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Paulo Sampaio

Marca plus size desfila primeira coleção em praça de alimentação, mas diz que não foi intencional

Paulo Sampaio

04/07/2017 13h27

 

Modelo plus size no Calçadão Urbanóide (Foto: Divulgação)

O empresário Leone Pereira, 39, dono da marca plus size masculina Mais Pano, diz que não foi intencional a escolha de uma praça de alimentação para fazer o desfile de sua primeira coleção  —  com manequins que vão do 48 ao 80.  A passarela era um corredor gastronômico chamado Calçadão Urbanoide, na Rua Augusta, região central de São Paulo, formado por food trucks de hambúrgueres, batatas fritas, milk-shakes, acarajés, yakisobas, doces e drinks. "Nem me passou pela cabeça a associação do plus size com comida", diz Pereira, que mede 1,78m  e pesa 78kg. "A ideia era fazer o desfile em um lugar aberto, democrático, com diversas manifestações culturais."

"Não tem lugar melhor do que esse para fazer desfile de roupa para gordo", afirma o comediante Rogerio Morgado, 34 anos, 1,80m, 170kg, convidado para apresentar um show durante o evento.  Morgado aproveitou o contexto para soltar um repertório provocativo, cheio de piadas auto-depreciativas. Apesar da presença maciça de mulheres plus size, ele contou que sua namorada é magra e que isso não é um problema  — dando a entender que o preconceito de peso existe nas duas direções.  Ele acredita que a patrulha em cima de quem "fala claramente de gordo" é hipócrita.  "Se eu sou gordo, eu posso falar de gordo, mas não de gay ou de negro. Se eu sou gay, posso falar de gay, mas não de gordo ou negro; se eu sou negro, a mesma coisa. O jeito é ser um gay negro e gordo."

Rogerio Morgado: a patrulha é hipócrita

A dançarina carioca Thaís Carla, 25 anos, 1,70m, 140kg, diz que o único problema de um desfile plus size em uma praça de alimentação é que "você sai pobre de lá". "Era muita coisa nova pra comer, a alimentação do pessoal em São Paulo é  completamente diferente. Aqui no Rio, você vai a um lugar assim (como o Calçadão Urbanoide) e come churrasco. Lá (em SP), eu comi um hambúrguer gourmet e um cachorro-quente monstro. Depois, uma tortinha de Nutella que eu nunca tinha visto na vida. Na verdade, era uma massa em que você podia colocar o que quisesse em  cima."

Thaís Carla diz que saiu "pobre" do desfile na praça de alimentação (Foto: Divulgação)

Apesar de o desfile ser masculino, a maior parte da audiência era composta por mulheres. Leone diz que 60% do público da marca é feminino. "Tem a namorada, a mulher, e também a que compra a roupa para ela mesma, porque boa parte dos modelos pode ser usada por pessoas de ambos os sexos." A atmosfera estava animada, cheia de roupas coloridas e ouviam-se boas gargalhadas — mas nem todo mundo ria de tudo. A blogueira Bia Peca, 41 anos, 1,78m, 120kg, diz que não acha graça de piada de gordo. "Isso é falta de cultura, de empatia, de respeito. É infantil. Quer dizer, infantil entre aspas, porque as crianças não são preconceituosas."

Bia conta que foi "gordinha" a vida toda, mas antes sofria porque não se aceitava. "Eu não me amava."  Tudo mudou quando ela foi convidada para ir a um casamento e não encontrou roupa do seu tamanho para comprar. Passou a catalogar dicas que encontrava na Internet e, um dia, publicou-as em seu perfil no facebook. Mais tarde, transformou esse material no blog Mundo Plus Size.

Ela diz que se arrepende de ter tomado remédios para emagrecer  e não pensa em fazer a cirurgia bariátrica. "Eu não vou cortar um pedaço do meu estômago para agradar a sociedade." A propósito, ela afirma que é muito saudável e que, segundo sua cardiologista, tem o coração de uma menina de 13 anos. "As pessoas adoram generalizar, dizer que a saúde do gordo é ruim. Não quero fazer apologia da obesidade, mas eu não tenho pressão alta, não tenho diabetes e meu colesterol é 85. Minha prima, que pesa 54kg e usa calça baixa, tem colesterol 400."

A médica Maria Edna de Mello, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, esclarece que existe o conceito de "obeso metabolicamente saudável", para designar o paciente que não apresenta alterações nas taxas em função do sobrepeso. "Do mesmo jeito,  a pessoa que pesa 54 kg e tem 400 de colesterol pode sofrer de uma doença chamada hipercolesterolimia." Edna lembra que todos os estudos sobre obesidade mostram que o excesso de peso acarreta, entre outras consequências, morte precoce: "As articulações de uma pessoa de 1,70m de altura não estão preparadas para carregar 120kg, 140kg. Do mesmo jeito, o coração terá de bombear mais sangue para irrigar todo o corpo."

Em função da patrulha contra a chamada "gordofobia", a médica diz que o assunto da obesidade tem de ser abordado com muita cautela. "Quando se fala que existe risco no sobrepeso não está querendo ofender, mas alertar, cuidar."

Agora que está com a autoestima mais elevada, Bia Peca já pode declarar publicamente que tem suas restrições quando se trata de escolher um namorado: "Não namoro homem careca, desculpe se você é (a conversa foi ao telefone), nem nunca me apaixonei por alguém com mais de 30 anos. Pelo menos até agora." Não é preconceito.

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.