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Paulo Sampaio

Em desfile plus size, kit lanche tem carne louca e refrigerante

Paulo Sampaio

27/08/2017 08h00

Na primeira edição do Fashion Weekend Plus Size, em 2010, a produção do desfile oferecia às modelos um kit lanche composto de maçã, barra de cereal, suco light e frios. "Sobrava uma montanha de maçãs", lembra a criadora do evento de moda GG, a empresária Renata Poskus, 35 anos. "Hoje, mudamos o kit para sanduíche de carne louca e refrigerante".  Renata conversa com o blog em uma mesa comprida do restaurante O Alemão, na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo, enquanto belisca cubos de torresmo e beberica um refrigerante "normal". Depois de coordenar a prova de roupas das 14 grifes que participam hoje da 16a. edição do FWPS, ela levou sua equipe para comer uma feijoada completa.

Assumidamente gulosa, Renata é franca, divertida e não usa eufemismos quando se refere a uma modelo "gorda". Com 96kg, para 1,72m de altura, ela mesma se inclui nessa categoria. Diz que já pesou 76kg, mas de um tempo pra cá atingiu "grau de obesidade 1". Fala do assunto sem afetação nem "coitadismos", até porque soube otimizar o excesso de peso em vários negócios lucrativos.  Além da Fashion Weekend e do blog "Mulherão", seguido por quase 90 mil pessoas, ela inventou o Dia da Modelo Plus Size, em que comanda a produção de books de fotos de aspirantes à carreira; criou também sua própria marca de roupas e dá palestras. Conta que aprendeu bastante desde a primeira edição do desfile, mas reconhece que não está fácil atravessar a crise. "Trabalho muito para manter esse evento de pé. E ainda tem quem pense: 'Ai, que bonitinho, várias gordinhas na passarela'. Não, gente, isso aqui é sério", informa. Na entrevista abaixo, a empresária fala com muita sem-cerimônia sobre as especificidades de um desfile plus size, desde à adaptação do kit lanche até a necessidade de aumentar a largura da passarela.

Blog – Volta e meia a patrulha critica a alimentação das modelos muito magras, dizendo que para manter os lendários 90 cm de quadril elas passam a alface. Aparentemente, a modelo GG não enfrenta esse problema.

Renata – Não mesmo. Nosso kit lanche é carne louca com pão francês, e tem a alternativa de pasta de frango, ambas com Coca zero e "normal". A "normal" sai mais. Calculamos três sanduíches para cada modelo. Algumas preferem comer no McDonalds do shopping (Frei Caneca, onde ocorre o evento). Eu não me proponho a mudar o hábito alimentar de ninguém. Não tendo piriri na hora do desfile, tá ótimo.

Blog – Por que vocês se encarregam da alimentação? No desfile das magras, elas levam de casa, ou a agência fornece..

Renata – O nosso evento é completamente diferente do desfile convencional. É muito menor, mais familiar. O casting é coletivo, por exemplo, sem booker para atrapalhar. No início, antes da crise, a gente oferecia um bufê com canapés e pequenas porções de massa.  Mas tivemos de suspender porque a plateia saía no intervalo, ia se servir e não voltava (risos). Eu tinha de ir buscá-las. Dizia: "Gente, vamos prestigiar as amiguinhas?".

Blog – A platéia também é plus size?

Renata – Em muitos casos, a pessoa cria uma marca de moda GG porque não encontra roupa para ela mesma. É a forma de usar o que ela procura, e ainda ganhar dinheiro.

Blog – Existe um limite de peso entre as plus size, como no caso das PP?

Renata – O que acontece é que muitas modelos pensam: "Agora que eu fui aceita, posso comer à vontade". Só que ela não é que nem a magra, que engorda 400 gramas. Ela engorda 4 quilos. E passa da categoria "curvy" (corpo com curvas, manequim 44-46) para "gorda" (até 60). Às vezes a modelo vira obesa. Eu mesma, no início, era curvilínea. Hoje, tenho grau de obesidade 1. Nosso desfile contempla todos os corpos, claro, mas algumas modelos não se conformam de passar de uma categoria para outra.

Blog – Existe competição entre as modelos?

Renata – Existe um tipo que veste 44, 46, e não se considera gorda. Acha que isso desqualifica a imagem dela. Algumas dessas se submetem depois do desfile à cirurgia de redução do estômago, e aí, viram magras.

Blog – Que outras adaptações, além do lanche, são necessárias para produzir um desfile plus size?

Renata – As passarelas são mais largas, têm três metros, e sustentadas por cubos reforçados. Na entrada, é preciso ter alguém para dar a mão e ajudar a modelo a subir os degraus.

Blog – Seu evento enfrenta algum tipo de preconceito por parte das marcas?

Renata – Uma de cosmético quer que a gente use os produtos, mas não quer patrocinar, para não se associar às gordas. Tem marca que não empresta sapato porque acha que vai alargar.

Blog – Você fala francamente do seu excesso de peso, um assunto que é tabu para muitas mulheres.

Renata – Mas não foi sempre assim. Antes, eu me sentia infeliz, tomei muito remédio para emagrecer, era péssimo para minha saúde.  Um dia, um namorado terminou comigo dizendo que eu estava gorda.  Resolvi criar um blog, o "Mulherão", e passei a falar do assunto, sem pretensão nenhuma. De repente, eu estava com centenas de seguidores, que se multiplicaram. Hoje, eu sou muito mais feliz.

Blog – Tem namorado?

Renata – Vários, só novinhos. Estou com um de 27. Meu público alvo é de 30 pra baixo. E sou colunista da (revista) Playboy (risos). Dou conselhos sexuais.

Blog – É comum encontrar modelos plus size resolvidas como você?

Renata – Relativamente. Olha, tem uma grife que vai desfilar roupas de fitness só com estampas de comidas engordativas. Tem rosquinha, sorvete, pirulitinho, donuts.  Agora, me diz, quem vai mexer com uma gorda que veste camiseta de rosquinha?

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.