{"page-prev":false,"page-next":false,"blogosfera-options":{"category":[{"link":"http://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br/category/sem-categoria/","title":"Sem categoria","descriptions":"","slug":"sem-categoria","size":347}],"page-type":"post","blog-id":"172","site-url":"http://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br","author-info":{"title":"Sobre o autor","description":"Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para S\u00e3o Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publica\u00e7\u00e3o de mat\u00e9rias de comportamento e entrevistas com artistas, pol\u00edticos, celebridades, atletas e madames."},"blog-info":{"title":"","description":""},"blog-publicity":"","comentarios":{"show":true,"id":14752060,"disableTitle":true,"displayInline":true}},"blog":{"conteudo":{"titulo":"Voc\u00ea j\u00e1 ouviu falar em travesti \"tucana\"?, indaga criador de coletivo LGBTT","autor":"Paulo Sampaio","texto":"
Idealizador e coordenador pol\u00edtico do Coletivo Arouchianos, que milita em defesa\u00a0da popula\u00e7\u00e3o LGBTT que frequenta o Largo do Arouche, no centro de S\u00e3o Paulo, e \u00e9 composta majoritariamente por pobres, pardos ou negros, soropositivos e refugiados,\u00a0o jornalista baiano H\u00e9lcio Beuclair, 33 anos, afirma que esse grupo\u00a0\u00e9 mais vulner\u00e1vel \u00e0 Aids porque as campanhas de preven\u00e7\u00e3o n\u00e3o chegam a ele. Diz que a linguagem \u00e9 academicista, distante, “produzida pelo homem cis branco'' (“heterossexual de classe m\u00e9dia, intelectualizado''). Soropositivo desde 2015, o jornalista afirma\u00a0que ele mesmo foi v\u00edtima da inefici\u00eancia da pol\u00edtica de sa\u00fade p\u00fablica: “Naquela \u00e9poca, eu n\u00e3o sabia nem que a PEP existia'', lembra ele, referindo-se \u00e0 Profilaxia P\u00f3s-exposi\u00e7\u00e3o ao HIV, que em quase 100% dos casos evita a infec\u00e7\u00e3o pelo v\u00edrus.
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Nascido em Itamaraju, a 600 km de Salvador, Beuclair\u00a0conta que trocou sua cidade por S\u00e3o Paulo em 2009, depois de sofrer ataques homof\u00f3bicos dentro da pr\u00f3pria fam\u00edlia (“tortura psicol\u00f3gica, f\u00edsica, humilha\u00e7\u00f5es, priva\u00e7\u00f5es'') e de tentar tr\u00eas vezes o suic\u00eddio. Afirma\u00a0que, embora a rela\u00e7\u00e3o com os pais tenha melhorado nos \u00faltimos tempos, sua m\u00e3e e sua irm\u00e3 mais nova continuam n\u00e3o aceitando sua orienta\u00e7\u00e3o sexual.
A fam\u00edlia do pai, de fazendeiros, \u00e9 composta em sua maioria por crist\u00e3os ligados a testemunha de Jeov\u00e1; e a\u00a0da m\u00e3e, de comerciantes, ao candombl\u00e9. Identificando-se como “pardo'' (“meu pai \u00e9 negro''), o\u00a0militante faz quest\u00e3o de dissociar\u00a0as express\u00f5es “gay'' (“identificado com homem cis branco de classe m\u00e9dia'') e LGBTT (“engloba l\u00e9sbicas, gays, bissexuais, transexuais, transg\u00eaneros e travestis'').
Pesquisa feita pelo Centro de Refer\u00eancia e Treinamento DST/Aids (CRT) revelou que a infec\u00e7\u00e3o por HIV continua crescendo tanto em brancos quanto\u00a0em negros.\u00a0Mas o n\u00famero\u00a0de brancos que desenvolvem a Aids sofreu uma queda, enquanto o de negros se mant\u00e9m em linha\u00a0ascendente.\u00a0Quem tem\u00a0o v\u00edrus\u00a0n\u00e3o necessariamente desenvolveu doen\u00e7a.\u00a0“Uma coisa \u00e9 contrair o HIV; outra \u00e9 desenvolver Aids, outra morrer de Aids'', diz o sanitarista Arthur Kalichman, do CRT, que coordenou a pesquisa.
Na entrevista abaixo, Beuclair\u00a0fala que “na milit\u00e2ncia de esquerda, o homem cis tomou o lugar da popula\u00e7\u00e3o historicamente vulner\u00e1vel para falar por ela \u2013 sem ter muita ideia de quem \u00e9 essa popula\u00e7\u00e3o''. “Na direita, piora. Porque a\u00ed n\u00e3o d\u00e3o nem voz ao preto pobre. Voc\u00ea j\u00e1 ouviu falar em travesti tucana?''
Blog – Voc\u00ea tem 33\u00a0anos, pertence a uma\u00a0gera\u00e7\u00e3o que foi muito alertada em rela\u00e7\u00e3o a Aids. No entanto, contraiu o v\u00edrus em 2015…
H\u00e9lcio Beuclair — Eu vivo na periferia (Vila Carmosina, na zona leste, a cerca de 20 km do centro de S\u00e3o Paulo), onde a\u00a0campanha de preven\u00e7\u00e3o se resume \u00e0 sugest\u00e3o do\u00a0uso da camisinha. Eu n\u00e3o tinha como saber que j\u00e1 havia a PEP (Profilaxia P\u00f3s-exposi\u00e7\u00e3o ao v\u00edrus da Aids). Ela \u00e9 distribu\u00edda em locais que, para quem vive nos extremos da cidade, s\u00e3o muito remotos.
Blog —\u00a0Um\u00a0estudo do Centro de Refer\u00eancia e Tratamento DST/Aids (CRT) mostra\u00a0que\u00a0a infec\u00e7\u00e3o por HIV continua crescendo entre brancos e negros. Mas\u00a0a linha dos brancos que desenvolvem a Aids, e morrem da doen\u00e7a, est\u00e1 em queda, enquanto a dos negros continua ascendente.
Beuclair — Isso parece evidente.\u00a0A grande parte dos gays pretos s\u00e3o pobres e vivem em lugares insalubres,\u00a0corti\u00e7os, pens\u00f5es lotadas, barracos com esgoto a c\u00e9u aberto. E a falta de acesso \u00e0 informa\u00e7\u00e3o come\u00e7a j\u00e1 na inf\u00e2ncia. As escolas p\u00fablicas s\u00e3o muito ruins, e se voc\u00ea pega uma em Guaianazes (extremo da zona leste), vai ver que ainda \u00e9 muito pior que uma em Pinheiros (zona oeste): em estrutura f\u00edsica, manuten\u00e7\u00e3o, aparelhamento e preparo dos professores.
Essa\u00a0car\u00eancia no ensino b\u00e1sico\u00a0tem um impacto muito grande em tudo; na alimenta\u00e7\u00e3o, no desperd\u00edcio de \u00e1gua, no ac\u00famulo de lixo, no gasto de energia.\u00a0Como uma pessoa que sai de casa de madrugada para trabalhar, e no fim do expediente segue direto para a faculdade particular\u00a0(que ele paga), vai ter tempo de prestar aten\u00e7\u00e3o nos efeitos da mudan\u00e7a clim\u00e1tica?
Blog — No ano em que descobriu que tinha contra\u00eddo o v\u00edrus da Aids, voc\u00ea fundou um coletivo LGBTT que defende um grupo composto majoritariamente por homossexuais pobres, pardos ou negros, refugiados\u00a0e soropositivos. Acha que as duas experi\u00eancias est\u00e3o ligadas?
Beuclair — Eu cheguei da Bahia com R$ 50 no bolso. Ao mesmo tempo em que me apaixonei por S\u00e3o Paulo, tive muita dificuldade para sobreviver aqui. A\u00a0duras penas, consegui arrumar emprego e me sustentar, pagar a faculdade, me formar em jornalismo. Mas vi de perto que muita gente\u00a0simplesmente\u00a0n\u00e3o consegue isso, por falta de acesso e oportunidade. Talvez essa seja a minha diferen\u00e7a, em rela\u00e7\u00e3o a\u00a0quem trabalha em campanha de preven\u00e7\u00e3o ao HIV e combate a Aids: eu vejo tudo\u00a0de perto, convivo. A experi\u00eancia \u00e9 transformadora.
Blog –– Que erros voc\u00ea apontaria nas pol\u00edticas de\u00a0preven\u00e7\u00e3o ao v\u00edrus e combate \u00e0 doen\u00e7a?
Beuclair —\u00a0Os conselhos de gestores das pol\u00edticas p\u00fablicas e ONGs usam infraestrutura do estado para fazer pesquisas, mas n\u00e3o d\u00e3o voz para a\u00a0popula\u00e7\u00e3o pobre e vulner\u00e1vel. A\u00a0linguagem dos textos \u00e9 acad\u00eamica e, mesmo para a popula\u00e7\u00e3o instru\u00edda, chata. \u00c9 preciso se aproximar dessa popula\u00e7\u00e3o, n\u00e3o s\u00f3 na linguagem, mas fisicamente. N\u00e3o seria legal se, junto com o homem cis de classe m\u00e9dia, branco,\u00a0houvesse gente que tem rela\u00e7\u00e3o direta com o que est\u00e1 se discutindo ou defendendo?
Blog — Mas o Centro de Refer\u00eancia e Treinamento DST/Aids (CRT) promove grupos de trabalho (GT) com a participa\u00e7\u00e3o de militantes de diversos grupos da popula\u00e7\u00e3o pobre e vulner\u00e1vel.
Beuclair — Sem d\u00favida, produzem debates interessantes, mas que n\u00e3o tem alcance — n\u00e3o chegam na periferia. Eles at\u00e9 instalaram uma van para fazer o trabalho de preven\u00e7\u00e3o no Arouche, onde o frequentador\u00a0chega \u00e0 noite disposto a “ferver'' (se divertir). \u00d3timo. S\u00f3 que a abordagem j\u00e1 teria de partir dessa circust\u00e2ncia. Outro dia, em uma dessas testagens (de HIV), eu ouvi: “Vou embora. N\u00e3o adianta ficar, est\u00e1 todo mundo b\u00eabado.'' Eu disse: “Mas \u00e9 a\u00ed que voc\u00ea tem de ficar.'' Ou ele quer que as travestis, por exemplo, um grupo marginalizado, extremamente vulner\u00e1vel, apresente um comportamento exemplar?
De tanto que isso se repete historicamente, essa popula\u00e7\u00e3o (negros, pobres, vulner\u00e1veis) j\u00e1 se acostumou com o descaso por ela. Nem passa pela cabe\u00e7a dessas pessoas que elas tamb\u00e9m t\u00eam direito ao acesso. \u00c9 natural que, nesse contexto,\u00a0o n\u00famero de infectados seja maior. Volta e meia a gente sabe que algu\u00e9m morreu. S\u00f3 esse ano, at\u00e9 agora, foram dez aqui na regi\u00e3o.
Blog — O quer voc\u00ea sugere?
Beuclair — Falar do HIV e da Aids utilizando a cultura e a arte produzida na periferia. Organizar saraus, exposi\u00e7\u00f5es de grafites, bailes funk. Eu levo para o Arouche caixas de som, microfones, projetores de imagens, luzes, e instalo tudo no meio da pra\u00e7a. Promovo shows feitos pelos pr\u00f3prios integrantes do coletivo. A Rodrag, por exemplo, uma figura n\u00e3o-bin\u00e1ria (que n\u00e3o est\u00e1 associada ao g\u00eanero masculino nem ao feminino, mas n\u00e3o \u00e9 necessariamente transexual ou transg\u00eanero) sobe num pedestal e canta feito uma louca. No meio daquela gritaria, a gente vai tocando no assunto da preven\u00e7\u00e3o, inserindo esse conte\u00fado aos poucos.
Blog — O Arouchianos \u00e9 um coletivo gay…
Beuclair — N\u00e3o gosto dessa palavra, porque remete apenas\u00a0a um tipo de homossexual, o branco de classe m\u00e9dia. Quando fala da parada, a m\u00eddia se refere a ela como “gay''. A parada \u00e9 LGBTT, em defesa dos direitos de l\u00e9sbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais\u00a0e transg\u00eaneros. E nos Arouchianos, h\u00e1 tamb\u00e9m os migrantes refugiados\u00a0LGBTT, pessoas que deixaram\u00a0seus pa\u00edses por causa de persegui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e religiosas. Ent\u00e3o, a sigla correta seria LGBTTI+, para quem mais chegar.
Blog — De onde v\u00eam esses imigrantes?
Beuclair — Da Nig\u00e9ria, do Congo, Senegal, Venezuela, Bol\u00edvia, Haiti. H\u00e1 alguns do Oriente M\u00e9dio tamb\u00e9m. Em todos os casos, eles praticamente se escondem. N\u00e3o gostam de se expor, dar entrevistas,\u00a0porque muitos s\u00e3o casados em seus pa\u00edses de origem, outros s\u00e3o portadores de HIV. Temem mais persegui\u00e7\u00e3o, longe de casa.
Blog —\u00a0Existe um grupo de acolhimento a esses imigrantes no Brasil?
Beuclair — Essa \u00e9 a quest\u00e3o. N\u00e3o existe. Os abrigos\u00a0colocam \u00a0todos os imigrantes juntos: homossexuais, heterossexuais, religiosos. Ent\u00e3o, o homossexual continua sofrendo preconceito. \u00a0N\u00e3o \u00e9 porque todos s\u00e3o refugiados que agora v\u00e3o se unir. O resultado \u00e9 que se registram epis\u00f3dios de exclus\u00e3o, agress\u00e3o, humilha\u00e7\u00e3o.
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