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Paulo Sampaio

Aula aberta de ioga celebra a vida em cemitério de Guarulhos

Paulo Sampaio

21/08/2017 08h00

Alunos celebram a vida no cemitério (Foto: Wanezza Soares/Divulgação)

O domingo amanheceu nublado em Guarulhos, na Grande São Paulo. Chegou a chuviscar, mas nem o mau tempo nem o horário matutino foram suficientes para espantar as cerca de 75 almas que se reuniram no cemitério Primaveras I para celebrar a vida. Aparentemente contraditória, a operação ocorreu às 10h40, por meio de uma aula aberta de ioga. A empresária Gisela Adissi, 42, proprietária do grupo Primaveras, afirma que sua iniciativa é algo único no Brasil, "talvez no Ocidente". "Ninguém faz nada parecido aqui", diz Gisela, que é magra, tem a voz suave, cabelos viçosos e está levemente maquiada: "Nossa ideia é criar uma nova narrativa para o luto, estabelecer uma conexão entre quem já foi e o tempo presente."

A produção do evento montou uma tenda onde se fez uma celebração ecumênica, que mesclava os ritos do catolicismo tradicional com os de um culto evangélico; um violinista e um organista acompanhavam os cânticos. Ao fim, diante de 9 mil jazigos, o mestre de cerimônia conclamou: "Viva a vida! Viva!" Muito animado, disse: "A equipe do Primaveras vai entregar a vocês pantufas! Isso mesmo, pantufas!"

Entra em cena a professora de ioga Roberta Monteiro, que se posiciona à frente dos alunos, enquanto todos se estendem em colchonetes coloridos.  Um drone registra a cena do alto.

Frigobar, chuveiro e tablet

A cerca de 50 metros, uma família chora a morte de uma senhora de 76 anos, em uma das oito salas destinadas aos velórios. Cada uma tem um nome: "serenidade", "recordação", "eternidade" … "Tudo foi pensado em conjunto por um arquiteto e um psicólogo", explica a assessora de imprensa do cemitério. Nas duas salas premium, há um frigobar ("as famílias enlutadas se esquecem de comer"); uma microssuíte com sofá-cama, chuveiro e toalhas de banho ("para resolver a questão do cansaço"); e um tablet  ("se for preciso trabalhar"). À frente do suporte do caixão instalou-se um monitor grande, onde as famílias podem exibir imagens do morto (ainda vivo). O cemitério disponibiliza também um columbário com cerca de cem nichos para expor os objetos dos entes queridos — a R$ 350 por mês –, uma árvore estilizada para os pendurar medalhas douradas com os nomes dos que se foram, e uma brinquedoteca.

O violinista Savatiel Pereira Aparecido, o que também estava na missa, toca "Grandioso És Tu" no velório da senhora de 76 anos.

Visita aos parentes e amigos vivos

Não é de hoje que o cemitério Primaveras celebra a vida. Há dois anos, a administração realiza na véspera do feriado de Finados eventos como a "Noite Mexicana" e a "Noite Japonesa". Na primeira, de acordo com os organizadores, os mortos estão autorizados a vir visitar os parentes e amigos vivos, e por isso o evento contou com música, alegria, comidas e caminhos iluminados por velas — para facilitar o encontro.  Na segunda, o cemitério foi decorado com lanternas japonesas e a produção tocou músicas orientais que "transmitem a sensação de harmonia".

A dona do cemitério garante que todo esse investimento não tem nada a ver com estratégia de marketing. "Nossa ideia não foi ampliar o negócio, mas mudar a cultura do funeral no Brasil. Tornar essa experiência positiva, transformadora." Um enterro no Primaveras, segundo Gisela, sai por cerca de R$ 8 mil, "incluindo tudo: flores, velório, caixão". Nas salas premium, paga-se R$ 1 mil ou R$ 2 mil a mais. A média de enterros ali é cinco por dia, diz ela, que também é vice-presidente do Sincep (Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil).

No auge da aula, a professora Roberta, que é esguia, leve e focada, se alonga impiedosamente: "… quem não conseguir efetuar o movimento, respeite as limitações do corpo… a gente vai trazer a não-violência para nossa vida… mãos unidas à frente do coração, fechem os olhos, sintam o ar entrando…"

Em 40 minutos, a aula acaba. Servem-se bolos de fubá e mandioca com café, e o cemitério agora vira cenário de um alegre convescote.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.