No tem sido f\u00e1cil para o empres\u00e1rio Marcus Castropil convencer os m\u00e9dicos\u00a0de que o higienizador de \u00e2nus (“chuca'') port\u00e1til que ele criou reduz o risco de doen\u00e7as sexualmente transmiss\u00edveis (DST), como o HPV, as hepatites e a herpes. A ducha retal, ou enema, \u00e9 uma pr\u00e1tica que\u00a0consiste em lavar o reto antes do sexo anal, \u00a0para evitar que restos de fezes n\u00e3o sejam eliminados durante a penetra\u00e7\u00e3o, o que pode causar constrangimento.
Castropil\u00a0afirma\u00a0que sua inven\u00e7\u00e3o substitui com vantagens a “mangueirinha''\u00a0em geral instalada na lateral de alguns vasos sanit\u00e1rios ou acoplada nos chuveiros. “Os usu\u00e1rios costumam retirar o chuveiro met\u00e1lico da extremidade da mangueirinha e introduzir apenas a parte de borracha no \u00e2nus. Acontece que aquilo \u00e9 cortante e, quando compartilhado, por exemplo, nas saunas gays ou na casa de amigos comuns, antes de sair para a balada, torna-se um potencial\u00a0transmissor das DST. Imagine uma mangueira de borracha entrando e saindo v\u00e1rias vezes de diversos \u00e2nus diferentes.''
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A embalagem da “chuca port\u00e1til'' \u00e9 semelhante a de\u00a0uma camisinha; quando se abre o envelope pl\u00e1stico, ela est\u00e1 dobrada e vem com orienta\u00e7\u00e3o de como usar; feita de polietileno, tem uma c\u00e2nula azul na porta que serve para ench\u00ea-la de \u00e1gua e esvazi\u00e1-la no reto, depois da introdu\u00e7\u00e3o (Foto: Paulo Sampaio/UOL)
Apesar de j\u00e1 ter sido lan\u00e7ada h\u00e1 tr\u00eas anos, a “chuca port\u00e1til'' n\u00e3o se tornou t\u00e3o popular como Castropil imaginava. Ele diz que enfrentou preconceito inclusive para comercializ\u00e1-la: “Muitas farm\u00e1cias se recusam a vender meu produto\u00a0porque est\u00e1 associado ao universo gay'', acha. O dispositivo\u00a0\u00e9 composto por uma bolsa de 4cm x 4cm, feita em polietileno, equipada com uma c\u00e2nula azul em uma das extremidades. Com capacidade para 300 ml de \u00e1gua, vem dobrada dentro de uma embalagem semelhante \u00e0 de uma camisinha. Nos estabelecimentos que a disponibilizam, custa entre R$ 5 e R$ 8.
Em sua maioria, os m\u00e9dicos n\u00e3o recomendam a “chuca'' (port\u00e1til ou n\u00e3o): “Antes do sexo anal, o paciente deve manter seus h\u00e1bitos de higiene normais. Se estiver com vontade de evacuar, v\u00e1\u00a0ao banheiro e fa\u00e7a a higiene \u00edntima, sem lavagens internas de rotina que podem eventualmente traumatizar o local, alterar o h\u00e1bito intestinal e dificultar a evacua\u00e7\u00e3o futura'', diz a proctologista Marlise Cerato Michaelsen, da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBPC).
Segundo\u00a0Marlise, a utiliza\u00e7\u00e3o do enema (lavagem) deve ser sempre por indica\u00e7\u00e3o m\u00e9dica, e n\u00e3o como pr\u00e1tica regular antes do sexo anal: “O procedimento \u00e9\u00a0utilizado nos preparos\u00a0para alguns exames de investiga\u00e7\u00e3o diagn\u00f3stica, como a colonoscopia. Pode ser aplicado tamb\u00e9m no aux\u00edlio do fecaloma (fezes empedradas), ou para esvaziar o reto em caso de\u00a0dificuldade evacuat\u00f3ria.'' No caso de sexo com mulheres, o preservativo deve ser trocado se houver intercurso vaginal depois do anal.
Castropil defende que a “chuca'' \u00e9 amplamente difundida na comunidade gay e que os homossexuais n\u00e3o v\u00e3o deixar de faz\u00ea-la\u00a0porque os m\u00e9dicos n\u00e3o indicam. “Quando se trata de preven\u00e7\u00e3o das DST, os profissionais de sa\u00fade sempre falam na 'redu\u00e7\u00e3o de danos'. Dizem que, se a pessoa n\u00e3o vai usar camisinha, que pelo menos conhe\u00e7a e fa\u00e7a uso das profilaxias pr\u00e9 ou\u00a0p\u00f3s exposi\u00e7\u00e3o ao v\u00edrus. No caso da chuca, \u00e9 a mesma coisa. J\u00e1 que\u00a0ningu\u00e9m vai deixar de fazer, com medo de passar constrangimento na cama, \u00e9 melhor que seja com um dispositivo\u00a0descart\u00e1vel e higi\u00eanico.''
Na\u00a0defesa do pr\u00f3prio invento, Caterpil sugere que o dispositivo fa\u00e7a parte da chamada “preven\u00e7\u00e3o combinada''\u00a0— modelo de combate \u00e0 transmiss\u00e3o das DST considerado o mais eficaz\u00a0atualmente. Em vez de impor o uso do preservativo (“use camisinha''), as campanhas agora oferecem alternativas para que a pessoa escolha o m\u00e9todo que mais se adapte ao seu momento de vida.
Para provar que sua sugest\u00e3o \u00e9 relevante, Caterpil mostra um folder publicit\u00e1rio com cartas\u00a0de especialistas incentivando o uso do produto. Uma delas \u00e9 assinada pelo pesquisador de sa\u00fade, sexualidade e direitos humanos da popula\u00e7\u00e3o LGBT pela faculdade de medicina da Santa Casa de S\u00e3o Paulo, Daniel Dutra de Barros. “\u00c9 um prazer recomendar o higienizador \u00edntimo In-M para compor o quadro de insumos de preven\u00e7\u00e3o, juntamente com o preservativo e o gel lubrificante distribu\u00eddos pelo governo. Acredito que promove um novo debate sobre as pr\u00e1ticas sexuais e preven\u00e7\u00e3o de riscos'', diz Barros, que \u00e9 tamb\u00e9m coordenador da educa\u00e7\u00e3o comunit\u00e1ria da faculdade de medicina da USP.
A coordenadora de projetos em sa\u00fade sexual e reprodutiva pelo Instituto de Sa\u00fade da Secretaria do Estado de S\u00e3o Paulo, Regina Figueiredo, tamb\u00e9m aparece no folder: “A lavagem retro-anal \u00e9 uma pr\u00e1tica comum entre aqueles que realizam sexo anal. Essa pr\u00e1tica, muitas vezes, \u00e9 realizada com materiais coletivos, inadequados e de pouca higiene, por isso as duchas descart\u00e1veis de uso pessoal t\u00eam sido estudadas e recomendadas, para reduzir riscos.''
De acordo com uma pesquisa feita em 2009 pelo Datafolha, 88% dos homossexuais,\u00a0o mesmo percentual de\u00a0bissexuais e 57% das mulheres praticam sexo anal. Um\u00a0outro\u00a0estudo, feito em conjunto pelo enfermeiro Luiz Carlos Ribeiro Lamblet, mestre em ci\u00eancia da sa\u00fade, e o urologista Roberto Carvalho da Silva, do Centro de Refer\u00eancia e Treinamento – DST/Aids (CRT), revelou que 396 dos 401 entrevistados haviam feito sexo anal nos tr\u00eas meses anteriores e que 197 realizaram a DR (ducha retal). “N\u00e3o \u00e9 porque n\u00e3o se fala no assunto que ele n\u00e3o existe'', diz Lamblet, ao justificar o estudo.
O objetivo foi investigar quem usa a ducha retal, como e em que condi\u00e7\u00f5es, com que material e qual o impacto da pr\u00e1tica na sa\u00fade, principalmente no contexto das DSTs e no comportamento.Entre os entrevistados, 340 se identificaram como “homem'';\u00a039 como “mulher transexual''; 18 como “travesti''; 3 como “mulher'' e 1 ainda n\u00e3o definido. A maioria (266) tinha n\u00edvel superior completo, alguns com p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o.
O\u00a0estudo mostrou que o objeto preferido para a “chuca''\u00a0\u00e9 a mangueira do chuveirinho, usada por 85% dos entrevistados. A bombinha pl\u00e1stica em formato de pera, tamb\u00e9m chamada de ducha ginecol\u00f3gica, vem em segundo lugar. E, em terceiro, o dispositivo criado por Castropil.
Carvalho diz que considera pouco prov\u00e1vel acontecer a transmiss\u00e3o de DSTs via mangueirinha. \u201cNormalmente, a \u00e1gua corrente e um sabonete d\u00e3o conta de eliminar as bact\u00e9rias. Mas, claro, se a mangueira entra em contato com fezes ou sangue e, imediatamente, outra pessoa vem e usa, ela pode pegar vermes, hepatite A, HPV\u201d, diz o m\u00e9dico. \u201c\u00c9 mais prov\u00e1vel o risco se a pessoa que fez a lavagem tem uma les\u00e3o.\u201d
Os m\u00e9dicos limitam\u00a0a quantidade de \u00e1gua permitida nas DR. “N\u00e3o d\u00e1 para passar de 1 litro'', diz a proctologista Miriam Jatob\u00e1, do CRT. De todo jeito, Miriam\u00a0afirma que usar a mangueirinha,\u00a0sem introduzir, \u00e9 o recomend\u00e1vel para n\u00e3o lesionar a mucosa do \u00e2nus nem\u00a0o canal do reto.
O inventor da chuca port\u00e1til\u00a0argumenta que \u00e9 preciso pensar nas popula\u00e7\u00f5es vulner\u00e1veis, carentes\u00a0e com baixo n\u00edvel de informa\u00e7\u00e3o: “Aqueles rapazes que\u00a0frequentam o Largo do Arouche (centro de S\u00e3o Paulo), por exemplo, muitas vezes v\u00eam da periferia para passar\u00a0o fim de semana em quitinetes lotadas. Ali, eventualmente, eles compartilham a mangueirinha do chuveiro el\u00e9trico. Existe at\u00e9 quem brinque, chame essa 'higieniza\u00e7\u00e3o pr\u00e9-balada' de Xou da Xuca.''
Castropil\u00a0cita tamb\u00e9m a “chuca seca''. “J\u00e1 ouvi relatos de travestis que introduzem papel higi\u00eanico no reto at\u00e9 sair limpo. S\u00e3o rolos quase inteiros e chegam at\u00e9 o intestino grosso, empurrando\u00a0as fezes para cima. N\u00e3o \u00e9 melhor fazer isso com higiene?''
Na Internet, h\u00e1 tutoriais com centenas de milhares de seguidores explicando\u00a0como fazer a chuca. Ali se diz que se deve\u00a0injetar a \u00e1gua no reto e expelir v\u00e1rias vezes, “at\u00e9 que ela saia branquinha, sem sinal de fezes''. Ent\u00e3o, afirmam os “mestres'', o \u00e2nus\u00a0est\u00e1 preparado para receber o p\u00eanis sem o risco de, na g\u00edria dos gays, \u201cpassar cheque\u201d.
Marta\u00a0McBritton,\u00a0presidente do Instituto Barong,\u00a0uma ONG especializada em preven\u00e7\u00e3o de DST/aids, afirma em entrevista a Ag\u00eancia de Not\u00edcias da Aids, que a chuca port\u00e1til\u00a0“\u00e9 um insumo de redu\u00e7\u00e3o de danos, pelo fato de ser descart\u00e1vel''. \u201cEvita-se que objetos como mangueira de chuveiro e garrafas pets sejam compartilhados.\u201d
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