e guarda. Diz que prefere trazer de casa um aparelho próprio, por uma questão de higiene. "Fica todo sujo de batom", diz, sem se queixar.

Lilian pergunta gentilmente se eu aceito um drinque, um pastel, brinco que não sou aposentado e que segunda-feira não é dia de beber. Mas, diz ela, a "ferveção na casa" ainda vai longe. A própria Lilian conta que só sai dali às 6 da manhã, a bordo de um modelo clássico de Jaguar com "blindagem 5". Ela mesma dirige: "Confio mais em mim do que em qualquer ser humano."

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.