Topo

Paulo Sampaio

Disque 100, para vítimas LGBT, registrou aumento de 26% depois do 1º turno

Paulo Sampaio

08/11/2018 04h00

 

I-Stock

O Disque 100 do Governo Federal — serviço que atende vítimas de homofobia —  registrou em São Paulo um aumento de 26% nas chamadas depois do 1º turno das eleições, todas fazendo menção  ao nome do presidente da República eleito, Jair Bolsonaro. Em 100% das ocorrências, os agressores, segundo as denúncias, eram homens. O serviço existe desde 2011.

Leia também: Filho de Edmundo e Cristina Mortagua conta que sofreu 'princípio de exorcismo' por ser gay
Dezessete anos após trote brutal, aluna trans volta à faculdade de medicina para fazer palestra
Eleitor gay de Bolsonaro considera a parada LGBT um "nojo"

Entre os registros, estão o de uma mulher que, ao entrar num metrô na zona oeste da cidade, foi atacada por dois rapazes que gritavam: "Lésbica imunda, sua raça vai acabar! Vocês todas vão morrer! Bolsonaro presidente!"

Outro jovem relata que um dos integrantes de um grupo que estava próximo à estação Lapa do metrô, na zona oeste, disse, rindo: "Sabe o melhor disso tudo? É que o Bolsonaro vai ganhar, e esses veados vão morrer tudo! (sic)"

Discurso direto, não velado

De acordo com o coordenador estadual de Políticas da Diversidade Sexual, Cassio Rodrigo, a maior parte das chamadas foi feita por pessoas que não se identificaram. Rodrigo afirma que "as  ligações passaram a ter um discurso direto e não de discriminação velada". "Isso dá vida aos atos discriminatórios", afirma.

Vítima de um ataque homofóbico brutal na noite de sexta-feira, 19, o stylist brasiliense Juliano Pessoa, 39 anos, não se sentiu em condições de sair de casa para ir à zona eleitoral no segundo turno. Ele teve a mandíbula deslocada, o nariz quebrado e alguns dentes da frente trincados. Depois de sofrer uma cirurgia, ficou internado no hospital até sexta-feira, 26. "O primeiro soco acertou o meu ouvido e meu queixo. Eu perdi a consciência, mas ainda assim consegui dizer 'Covarde!' Ele voltou e me deu mais um soco."

Leia também:  Repórter gay busca psicólogo evangélico para "voltar a ser" hétero
Ao som de Anitta, torneio gay de futebol reúne 500 entusiastas em São Paulo
Ex-lésbica vira 'gênero', casa com mulher trans e se sente realizadex
Ex-militante do aborto vira cabo eleitoral de Bolsonaro e promove congresso anti-feminista

Vítima de ataque homofóbico, Juliano precisou passar por cirurgia e colocar três pinos no nariz, duas placas no rosto (Foto: Arquivo Pessoal)

Não só em SP

Os relatos das vítimas de homofobia não são só em São Paulo. Na segunda-feira 8, um dia após o primeiro turno das eleições, o recepcionista de salão de cabeleireiros Elton Felicio, 33 anos, estava entrando em uma farmácia no bairro onde mora em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Rio, quando foi interpelado por um homem que disse: "Ainda bem que o Bolsonaro tá vindo aí, para acabar com essa raça de viados e boiolas!"

O agressor "sumiu" ao perceber que a mãe e o padrasto de Elton o acompanhavam à distância. "O que mais me choca é que algumas pessoas se recusam a acreditar no que aconteceu. Dizem que é mentira." Segundo Elton, os próprios gays já o alertaram de que "agora", ele não poder mais usar as roupas que quiser: "Como se estar de macacão fosse o mesmo que sair pelado na rua."

Recepcionista em um salão de cabeleireiro, Elton Felicio, 33, sofreu agressão verbal ao entrar em uma farmácia: "Ainda bem que o Bolsonaro está vindo aí, para acabar com essa raça de viados e boiolas" (Foto: Arquivo Pessoal)

Morrer ou sumir

Com o comerciante Rodrigo Peniche, 30 anos, aconteceu parecido. Ele estava na fila do caixa do supermercado quando ouviu um homem dizer: "Tô doido que o Bolsonaro ganhe, porque aí o viado vai ser obrigado a morrer, ou sumir!"

Peniche é otimista em relação à maioria das pessoas que votaram no candidato do PSL: "Não acho que sejam homofóbicos. Eles sofrem de falta de personalidade, são pessoas fracas, que apenas seguiram a manada". Ele coloca o voto desse eleitor na conta do "modismo". "O Bolsonaro é, sim, homofóbico, mas na cabeça desses eleitores, ele nunca falou nada contra gays, nem a favor da tortura. Eles ignoram isso. São ignorantes."

Contudo, Peniche diz que tem amigos de infância que sempre acreditaram que a escola pode doutrinar uma criança a ponto de ela virar gay.  "Eles não são gays, mas, ironicamente, também foram vítimas de uma doutrina. Crêem nessa história absurda."

 

O comerciante Rodrigo Peniche: "Muita gente votou no Bolsonaro sem nem saber que ele é, por puro 'modismo'."(Foto: Arquivo Pessoal)

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.