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Paulo Sampaio

"Príncipe" Uílian não consegue hastear bandeira da monarquia em Rondônia

Paulo Sampaio

24/07/2018 05h00

Os monarquistas estão inconsoláveis. A Assembléia Legislativa de Rondônia revogou a Lei 4225, de dezembro de 2017, que obrigava as escolas públicas e particulares a hastear todos os dias do ano letivo a bandeira do Império (do Brasil), junto com a da República (do Brasil) e a do Estado. Os alunos teriam ainda de cantar o Hino da Independência, cuja música foi composta em 1822 por D. Pedro I (a letra é do poeta Evaristo da Veiga).

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A aprovação da lei se deveu especialmente ao empenho de um assessor parlamentar que, por coincidência, tem nome de príncipe: Uílian Martins. Em maio deste ano, quando os monarquistas se reuniram no Rio para festejar os 80 anos de D. Luiz Gastão de Orleans e Bragança  (o primeiro na linha de sucessão ao trono, em caso de restauro da monarquia), Martins contou ao blog que foi relativamente fácil angariar adesões entre os deputados estaduais de Rondônia para aprovar a lei. Disse que, apesar do veto do governador Confúcio Moura (MDB), o projeto recebeu o voto de 19 dos 24 deputados da Casa:  "É que eu sou próximo do primeiro secretário da mesa diretora (José Lebrão, PTN, que propôs a Lei 4225). O governador tentou vetar, mas tinha Uílian Martins (ele mesmo) e o projeto virou lei por promulgação", orgulhou-se.

Príncipe Uílian entrega a dom Bertrand de Orleans e Bragança uma cópia da Lei 4225, que determinava o hasteamento da bandeira do Brasil Império em todas as escolas públicas e particulares de Rondônia (Foto: Arquivo Pessoal)

 

A lei 4225, do deputado José Lebrão (Foto: Arquivo Pessoal)

Lei aprovada, príncipe Uílian passou aos preparativos para receber no próximo dia 1º de agosto a ilustre visita de dom Antônio de Orleans e Bragança, representante de dom Luís Gastão, que enfrenta problemas de locomoção. Ambos são trinetos de D. Pedro II e bisnetos da princesa Isabel.

O convite do presidente da assembleia, Manuel Lebrão, a "sua alteza real" e à "augusta esposa" dele

Branca de Neve e city tour

A cerimônia do hasteamento da bandeira seria na Escola Estadual Branca de Neve, nome que remete ao conto de fadas alemão em que a princesa envenenada é salva por um príncipe lindo e bondoso. Tudo a ver. Os monarquistas de Porto Velho programaram um city tour pela Estrada de Ferro Madeira Mamoré, Vila Santo Antônio e  Candelária. Depois, almoço dos príncipes com lideranças monárquicas, missa e encerramento — com troca de lembranças.

Programação da solenidade de hasteamento da bandeira: city tour, almoço com os príncipes e missa (Foto: Arquivo Pessoal)

Para que tudo pudesse se realizar a contento, foi preciso primeiro promover uma "vakinha" a fim de custear a ida de "sua alteza real d. Antônio de Orleans e Bragança (príncipe real do Brasil) e sua augusta esposa, Christina de Ligne (princesa consorte)" até Rondônia. Em seu empenho pela sobrevivência da realeza, os entusiastas da monarquia não cogitam a possibilidade de ela estar falida. A sorte de dom Antônio e seus irmãos é que esses entusiastas não são poucos. De acordo com Hayley Rocco, assessora dos Orleans e Bragança, a página da monarquia no facebook tem mais de 80 mil seguidores. Rocco diz que o séquito de seis empregados da família real é sustentado por doações de apoiadores.

Folheto da vakinha organizada para custear a ida de sua alteza e sua augusta esposa (Foto: Arquivo Pessoal)

Upgrade geopolítico

Pensar que no Brasil Império a realeza acumulava uma fortuna em ouro e propriedades. Escravocrata até o fim, naquela época ela não dependia de doações para manter a criadagem. Em todo caso, seria difícil para D. Pedro I ter interesse em fazer uma visita a Porto Velho, já que Porto Velho não existia. E o acesso à vila que corresponde hoje à cidade, distante 5 mil km da corte, era complicado. "Aquela área não tinha nenhuma relevância em termos econômicos", diz o professor de história Alberto Schneider, da PUC-SP, "era apenas uma parte da província de Manaus".

De acordo com Schneider, a região passou a ter alguma importância a partir do ciclo da borracha, que começou em 1879. E  só em 1956 o Território Nacional de Guaporé passou a chamar-se Rondônia. Em 1981, foi elevado à categoria de estado.

Apesar do upgrade geopolítico, a situação de Rondônia não é nada boa. Em outubro de 2017, pouco antes de a Assembleia Legislativa gastar uma sessão votando a lei que obriga o hasteamento da bandeira do Império nas escolas, o IBGE (Insituto Brasileiro de Geografia e Estatística) soltou uma pesquisa que revela que 300 mil pessoas no estado, ou 18% da população, encontram-se em situação de extrema pobreza. De acordo com o estudo, esse percentual vive com cerca de R$ 100 por mês.

Por que será?

A revogação da lei de Lebrão ocorreu por causa da "repercussão negativa da matéria (hasteamento da bandeira do Império) em todo o território nacional". É o que argumentou o deputado Adelino Follador (DEM), que pegou carona no coro dos indignados para rapidamente criar o Projeto de Lei número 1003/2018, que revoga a 4225.  Follador alegou ainda que a iniciativa de fazer o jovem rondoniense cantar o Hino da Independência traria poucos resultados, uma vez que "a maioria mal sabe cantar o Hino Nacional".

Por fim, o deputado lembrou que a obrigação de fiscalizar o cumprimento da lei seria da Associação de Pais e Professores (APP), "o que faria recair sobre essa instituição, mais uma vez, uma responsabilidade educacional que deveria partir de casa, dos pais".

Traição parlamentar

E assim, seis meses depois de votar a favor da aprovação da lei, a maioria da assembleia votou pelo veto — esvaziando suas convicções monárquicas radicalmente. O blog tentou falar com Lebrão, mas foi informado de que a assembleia entraria em recesso a partir do dia 21, e que ele permanecerá até o dia 30.

Desconcertado, príncipe Uílian agora separa as efemérides: "Encontro monárquico é uma coisa; a solenidade de hasteamento da bandeira, outra". Diz que o primeiro se mantém, "desmembrado" da segunda. De acordo com ele, haverá uma "programação paralela" com outra autoridade, não Lebrão, cujo nome ele não quis revelar.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.