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Paulo Sampaio

Diva das novelas pede mortadela e se enerva quando roupa não cabe

Paulo Sampaio

25/05/2017 08h00

Este texto é uma ficção com base em fatos reais

São 7 horas da manhã no estúdio onde se fará uma capa de revista com Solange Viana, e todos cuidam de seus afazeres enquanto a estrela de 52 anos não chega. O fotógrafo verifica a luz, o maquiador coloca o material que pretende utilizar na bancada que fica embaixo do espelho do camarim, o staylist mostra o figurino para a editora de arte. A referência são estrelas de Hollywood dos anos 40, em especial Joan Crawford. Um jazz estilizado dá ao ambiente um tom de modernidade relativa. Como Solange é um tipo imprevisível, os assistentes do fotógrafo foram orientados a colocar uma trilha híbrida, que ao mesmo tempo não ferisse os ouvidos de "Joan Crawford" e que, quem sabe, a fizesse se sentir embalada para forjar poses satisfatórias.

Uma hora depois do horário marcado, um burburinho no hall de entrada indica que Solange finalmente chegou. Ela não parece preocupada em se mostrar afobada, nem mesmo pra disfarçar o atraso. Tampouco tenta se desculpar. "É você que vai me entrevistar, amor? Ok, o Didi vai te explicar como eu trabalho", ela diz para o repórter, enquanto beija dramaticamente o fotógrafo. Didi é o apelido de Wadilson Vieira, 27, um ex-fã ardoroso que se tornou secretário da estrela e, agora, assessor para tudo — e isso inclui fechar o zíper de seu vestido; repetir diuturnamente "ma-ra-vi-lho-sa"; e pentear o cabelo de Solange quando ela chora em seu colo. A parte que Didi mais gosta do trabalho é encarnar uma espécie de duplo dela. "Sol, isso é a su-a ca-ra", diz ele, calçando um sapato de couro vermelho envernizado, saltos 20,  e desfilando pelo estúdio.

Crédito: iStock

Passada a estrepitosa entrada da dupla, Didi vai explicar como a patroa trabalha. Então, ele próprio afeta uma antipatia de estrela — a que ele acha que é — e isso leva o maquiador e seu assistente a rirem muito. Uma outra ala de circunstantes não consegue esconder o constrangimento. "É o seguinte, amor", diz Didi. "Número 1, a Sol não dá entrevista antes de fazer as fotos. Então, lindo, ela vai primeiro se maquiar, depois fotografar e, só aí, conversar com você. Número 2, durante o processo de maquiagem, nunca, jamais, nenhum palpite. Número 3, não ousa fazer perguntas uó envolvendo vida pessoal. Ela pode dar na sua cara! hauhahaiahHAHAHA! Número 4, não vem com look que não cabe nela, nem fica insistindo numa maquiagem que deixa a cara dela gorda. Número 5, o Ricardo (fotógrafo) já está sabendo, a Sol gosta de escolher as fotos que vão sair…"

As coisas não aconteceram exatamente como Didi previu. Na copa onde estava o catering escolhido por Solange — pão francês com manteiga e mortadela –, ela se vangloriava da própria forma física. Já em tom de entrevistada, dizia. "Meu amor, põe aí: Solange Viana come muita gordura, pão com manteiga e mortadela, e isso não a impede de ter esse corpo que você está vendo. Sabe por quê? Porque Solange Viana é fe-liz!" Didi bate uma palma no alto e ri: "HahauahAHAHAHA". Numa alusão às atrizes que fazem dietas rigorosas para manter o físico, ela continuou: "Alface não dá neurônio, querido, é comida de coelho." Como havia também salgadinhos dispostos em bandejas em cima da mesa, ela separou algumas empadas, croquetes e pasteizinhos e colocou em um caixa de papelão quadrada (na qual eles vieram embalados), e escreveu na tampa em letras garrafais: "SOLANGE VIANA".

Depois de comer, ela se dirigiu ao camarim onde havia uma arara com os looks. Sem cumprimentar o stylist, ela olhou para as roupas penduradas e disse: "Isso tudo ficaria lindo na Ana Hickmann." Toti (o stylist) e o resto da equipe se unem em um esforço para transmitir segurança à veterana. Todos passam a repetir com cautelosa empolgação, que, imagine, Solange Viana fica bem em qualquer roupa. "Sol, olha esse corselet! É a sua cara!" De repente, Solange Viana se viu lutando para entrar em um vestido Dior pelo menos dois números menor que o manequim dela. Como não havia jeito de caber, ela propôs entrar no modelo de frente, deixando o abotoamento para as costas. As fotos foram feitas desta forma, com o vestido aberto atrás. "Lindo!", repetia o fotógrafo a cada clique, enquanto ela, sentada no chão com a saia espalhada, sorria apaziguada.

E tudo correu relativamente bem, a não ser por um rápido momento de azedume, quando o stylist apareceu com um colar para compor um look. Aos berros, como se estivesse em um drama grego, ela bateu no peito e disse: "Olha bem pra esse colo, amor, você conhece alguma mulher de 52 anos que tenha um colo desses?" O stylist balbuciou um não choroso. "Pois é! E no entanto você quer escondê-lo com esse trambolho horroroso…!" Logo o colar foi retirado de cena e, depois de um pão francês com manteiga e mortadela, Solange estava pronta para mais poses.  O dia terminava junto com a energia da equipe e também com o tempo para entrevistá-la. Mas isso não foi problema já que, contrariando todas as expectativas de Didi, Solange Viana não parou de falar até o momento em que entrou na sala de embarque onde pegaria a ponte-aérea. "Tchau, amor, amei!", disse, soprando um beijinho.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.