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Paulo Sampaio

Estrangeiras acreditam mais na "energia" de João de Deus do que nas vítimas

Paulo Sampaio

11/12/2018 12h44

Estrangeiras que circulam em Abadiânia por esses dias dizem preferir acreditar na "energia" de João de Deus do que nas denúncias de abusos sexuais feitas por dezenas de mulheres contra o médium de 76 anos. Ele recebe pessoas do mundo todo três vezes por semana — quartas, quintas e sextas — e, de acordo com a assessoria de comunicação da Casa Dom Inácio de Loyola, onde se realizam as consultas, o médium "atenderá esta semana". Eles não especificam se ele o fará todos os dias.

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A aposentada belga Isabel, 49 anos, uma das que acreditam na energia de João de Deus, chega a culpar as vítimas: "Eu conheço as mulheres, elas adoram homens de sucesso. Querem estar perto, abraçar, tocar, beijar. Se não conseguem, espalham coisas horríveis sobre eles".

Isabel conta que frequenta Abadiânia há dez anos e que já trouxe muitas amigas da Bélgica para se consultar com João de Deus. "São mulheres jovens, bonitas, atraentes. Nunca aconteceu nada", afirma ela, que, só este ano, esteve quatro vezes na cidade. Diz que não sofre de nenhuma enfermidade, vem apenas para se energizar.

Segundo o prefeito de Abadiânia, José Aparecido Diniz (PSD), o fenômeno João de Deus atrai 10 mil visitantes por mês à cidade, sendo 40% deles estrangeiros.

A belga Isabel acredita que João de Deus foi acusado porque "as vítimas não conseguiram o que queriam de um homem de sucesso" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Recuperada "milagrosamente" de um tumor de"quase 15 centímetros" no estômago, a terapeuta alemã  Jutta, 54, acredita que muitas das mulheres que acusam o médium de abuso, na verdade não conseguiram vencer doenças raras: "Isso gera 'bad talks' (comentários maldosos), mas eu confio na minha intuição. Eu sentiria se houvesse algo assim tão grave", diz ela, levando a palma da mão ao colo.

Pela terceira vez em Abadiânia, Jutta diz que pretende voltar mais. "Eu me recusei a fazer quimioterapia, mudei minha alimentação e visitei o João", diz. "Os médicos na Alemanha não têm explicação científica para a cura da minha doença. Eles me davam poucos meses de vida."

A alemã Jutta, à entrada da Cada Dom Inácio de Loyola, onde o médium faz seus atendimentos; ela diz que acredita na própria intuição (Foto: Paulo Sampaio)

"Isso tudo é um complô", acha a francesa Odile, 49, que também trabalha com energia. Ela acredita que "existe muita escuridão no mundo". Conta que frequenta há cinco anos a Casa de Dom Inácio de Loyola. "Recebi uma mensagem inexplicável", diz ela tocando as têmporas com as palmas das mãos. "Levei imagens do João para amigos que se recuperaram de males incuráveis", diz. Odile afirma que não tem receio de ser abusada pelo médium: "Nenhum, isso nunca aconteceria", acha.

Odile, que era enfermeira e se tornou terapeuta de reiki, diz que soube de João de Deus quando recebeu um "chamado energético" em Montpelier, onde mora (Foto: Paulo Sampaio)

Para a analista de sistemas turca Gigden, 45 anos, o principal é "acreditar no coração". Mas ela é uma das poucas que crêem também no noticiário. "Acho que estão dizendo a verdade, mas isso não é importante diante da grandiosidade do nosso sentimento. Ele nos protege de qualquer coisa", acha.

João de Deus é um homem como qualquer outro que vive na terra, diz a mexicana Alejandra, "eu não converso com ele, converso com a entidade que ele recebe" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Muito tranquila, a mexicana Alejandra, 39, diz que não está preocupada com o que o homem João de Deus faz, já que ela conversa com a entidade que ele recebe. "Tudo o que eu posso fazer com o homem é perdoá-lo. Quem homem não erra?", pergunta Alejandra, que trabalhava em uma ONG em Los Angeles que lida com vítimas de estupros e encaminhava jovens pobres para a escola.

Em Abadiânia há duas semanas, e pela segunda vez, a mexicana diz que não frequenta a Casa de Dom Inácio de Loyola por causa de João de Deus, mas pela atmosfera que rodeia o lugar (ela abre os braços e sente a atmosfera): "Não se trata de ir lá por causa das pessoas, e sim do que está acima de tudo entende? Eu falo da energia, da atmosfera, não existe lugar como esse", acredita Alejandra, que pediu demissão do trabalho, e está se mudando dos EUA para Abadiânia.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.