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Paulo Sampaio

Cariocas produzem evento inspirado no "casamento real" em hotel no Leblon

Paulo Sampaio

19/05/2018 15h30

Convidados do casamento real carioca, à mesa para o brunch; ao fundo, à dir., a historiadora Jane Pimentel (foto: Bruna Guerra/UOL)

Enquanto o Rio de Janeiro desmorona, um grupo de nobres empresários da indústria casamenteira carioca se encastelou no sábado de manhã nos salões devidamente climatizados do Sheraton Grand Rio Hotel & Resort, na avenida Niemeyer, Leblon, para produzir um evento inspirado no enlace do príncipe Harry, 33 anos, sexto na sucessão do trono inglês, com a atriz americana Meghan Markle, 36. Com cerca de 600 convidados, a cerimônia real começou ao meio-dia (8h de Brasília), na Saint George's Chapel, em Windsor, Inglaterra, e foi televisionada para o mundo todo.

No hotel, cerca de 150 pessoas assistiram à transmissão do casamento em um telão instalado na "capela de São Jorge" erigida em uma das salas. Para que parecesse real, a profissional responsável pela identidade visual do evento, Claudia Haddad, 50, projetou imagens de "vitrais anglicanos" nas paredes. No salão do brunch, ela pintou uma réplica gigante do jardim interno do castelo de Windsor, "que não tem acesso à visitação".

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Cláudia também fez os convites da festa, adaptando o logo do hotel a um brasão: "Costumo dizer que tudo começa com o convite. É o que deslancha a festa. Depois que eles foram distribuídos, já era…"

Bolo em quinze dimensões

E quanto custa um casamento "real"? "Olha, depende. Outro dia eu estava assistindo a um programa de TV onde uma noiva disse: 'Meu casamento custou 13 mil'. Eu desliguei a TV e fui dormir. Isso não existe. Veja: eu estou falando desse universo aqui …" Pelo que se diz ali, um casamento pode custar R$ 500 mil. "Até mais do que isso." Segundo ela, dependendo da disposição dos noivos, o bolo já sai pelos 13 mil.

O da festa do hotel tinha a assinatura do cake-designer Antônio Maciel, 38. "É um bolo em 15 dimensões, nove andares", explica Maciel. Ele avalia em R$ 12 mil. Levou 15 dúzias de ovos, tem recheio de nozes com damascos e foi decorado com flores de açúcar inspiradas em muguets ("muito usados em festas da monarquia inglesa"). "A gente optou por uma pegada bem clássica."

Os convidados do brunch assistem ao casamento real na St George's Chapel carioca; nas paredes, projeções dos "vitrais anglicanos" (Foto Bruna Guerra/UOL);

Cláudia e Maciel estavam entre os profissionais que se empenharam na réplica carioca do "casamento real". Havia ainda cerimonialista, estilista, chapeleira, decorador e chef. E também uma especialista em protocolo real; uma revivalista histórica e uma harpista: "Onze fornecedores atuaram de maneira intensa nesse processo. Aqui só tem os 'the best in class"', afirma a decoradora Mariana Nogueira, 42. "Afinal, se você pensar, a gente só vai ter outro casamento na família real daqui a 20 anos, quando os filhos dos príncipes subirem ao altar."

A decoradora faz uma breve interrupção para apresentar o "master blaster designer de flores Jorge Nascimento". Muito prazer.

A Meghan tá muito clean

Mariana diz que resolveu fazer "o contrário de tudo o que é tradicional". Ela chama a atenção para o fato de que "esse casamento está quebrando uma série de tabus". "A noiva é americana, negra, atriz divorciada e mais velha que o príncipe." A ideia de Mariana foi produzir "uma releitura do que se passa na realeza, mas adaptado para os dias de hoje."

"A Meghan tá muito clean, cleanesésima, o vestido é a cara dela. Uma mulher negra, americana, divorciada, mais velha que o noivo", repete alguém ali perto. "Ela mostrou que seu estilo é, digamos, minimalista."

Mariana Nogueira, a decoradora, trabalhou em parceria com Claudia Haddad (Foto: Bruna Guerra/UOL)

Cheio de penetra

A cerimonialista Rosana Dana, 66, também elogia os participantes . "Cada fornecedor se doou de uma maneira esplendorosa. Aqui é tudo 0800, colega, custo zero." O brunch real foi servido às 10h30. As duas mesas grandes instaladas no salão, segundo Rosana, tinham capacidade para 96 pessoas. "Tá cheio de penetra, não sei como vou resolver isso", diz ela, abaixando o tom da voz. Um fenômeno razoavelmente previsível em um evento monárquico no Rio.

De passagem, Mariana Nogueira diz que Rosana "é a melhor do Brasil". "Isso não existe", diz  Rosana, cheia de falsa modéstia. "Todo mundo é bom." Muito expansiva, falante, ruidosa, ela dá uma dica a quem quer seguir sua carreira: "O cerimonialista é a espinha dorsal silenciosa do evento. Ele nunca deve aparecer."

Sissi, a cachorra

Rosana conta que é tão apaixonada por realeza que batizou sua cachorra shiatsu de Sissi, em homenagem à princesa alemã que se tornou imperatriz da Áustria e rainha consorte da Hungria. "Tenho uma relação histórica muito forte com o império austro-húngaro. Vovô era Von Frâtchel, um dos poucos judeus da Áustria que ganharam o título de barão. Quando Hitler estourou na Europa, ele veio para o Brasil e abriu uma pensão no Rio para hospedar os judeus que fugiram de lá. Eu guardo até hoje uma bolsa que pertenceu à imperatriz (Sissi). Mas não põe isso aí não porque vão querer entrar na minha casa e levar uma merda de uma bolsa que não vale mais nada."

De tão apaixonada pela nobreza, a cerimonialista Rosana Dana batizou a cachorra shitsu de Sissi, numa homenagem à rainha austríaca (Foto: Bruna Guerra)

Damas de longo, encimadas por fascinators, perambulam pra lá e pra cá, enquanto a harpista Vanja Ferreira, 55, toca clássicos irlandeses (Londonderry Air), escoceses (Wi a Hundred Peppers) e galeses (Bug Eilior's Gwyneth Gwyn). "O movimento do revivalismo histórico está em alta na Europa… Na verdade, em todo o mundo. Só no Brasil é que não muito. Tem um grupo em São Paulo e o nosso, aqui", explica a historiadora Jane Pimentel, 55, que levou quatro representantes das 16 moças que integram seu grupo.

Todas usavam roupas inspiradas na Belle Époque inglesa; vestidos adornados com rendas, babados, acessórios e camafeus. "Escolhemos trajes de uma época romântica porque os noivos (Harry e Meghan) estão se casando por amor." Claro.

DNA Escocês

Próxima à bancada onde estão expostos seis fascinators e dois chapéus, a autora dos modelos, Graciella Starling, 36, explica: "Adoro tudo o que é antigo. Chapéu não é moda pra mim, está no meu DNA. Meu sobrenome é escocês." Graciella conta que é mineira, aprendeu a fazer chapéu com um assistente do chapeleiro da rainha, Philip Treacy ("ele mesmo está muito velhinho, não se interessa em ensinar"), e tem um showroom em São Paulo. Diz que exporta chapéus para a Inglaterra.

Quem consumiria os chapéus de Graciella? Não seria o mesmo que uma inglesa exportar biquini fio dental para o Brasil?

Não: "Eles não compram o chapéu, compram a exclusividade. Faço sob medida, vou todo ano pra lá." Ela mostra um modelo seu na cabeça de uma mulher no Royal Ascott (evento de turfe que reúne toda a nobreza da Inglaterra): saiu na capa do (jornal inglês The) Telegraph. "A gerente de chapéus da Harrods (centenária loja de departamentos em Londres) usa os meus modelos."

Cabeças premiadas

Aqui no Brasil, ela conta, as grinaldas que produz já estiveram nas cabeças de Claudia Leite, Fernanda Souza, Mariana Ruy Barbosa e Ivete Sangalo. Foi locação (ou empréstimo). Para comprar um modelo assinado por Graciella Starling, é preciso desembolsar entre R$ 600 e R$ 1.200. "Na Inglaterra, isso é nada." E tem muitos clientes? "Poucos."

Por que não se muda para lá? "Não fala isso que você me corta o coração. Eu deveria estar lá, mas não posso por uma série de motivos…" Quais? Ela não diz.

A chapeleira Graciella Starling: DNA escocês (Foto: Bruna Guerra/UOL)

Brunch e Capricho Italiano

O brunch é servido ao som de clássicos tocados por integrantes de uma sinfônica; eles abrem com Carmen (Bizet); em seguida, Capricho Italiano e Concerto Nº 1 para Piano de Orquestra (Tchaikovsky); Entr'acte (Bizet); The Arrival of The Queen of Sheba (Handel); Concerto de Brandenburgo nº 3 (Bach); e Clarins de Roma (Max Steiner). Carmen no bis.

O cardápio foi montado pelo chef Valdir Ramos em conjunto com uma historiadora chamada Ana Roldão. Basicamente, pães, sanduichinhos ("a rainha adora os de pepino", diz alguém do meu lado), salmão defumado, presunto cru, salada de peixe, ovos mexidos com bacon, e pâtisserie variada; miniporções de pratos quentes e, no fim, sobremesa (mesa de doces e o bolo de quinze dimensões). Tudo muito gostoso. Pergunto ao garçon se a rainha se ofenderia, caso ele me servisse um refrigerante. Ele ri, e me traz um. Diet. Me despeço das anfitriãs, roubo um bem-casado e pego a charrete (Uber) de volta pra casa.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.