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Paulo Sampaio

Skinhead acusado de matar e esquartejar tia é condenado a 20 anos

Paulo Sampaio

23/04/2019 20h42

 

Guilherme Oliveira, no dia em que foi preso (Foto:

O skinhead Guilherme Lozano Oliveira, 26 anos, acusado de matar e esquartejar a tia em junho de 2015, foi condenado na tarde desta terça-feira (23) a 20 anos e um mês de prisão. Cabe recurso. Oliveira morava há cerca de um ano com a professora Kely Cristina Oliveira, quando, segundo ele, durante uma discussão, ela teria aplicado um tapa em seu rosto; para contê-la, ele a imobilizou com um golpe de jiu-jitsu chamado mata-leão (movimento semelhante ao de uma gravata) e "exagerou na força". Guilherme afirmou no julgamento que a intenção não era matá-la, mas fazê-la desmaiar: "Ela sofria de bipolaridade, era muito instável, mudava de humor de uma hora para outra", disse ele, que em 2014 havia sido condenado a 15 anos por esfaquear e matar o punk Johni Raoni Falcão Galanciak, então com 25 anos.

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O assassinato de Raoni aconteceu em maio de 2012, na porta de uma casa noturna em Pinheiros (zona oeste de SP), onde haveria uma apresentação do grupo de punk rock inglês Cock Sparrer. Segundo testemunhas, Guilherme e uma turma de skinheads chegaram ao local batendo as solas de seus coturnos no chão, como se estivessem marchando. Depois de um confronto entre os grupos, ele teria esfaqueado Raoni, que era seu amigo de infância. Guilherme nega. Ele passou oito meses na cadeia, foi liberado, julgado de novo e agora está preso há três anos.

Intolerância máxima

Antes de integrar a ala mais intolerante dos skinheads, autodenominada IH (Impacto Hooligans), Guilherme era punk. Diz que abandonou o grupo quando percebeu que os valores deles eram incompatíveis com os de sua família.  Por sua vez, o IH segue uma ideologia neonazista de discriminação de raça, cor, gênero e origem. "Meu avô era baiano e moreno", diz ele agora, para tentar se isentar da acusação de racismo. Além da "oitava letra" (H, referência a Hitler), ele ostenta no corpo tatuagens de um fuzil (na cabeça, que não está mais raspada); as 14 palavras contidas em "Mein Kempf" (Minha Luta, em alemão), onde Adolf Hitler expunha suas ideias antissemitas ("Devemos assegurar a existência do nosso povo em um futuro para crianças brancas") e uma suástica. Disse que foi preciso apagar algumas tatuagens "porque estavam trazendo problemas na penitenciária".

Na tarde de hoje, Guilherme foi a júri por homicídio triplamente qualificado — motivo torpe, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e meio cruel, além de feminicídio. As testemunhas de defesa foram os pais dele e a namorada de um amigo — que não soube responder a maior parte das perguntas feitas pela juíza. Seu pai, o policial militar Marco Antônio Oliveira, disse que passou três anos sem ver o filho. Afirmou que desconhece a filosofia dos skinheads ("não sou historiador"), mas que alertou Guilherme diversas vezes sobre a violência pregada por eles. "Sempre fui contra o envolvimento dele". A mãe , a universitária Ana Paula Lozano, disse que nunca acreditou que seu filho fosse capaz de matar alguém. "Não acho que condiga com a personalidade dele."

Passeio com a cachorra

À juíza, Guilherme disse que não imaginou que havia matado a tia: "Tanto que saí para dar uma volta com a cachorra". Na volta, achou estranho que Kelly ainda estivesse desacordada no sofá. "Foi quando percebi que ela tinha ido a óbito, e me desesperei." Sem saber o que fazer, ainda segundo sua versão, ele bebeu um litro de whisky e só aí teve a ideia de esquartejar o corpo para escondê-lo. Depois de cortar os membros, acomodou o tronco e as pernas secionadas em uma mala, e colocou na geladeira. Arrastou-a até o quarto onde dormia e fechou a porta. Como a cabeça e os braços não couberam, ele os embalou em sacos plásticos e levou de moto até uma área rural, onde os enterrou. "Eu precisava colocar o corpo em algum lugar, para ninguém saber. Não queria voltar pra cadeia", disse.

Guilherme escondeu os crimes da família durante quase dois meses. A quem procurava por Kelly, ele dizia que ela tinha saído ou viajado. Até que seu pai desconfiou da história e foi pessoalmente ao apartamento. No tribunal, o réu afirmou que não havia mais voltado ao local desde que cometeu o crime — mas estava lá nesse dia. Marco Antônio achou estranho que Guilherme tivesse vindo recebê-lo na portaria, em vez de pedir que ele subisse. Depois de enfrentar alguma resistência do filho, o policial militar subiu, perguntou porque a porta do quarto estava trancada e, como não obteve resposta, a arrombou. Nesse ínterim, Guilherme fugiu de carro. Marco Antônio acionou a polícia, houve uma perseguição, e os carros se chocaram. O skinhead foi preso. Na ocasião, estava com o cartão de crédito da tia, que pagava cerca de R$ 1.500o pelo aluguel do apartamento, localizado na Vila Medeiros, zona norte de SP. "Eu sempre disse aos meus filhos que, se eles fizessem algo errado, e fosse provado, deveriam pagar."

Culpa da vítima

A promotora Claudia Ferreira McDowell acusou o réu de tentar inverter a situação: "Ele é tão covarde que põe a culpa da morte e esquartejamento da tia na própria tia.  Ah, minha tia é uma chata, bipolar, meio maluca, então merece ser punida. Vou dar um mata-leão nela! Ih, sem querer apertei demais o pescoço, a asfixiei e matei. E agora?" Claudia pediu a juíza para não tratar o reconhecimento do crime pelo réu como confissão, já que isso serviria para atenuar a pena. "Ele não confessou o crime, e acho que dificilmente o faria. Quem vai confessar uma atrocidade dessas?"  A pena pelo crime de homicídio doloso triplamente qualificado vai de 12 a 30 anos de prisão. A promotora pediu a máxima, e ainda achou pouco: "O réu vai cumprir 2/5 disso, ou seja, em 12 anos um assassino como ele vai estar solto."

O advogado de defesa, Márcio Freire, tentou transformar a acusação de homicídio doloso (com intenção de matar) em culposo (sem que fosse possível prever as consequências) e também defender a lesão corporal seguida de morte, o que é menos grave do que assumir o assassinato seguido de esquartejamento. Sem sucesso. Como já estava pagando pena, Guilherme Lozano Oliveira voltou do tribunal direto pra cadeia.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.