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Suzane durante o enterro dos pais em 2002 (Imagem: Fl\u00e1vio Grieger/Folhapress)
Suzane durante o enterro dos pais em 2002 (Imagem: Fl\u00e1vio Grieger/Folhapress)
Especialista em aplicar o teste de Rorschach\u00a0—\u00a0feito com\u00a0Suzane von Richthofen para avaliar se ela est\u00e1 apta a conviver em sociedade — \u00a0a psic\u00f3loga M\u00f4nica Evelyn Thiago explica que\u00a0esse tipo de exame revela tra\u00e7os estruturais e imut\u00e1veis da personalidade do indiv\u00edduo. \u00a0No “teste do borr\u00e3o'', como tamb\u00e9m \u00e9 chamado, o\u00a0avaliador\u00a0pede \u00e0 pessoa que diga o que ela v\u00ea em manchas dispostas em dez pranchas. “As impress\u00f5es do avaliado\u00a0s\u00e3o codificadas, e esses c\u00f3digos passam por um c\u00e1lculo matem\u00e1tico estabelecido por uma tabela. O resultado \u00e9 um conjunto de arranjos\u00a0que associam a an\u00e1lise subjetiva\u00a0\u00e0 estat\u00edstica'', explica M\u00f4nica, que faz parte da Sociedade Rorschach de S\u00e3o Paulo.
Condenada a 39 anos de pris\u00e3o por planejar o assassinato dos pais com o namorado e o irm\u00e3o dele, Suzane von Richthofen cumpre a pena em regime semi-aberto. Pleiteia sair para o aberto, que \u00e9 praticamente a liberdade — ela teria apenas de se apresentar periodicamente \u00e0 Justi\u00e7a. Por\u00e9m, \u00a0o teste solicitado pela promotoria\u00a0revelou tra\u00e7os de sua\u00a0personalidade que indicam que ela n\u00e3o est\u00e1 apta para o relacionamento social.
Em 2014, o teste j\u00e1 a havia avaliado como \u00a0uma pessoa “manipuladora'', “onipotente'', “imatura'' e “egoc\u00eantrica''. Na \u00e9poca, apesar de ser considerada\u00a0socialmente “reprov\u00e1vel'', Suzane conseguiu a progress\u00e3o do regime fechado para o semi-aberto. Desta vez, a promotoria e a defesa n\u00e3o se manifestaram a respeito do que pode acontecer,\u00a0alegando\u00a0que o processo\u00a0corre em segredo de Justi\u00e7a.
Caso deixe a penitenci\u00e1ria, Suzane pretende morar com o namorado, o marceneiro Rog\u00e9rio Olberg, de 39 anos, em Angatuba, cidade a 200 km de S\u00e3o Paulo. E o\u00a0que levaria uma pessoa a se apaixonar por uma “reprovada social''? A psic\u00f3loga M\u00f4nica Thiago acredita que, em boa parte dos relacionamentos, as personalidades s\u00e3o complementares: “Voc\u00ea n\u00e3o vai ver um masoquista com algu\u00e9m que n\u00e3o seja minimamente s\u00e1dico. No caso de um\u00a0psicopata, pode-se inferir que o parceiro dele seja uma pessoa\u00a0sem muita autonomia, que espere que o norteiem;\u00a0tende a ser um indiv\u00edduo manipul\u00e1vel.''
Em entrevista ao blog, a psic\u00f3loga explica que a aplica\u00e7\u00e3o do teste pode levar seis horas, mas a m\u00e9dia s\u00e3o duas. Para a\u00a0an\u00e1lise que define o diagn\u00f3stico, especialmente em casos que envolvem a Justi\u00e7a, s\u00e3o necess\u00e1rios outros 30 dias. “O\u00a0juiz, ou as partes (defesa ou acusa\u00e7\u00e3o) eventualmente fazem perguntas espec\u00edficas, requisitam mais informa\u00e7\u00f5es\u00a0e isso pode prolongar a an\u00e1lise''. De acordo com a tabela da sociedade, o Rorschach aplicado na \u00e1rea criminal custa por volta de R$ 4 mil.
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O teste de Rorschach (Imagem: Getty Images)
Qual o par\u00e2metro que o teste de Rorschach usa para determinar onde termina a normalidade, onde come\u00e7a a patologia comportamental?
Existem tra\u00e7os de disfun\u00e7\u00e3o de car\u00e1ter que est\u00e3o fora do patamar m\u00e9dio da popula\u00e7\u00e3o.
E qual seria esse patamar?
Voc\u00ea toma como base uma popula\u00e7\u00e3o que n\u00e3o apresenta\u00a0problemas de ordem comportamental nem\u00a0\u00a0funcional. Pessoas que nunca procuraram\u00a0um psic\u00f3logo ou um m\u00e9dico por causa de inadapta\u00e7\u00e3o social.
Elas s\u00e3o a maioria?
Voc\u00ea precisa de um par\u00e2metro de normalidade.
Se o avaliado tiver acesso ao teste previamente, \u00e9 poss\u00edvel controlar o resultado?
N\u00e3o h\u00e1 a menor possibilidade. Justamente porque o resultado reflete um arranjo de resultados. Cada paciente pode virar a prancha na posi\u00e7\u00e3o que quiser, ver o que quiser, na cor que quiser. N\u00e3o se estabelece limite de tempo nem de n\u00famero de interpreta\u00e7\u00f5es. No Brasil, s\u00f3 os psic\u00f3logos e os profissionais\u00a0que t\u00eam forma\u00e7\u00e3o em psicologia podem aplicar o teste. Para se tornar um “rorschista'', \u00e9 necess\u00e1rio passar por uma forma\u00e7\u00e3o de tr\u00eas anos, sem contar o curso de psicologia.
Um psic\u00f3logo\u00a0que acompanhou na m\u00eddia uma hist\u00f3ria como a de Suzane von Richthofen pode ter imparcialidade para avali\u00e1-la?
O que se espera de um profissional de sa\u00fade mental \u00e9 que ele consiga, na avalia\u00e7\u00e3o do paciente, se afastar do conjunto de valores que norteia a vida dele. N\u00e3o se trata de julgar o paciente e sim de avaliar o comportamento dele. Voc\u00ea pode at\u00e9 escutar, em conversa de botequim, um psic\u00f3logo dizendo que ela “\u00e9 maluca'', “sem vergonha'', “mau car\u00e1ter'', “psicopata'', mas o distanciamento quando se aplica o teste \u00e9 fundamental.
O teste aplicado\u00a0em Suzane chegou basicamente ao mesmo resultado do que ela tinha feito em 2014. S\u00f3 que, no caso dela, tudo \u00e9 p\u00fablico. Ser\u00e1 que, para refor\u00e7ar a validade do teste, os psic\u00f3logos tendem a repetir os resultados.
N\u00e3o, porque o teste n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 subjetivo. A an\u00e1lise \u00e9 mais ampla.\u00a0Primeiro, as interpreta\u00e7\u00f5es que o indiv\u00edduo vai fazer das manchas de cada uma das dez pranchas s\u00e3o codificadas, e esses c\u00f3digos passam por um c\u00e1lculo matem\u00e1tico. O trabalho da\u00a0avalia\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica \u00e9 um complemento ao do c\u00e1lculo. O dado estat\u00edstico e o subjetivo\u00a0se completam. Os c\u00f3digos respectivos \u00e0s interpreta\u00e7\u00f5es passam por\u00a0uma tabela de c\u00e1lculos.
O resultado do teste ser\u00e1 sempre igual para o mesmo indiv\u00edduo?
O que \u00e9 b\u00e1sico na personalidade de uma pessoa n\u00e3o muda. Se ela \u00e9 submetida a um trabalho s\u00e9rio de psican\u00e1lise durante a vida, por exemplo, ou qualquer experi\u00eancia que provoque uma reflex\u00e3o, pode at\u00e9 apresentar alguma diferen\u00e7a no resultado final. Mas n\u00e3o\u00a0uma mudan\u00e7a radical na estrutura da personalidade.
Ent\u00e3o o teste tem o poder de determinar o destino do indiv\u00edduo. \u00c9 quase como um vatic\u00ednio?
Sim. A gente toma o cuidado de aplic\u00e1-lo apenas depois que a pessoa j\u00e1 fez a transi\u00e7\u00e3o da adolesc\u00eancia para a\u00a0fase adulta, porque acredita-se que antes disso\u00a0o c\u00e9rebro ainda est\u00e1 em forma\u00e7\u00e3o. O que ocorre \u00e9 que algumas pessoas n\u00e3o atingem esse patamar de matura\u00e7\u00e3o social nunca.
Como se chega, por exemplo, a um diagn\u00f3stico de psicopatia?
Os leigos tendem a associar o psicopata ao serial-killer do filme americano. Mas a avalia\u00e7\u00e3o n\u00e3o pode ser feita\u00a0apenas com base em\u00a0um dado isolado. No caso do psicopata, existem sintomas b\u00e1sicos, como relacionamento objetal com as pessoas, falta de empatia, frieza, egocentrismo. Apenas uma dessas caracter\u00edsticas n\u00e3o \u00e9 suficiente para fechar\u00a0o diagn\u00f3stico. E existem nuances. Um exemplo simples, para facilitar o entendimento: nem todo mundo que \u00e9 distra\u00eddo sofre de d\u00e9ficit de aten\u00e7\u00e3o. \u00c9 preciso combinar a distra\u00e7\u00e3o com outros sintomas.
Significa que o diagn\u00f3stico de psicopatia envolve muita responsabilidade?
Muita. Se existe d\u00favida, a gente n\u00e3o crava. Nesses casos, o teste \u00e9 submetido ao equivalente a uma “junta m\u00e9dica''.
Existe uma infinidade de pessoas que planejam matar os pais, ou matam pessoalmente. Nem todos s\u00e3o psicopatas, certo?
Exato. O que vai come\u00e7ar a definir a diferen\u00e7a \u00e9 o conjunto de atitudes que ele toma em rela\u00e7\u00e3o ao acontecimento. Uma pessoa que mata os pais por impulso, um adolescente que n\u00e3o tem consci\u00eancia do que estava fazendo, em geral entra em desespero, tem pesadelos, apresenta um comportamento estranho. O psicopata \u00e9 frio, simula sofrimento, vai para o vel\u00f3rio, chora no enterro. Mas, de novo, \u00e9 preciso muito cuidado na avalia\u00e7\u00e3o.
Por que as pessoas t\u00eam tanta curiosidade em rela\u00e7\u00e3o a algu\u00e9m que comete um crime brutal?
O ser humano \u00e9 intrinsecamente agressivo, somos predadores por natureza. Se n\u00e3o fosse assim,\u00a0n\u00e3o ter\u00edamos dominado o Planeta. Acontece que existem balizamentos sociais que reprimem esses impulsos primitivos. Determinados indiv\u00edduos ignoram esses balizamentos, ou rompem com eles, e isso nos intriga. Muita gente quer se aproximar dessas pessoas para ver\u00a0qual o mecanismo que as leva a agir com tanta crueldade, sem apresentar depois nenhum sinal de arrependimento ou remorso.
O que uma pessoa que\u00a0se\u00a0apaixona por um psicopata, e o leva para morar em casa,\u00a0espera da rela\u00e7\u00e3o?
O que a gente pode dizer \u00e9 que, em um casal, as personalidades costumam ser complementares. Voc\u00ea n\u00e3o vai ver um masoquista com algu\u00e9m que n\u00e3o seja minimamente s\u00e1dico. No caso do psicopata, pode-se inferir que o parceiro dele seja um indiv\u00edduo\u00a0sem muita autonomia, que espere ser norteado,\u00a0tende a ser manipul\u00e1vel.
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