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Paulo Sampaio

Zelador em SP dá notícias do prédio em vídeo com trilha do plantão da Globo

Paulo Sampaio

20/10/2019 04h00

A vinheta do plantão jornalístico da TV Globo, aquela que interrompe a programação da emissora quando algo extraordinário acontece no mundo, abre um dos vídeos que o zelador Horácio Monteiro de Almeida, 46 anos, encaminhou aos moradores do condomínio onde trabalha, na zona sul de São Paulo, com a informação:

"Pessoal, bom dia. Só para lembrar, hoje, que toda essa semana, até o dia 24, das 8 às 17hs, estarei aqui no condomínio colhendo as digitais do pessoal, tá ok? E no final de semana, plantão. Tanto no sábado como no domingo, das 8h às 17h, tá bom? Contamos com o apoio de todos. Obrigado."

 

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Zelador do condomínio há nove anos, Horácio explica que decidiu gravar os informativos em vídeos porque percebeu que "comunicados não funcionam".  "As pessoas têm uma vida corrida, muitas vezes não sobra tempo para dar atenção à tanta informação. Era comum  dizerem: 'Ah, é que eu não li'."

Horácio tentou criar um grupo coletivo no aplicativo WhatsApp, mas resultou igualmente ineficiente. "Não resolvia. Eram quinhentos 'Bom dia', quinhentos 'Boa tarde', e ficava naquilo. Ninguém dava importância." Ultimamente, ele criou um perfil no Instagram com as "Dicas do Zela" e um blog homônimo, ainda em construção.

Mensagens personalizadas

A ideia dos vídeos surgiu no meio do ano passado, e desde então Horácio calcula ter enviado cerca de vinte comunicados aos moradores. São gravados de acordo com as "ocorrências" do condomínio. A principal diferença, em relação aos comunicados por escrito e por whapp, é que agora ele pode selecionar os moradores a quem a notícia possa afetar. "São 84 unidades, às vezes é um vazamento em uma delas, que não vai interessar a todos."

Cada apartamento tem 116 m2, e o condomínio oferece duas piscinas, quadra de esportes, academia e sauna. Mesmo com a novidade dos vídeos, Horácio não pode abrir mão dos comunicados coletivos, como os referentes à garagem ou a quadra de esportes. Boa parte têm um caráter educativo. Segundo ele, "as decisões tomadas no condomínio visam o coletivo, não o individual". "A mensagem nunca é pessoal, para cutucar alguém."

Apoio do síndico

A recepção entre os moradores, de uma maneira geral, "foi boa". "Nunca se agradam gregos e troianos. Houve morador que não queria ser importunado no trabalho e pediu, com toda educação, que eu não mandasse mais os vídeos para ele. Mas o resultado tem sido positivo", avalia Horácio. Ele afirma que teve "muito apoio do síndico, em relação à transparência".

Procurado, o síndico preferiu não se manifestar. A autônoma Ângela Candian, 43 anos, que mora na unidade 23 desde a formação do condomínio, diz que Horácio é "popular entre crianças, jovens e adultos". "Ele conhece bem o condomínio, e é muito prestativo. Está sempre presente para dar apoio", diz ela.

 

Curriculum Vitae

Filho único de um zelador cearense e de uma dona de casa pernambucana, Horácio morou com os pais até os 35 anos, quando se casou com a auxiliar administrativa Elly Silva, que hoje é calista e atende em domicílio. O casal tem uma filha de 6 anos, Clara, e mora em um apartamento reservado ao zelador, no próprio condomínio: "A construtora aproveitou bem um espaço que havia no mezanino, ao lado da academia", conta ele.

De acordo com Horácio, a "nova tendência" é não oferecer moradia ao zelador no condomínio, o que ele não acha aconselhável: "Não estou advogando em causa própria, mas suponhamos que aconteça um incêndio no edifício: quem vai fechar o registro de gás? Quem vai desligar o circuito elétrico? Quem vai travar os elevadores?  A mesma coisa: estoura o cano do barrilete. 50 mil litros de água descendo nos apartamentos e nos poços do elevador. Quem vai fechar?"

Com a mulher, Elly, e a filha, Clara (Foto: Arquivo Pessoal/UOL)

Pentium 150, Windows 95

Antes de ser zelador, Horácio trabalhou durante sete anos, desde os 14, como modelador vacuum forming, dando forma a embalagens industrializadas. Ele diz que, hoje, o trabalho artesanal da época foi substituído por ferramentaria. Ao mesmo tempo, como sempre se interessou por tecnologia, ele começou a estudar informática. "Meu primeiro computador era um Windows 95, com processador 150″, lembra, rindo. "Eu não sabia nem desligar a máquina no mouse, só na tomada."

O novo conhecimento serviu para economizar em manutenção de computador ("toda vez que o micro dava problema, eu gastava dinheiro com conserto"), mas naquela ocasião era utilizado apenas em nível doméstico. Só mais tarde ele verificou o quanto foi útil: "A tecnologia me abriu essa janela (da comunicação por vídeo) com os moradores."

Boom imobiliário

A informática o absorvia, mas não dava emprego. Então, ele se tornou motorista de uma juíza moradora do prédio em que seu pai  trabalhava nos Jardins, zona oeste de São Paulo. Dirigiu para a família por 14 anos: "As crianças (filhas da juíza) cresceram, eu fiquei obsoleto. Deixei de ser motorista também porque apesar de gostar muito de dirigir, o trânsito de São Paulo me deixou estressado."

De novo disponível, Horácio olhou para o futuro e se perguntou: "O que eu posso fazer agora?" Foi então que, "observando o boom imobiliário na época", ele percebeu que a zeladoria tinha um mercado promissor e resolveu fazer um curso de no sindicato da classe. Logo no primeiro condomínio em que apresentou seu currículo, foi contratado — e está lá até hoje. De temperamento inquieto, ele fez vários cursos associados à função ("fora os obrigatórios").

"O que eu sinto na minha profissão é que existe muito aquele senhor acomodado, de camisa azul e molho de chaves pendurado no bolso lateral. O mercado está zerado para esse tipo de profissional", acredita. "Eu tenho noções básicas de primeiros socorros, aprendi sobre 'equipamento de proteção individual' e Cipa NR05 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Se acontecer de alguém passar mal, um idoso, uma criança, quem vai lidar com a emergência?"

Por essas e outras, Horácio afirma que a nova nomenclatura atribui ao zelador o título de "gerente predial". "Quem não se atualiza, está fora do mercado", afirma.

Falência do ser humano

No comando de uma equipe de oito funcionários, o zelador conta que "o relacionamento com eles foi se ajustando". "O ser humano está falido", lamenta ele, referindo-se a "acomodação da maioria". "Eu aplico o que eu aprendi nos cursos de segurança. Então, se um funcionário me diz: 'Ah, no outro condomínio eu não usava capacete (para executar tarefas de risco)'. Eu informo: 'É, mas aqui vai usar. Nenhum seguro vai trazer sua saúde ou sua vida de volta'."

Com 1,78m de altura e 105kg, Horácio mantém a cabeça raspada e cultiva uma farta barba grisalha. Se o colocassem em cima de uma Harley Davidson, com um jeans surrado, uma jaqueta de couro preto adornada com a língua-símbolo dos Rolling Stones e botas rústicas, ela poderia ser confundido com um motoqueiro-tigrão de fim de semana.

A propósito, ele usa uma camiseta com o silk de uma motocicleta Honda 750F — também conhecida como 7 galos. Diz que seu sonho de adolescência era ter uma. "Meu pai me pediu que, enquanto ele estivesse vivo, esquecesse a ideia de ter uma moto. Palavra de pai é uma ordem. Sendo filho único, eu entendi que eles precisam de mim vivo para atender eventuais ocorrências."

Pergunto se nesses nove anos como zelador ele foi assediado por alguma condômina. Sua expressão assume um ar sério: "Eu sei me impor nesse sentido. Quando você se dá o respeito, respeitado você é", diz ele, como um escoteiro sempre pronto a emitir voz de comando.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.