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Paulo Sampaio

O caso do embaixador grego assassinado em Nova Iguaçu; viúva vai a júri

Paulo Sampaio

01/09/2019 04h00

No começo de dezembro de 2016, a bailarina Françoise de Souza Oliveira, 40 anos, prometeu dar à filha de presente de Natal um celular novo. Para evitar o tumulto nas lojas nas vésperas do dia 25, Françoise convenceu a menina, então com 10 anos, a comprar o aparelho no dia 26, uma segunda-feira. Acompanhadas do comerciante Anderson Lopes Correia, 26 anos, um vizinho no condomínio Bom Clima, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, elas chamaram um Uber para levá-las ao Iguaçu Top Shopping, no centro da cidade.

Lá, os três passearam, entraram em várias lojas e por fim compraram o celular. Chamaram outro Uber e foram até a Stadium Steakhouse, um restaurante de carnes estilo "australiano", também no centro. Chegaram lá por volta das 21h, ficaram até meia noite e pouco e seguiram a pé para comer a sobremesa no Pizza e Pasta, a cinco minutos dali.

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Fica combinado

Os três regressaram para o condomínio por volta da 1h25. Françoise estendeu o programa o quanto pode, para que sua filha não chegasse em casa a tempo de flagrar o assassinato do pai, o embaixador grego no Brasil Kyriakos Amaridis. Segundo a polícia apurou nos dias seguintes, a bailarina orquestrou a ação dos criminosos desde o início. Ela era amante de um deles, o policial militar Sérgio Gomes Moreira Filho, 29 anos, que, por sua vez, é tio do frentista Eduardo Moreira Tedeschi de Melo, 24, seu cúmplice. Ao depor  no 52º distrito policial, Eduardo revelou que Françoise se comprometeu a pagar a ele a quantia de R$ 80 mil pela execução do embaixador.

O interesse dela e de seu amante era financeiro. Com a morte de Amaridis, com quem estava casada havia 15 anos, a embaixatriz  passaria a administrar a herança do marido e ainda ganharia um valor por conta da pensão alimentícia da filha.

Kyriakis Amiridis, na abertura da mostra "Atenas 1896 – A Primeira Olímpiada Moderna", promovida pelo Consulado Geral da Grécia Sao Paulo e a Faap (Foto: Bruno Poletti/Folhapress)

Passo a passo

Orientados por Françoise, Sérgio e Eduardo tiveram acesso à casa com o controle do portão da garagem e a chave da porta, ambos fornecidos por ela. Em uma ligação feita do restaurante para o marido, a mulher pode saber os passos dele pela casa e informar o momento exato em que a dupla de criminosos podia agir. Os dois atacaram Amaridis por trás, no movimento de uma gravata, enquanto ele assistia TV em um sofá instalado de costas para a porta de entrada.

A execução do embaixador não tomou muito tempo. Eram cerca de 2h quando tudo estava consumado. Mas então era preciso tirar  o cadáver dali — e dar cabo dele. Isso foi um pouco mais complicado. Com a ajuda de Françoise, que a essa altura já havia chegado em casa, Sérgio e Eduardo enrolaram o corpo em um tapete e o acomodaram no banco de trás do Ford Ka que Amiridis havia alugado cinco dias antes, quando veio de Brasília, onde a família morava a maior parte do tempo.

Fogo na ribanceira

Por volta das 3h, a dupla saiu em busca de um lugar para desovar o "rolo". A princípio, foram na direção de Nova Friburgo, na serra fluminense, mas então decidiram retornar e pegaram o Arco Metropolitano (rodovia que circunda a região metropolitana do RJ).

Ali, enquanto resolviam como seria a operação, eles mantiveram o carro escondido. A polícia apurou, com a quebra do sigilo telefônico de Françoise, que já era noite fechada do dia 27 quando eles decidiram atirar o carro em uma ribanceira nas proximidades da rodovia. Com a intenção de apagar provas e equivocar a perícia, Sérgio contratou um mototaxista que o levou a um posto de combustível, onde ele comprou dois galões de gasolina para atear fogo ao carro. Passava de 00h da quarta-feira, 28, quando as chamas avançaram pela carroceria e passaram a consumir o corpo do diplomata.

Os assassinos atearam fogo no carro de Amaridis, na tentativa de apagar vestígios do crime (Foto anexada ao processo)

Sumiço inventado

Quando o dia clareou, Françoise foi à uma delegacia da Polícia Federal para comunicar que o marido havia desaparecido. Estava acompanhada de Sérgio e da irmã dele, a advogada Sonia Cristina Moreira do Espírito Santo. Dali, os três seguiram para o 52º distrito policial, para de novo noticiar o sumiço de Amaridis.

Enquanto ela prestava declarações na delegacia, Sérgio a deixou para ir ao condomínio com o intuito de acessar as imagens captadas pelas câmeras do circuito interno segurança — e apagá-las. Disse à síndica do Bom Clima, Tânia Araújo, 61 anos, que precisava levar o equipamento para a delegacia. Tânia não facilitou. "Eu falei a ele que só permitiria com um documento oficial", disse ela, em seu depoimento na polícia. Sérgio então passou a apagar ali mesmo as imagens que denunciavam o crime.

Porém, ele parecia não estar em um dia bom. Justamente naquele momento, a polícia chegou ao condomínio pra proceder as investigações acerca do desaparecimento de Amaridis. Ao deparar com Sergio mexendo nas imagens, os policiais decidiram recolher o equipamento.

Jornais, TV, Internet

Muito midiático, o caso envolveu um grande aparato policial,  com várias diligências agindo ao mesmo tempo, rapidamente. Enquanto um grupo de investigadores localizava o carro incendiado e o corpo carbonizado de Amaridis, outra equipe examinava as imagens captadas pelo sistema de câmeras de segurança. Elas registraram Sérgio levando algo volumoso, que seria o corpo de Amaridis enrolado no tapete, e colocando dentro do carro. Na casa do embaixador, usando o reagente luminol, a perícia descobria resquícios de sangue.

Conduzido a DHBF (Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense), Sérgio tentou negar sua participação no crime, mas, ao ser confrontado com as imagens das câmeras de segurança, viu que não tinha escapatória e acabou confessando. Alegou legítima defesa. Segundo ele, Françoise teria dito que o embaixador a agredia fisicamente e que trouxera de Brasília uma pistola. Indignado, se dirigiu à casa de Amaridis para tomar satisfação, enquanto a embaixatriz estava no shopping com a filha e o vizinho. Ainda segundo esse relato, Amiridis recebera mal Sérgio, a ponto de tentar matá-lo com a arma, que estava em cima da TV: "Você vai ver quem manda aqui", teria dito o diplomata. No ímpeto de se defender, Sérgio iniciou uma luta corporal com Amaridis, e acabou por exagerar na esganadura, matando o embaixador.

Na versão que Sérgio contou em juízo, o relacionamento dele com Françoise começara havia cerca de três meses. A síndica do Bom Clima, Tânia, afirmou passara a ver os dois juntos no condomínio havia por volta de dez dias. A embaixatriz viera de Brasília três dias antes do marido, e fora recebida no aeroporto pelo amante. Até Amaridis chegar, Sergio pernoitou com a mulher do embaixador na residência do casal. Depois disso, os dois se encontravam nas proximidades do condomínio.

Amada, amante

Françoise foi levada para depor no fim da manhã do dia 30. Depois de assumir que Sérgio era seu amante, ela atribuiu a ele a autoria do crime.

Ainda assim, ele tentou preservá-la, o que não agradou seu sobrinho e cúmplice. Segundo o delegado adjunto Evaristo Pontes, que conduziu o inquérito, Eduardo decidiu contar que Françoise participou de tudo, como mandante, enquanto ele e o tio eram os executores. Disse que ela estava tão ciente do que estava acontecendo, que quando entrou com a filha pela porta dos fundos, vindo do shopping, reclamou com os dois porque eles ainda não haviam deixado o lugar com o cadáver.

Françoise Oliveira, saindo da delegacia depois de prestar depoimento (Foto anexada ao processo)

A defesa

A defesa Françoise tentou anular o inquérito, alegando que a polícia entrou na casa dela para fazer a perícia sem um mandado judicial. Ainda, que os investigadores a deixaram em cárcere privado e a forçaram a assinar depoimentos que ela não havia prestado — e sem a presença de um advogado.

De acordo com os autos do processo, ao acolher a pronúncia o juiz Antônio Luiz da Fonseca Lucchese rejeitou a argumentação do advogado, afirmando que o delegado Pontes se dirigiu à casa do embaixador apenas para informar que ele havia morrido, já que, na véspera, a própria Françoise estivera na delegacia para comunicar seu desaparecimento. "Neste momento (em que a polícia esteve na casa de Françoise), o delegado Pontes já havia descoberto um veículo com um corpo carbonizado no Arco Metropolitano, cuja similitude era evidente com o automóvel alugado pelo embaixador."

Escreveu ainda o juiz que, "ao chegar, o delegado Pontes teve o acesso franqueado à residência pela ré, fato este que foi presenciado por uma prima de Françoise, que aparece nos autos como "pessoa da mais extrema confiança dela".

Procurada pelo blog, a defesa de Françoise não respondeu às ligações. Até o fechamento deste texto, a assessoria de imprensa do Ministério Público também não se manifestou a respeito do pedido para falar com o promotor. Tampouco a embaixada da Grécia.

De acordo com informações obtidas na 4a. Vara do Fórum de Nova Iguaçu, o júri popular da ré está marcado para janeiro.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.