{"page-prev":false,"page-next":false,"blogosfera-options":{"category":[{"link":"http://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br/category/sem-categoria/","title":"Sem categoria","descriptions":"","slug":"sem-categoria","size":347}],"page-type":"post","blog-id":"172","site-url":"http://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br","author-info":{"title":"Sobre o autor","description":"Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para S\u00e3o Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publica\u00e7\u00e3o de mat\u00e9rias de comportamento e entrevistas com artistas, pol\u00edticos, celebridades, atletas e madames."},"blog-info":{"title":"","description":""},"blog-publicity":"","comentarios":{"show":true,"id":14752057,"disableTitle":true,"displayInline":true}},"blog":{"conteudo":{"titulo":"A mulher negra \u00e9 2,4 vezes mais vulner\u00e1vel \u00e0 Aids, afirma militante HIV+","autor":"Paulo Sampaio","texto":"
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Para o\u00a0militante soropositivo\u00a0\u00a0Carlos Henrique de Oliveira, fundador dos coletivos Loka de Efavirenz e Jovens Vivendo com HIV, o governo acha que basta disponibilizar o rem\u00e9dio pra resolver o problema (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Em S\u00e3o Paulo, uma mulher negra portadora do v\u00edrus HIV tem 2,4 vezes mais chances de adoecer de Aids. Quem afirma \u00e9 o militante soropositivo Carlos Henrique de Oliveira, 25 anos,\u00a0que trabalha com sa\u00fade p\u00fablica (na \u00e1rea administrativa), faz p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o em sociologia e coordena os coletivos Loka de Efavirenz\u00a0(cujo nome faz refer\u00eancia a um medicamento anti-retroviral que “provoca efeitos colaterais violentos, como pesadelos e alucina\u00e7\u00f5es''); e Jovens Vivendo com HIV. Em ambos, lida com a popula\u00e7\u00e3o pobre, vulner\u00e1vel, que tem muita dificuldade de acesso \u00e0 sa\u00fade.

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De acordo com Oliveira, a taxa de detec\u00e7\u00e3o do v\u00edrus da Aids \u00e9 tr\u00eas vezes maior em mulheres negras. “Fazem parte dessa popula\u00e7\u00e3o as\u00a0casadas com heterossexuais; as bissexuais; e as profissionais do sexo'', diz. “Falta ainda incluir no mapeamento o total de mulheres trans.'' Ele explica que\u00a0“al\u00e9m de ser muito mais dif\u00edcil para uma mulher negra ter acesso aos mecanismos de preven\u00e7\u00e3o, ainda tem a desinforma\u00e7\u00e3o, o machismo, a dificuldade de negociar o uso da camisinha com o marido''. “Em cidades do interior, \u00e9 muito comum essas mulheres terem vergonha de pedir preservativos\u00a0nos postos \u2013 por medo, quest\u00f5es religiosas, morais.''

Pesquisa feita pelo Centro de Refer\u00eancia e Treinamento DST/Aids (CRT) revelou que a infec\u00e7\u00e3o por HIV continua crescendo tanto em brancos quanto\u00a0em negros.\u00a0Mas o n\u00famero\u00a0de brancos que desenvolvem a Aids sofreu queda, enquanto o de negros se mant\u00e9m em linha\u00a0ascendente.\u00a0Quem tem\u00a0o v\u00edrus\u00a0n\u00e3o necessariamente desenvolve doen\u00e7a.\u00a0“Uma coisa \u00e9 contrair o HIV; outra \u00e9 desenvolver Aids, outra morrer de Aids'', diz o sanitarista Arthur Kalichman, do CRT, que coordenou a pesquisa.

Abaixo, trechos da entrevista que Oliveira concedeu ao blog.

Blog –– Quais os principais motivos que levam a popula\u00e7\u00e3o negra a continuar adoecendo de Aids?

Carlos Henrique de Oliveira —\u00a0Os gestores da sa\u00fade p\u00fablica enxergam a epidemia do HIV pelo lado farmac\u00eautico/biol\u00f3gico. Eles acham que basta dar o rem\u00e9dio para salvar a vida.\u00a0O pensamento hegem\u00f4nico em rela\u00e7\u00e3o ao HIV \u00e9: 'Uma vez que eu disponibilizo a medica\u00e7\u00e3o, as pessoas s\u00f3 v\u00e3o morrer se quiserem'. A narrativa \u00e9 essa.

Blog –– Ent\u00e3o, h\u00e1 medicamento, mas falta acesso?

Oliveira ––\u00a0O\u00a0governo simplesmente n\u00e3o leva em conta as condi\u00e7\u00f5es de sa\u00fade, de moradia, de seguran\u00e7a em que a maior parte da popula\u00e7\u00e3o vive. Pensa no tratamento em condi\u00e7\u00f5es ideais. Bom, ent\u00e3o eu tomo meu medicamento, vou me alimentar, tenho um emprego seguro, t\u00e1 tudo certo. N\u00e3o, n\u00e3o est\u00e1. Para a maioria da popula\u00e7\u00e3o, n\u00e3o est\u00e1.

Blog — Mas o Brasil n\u00e3o \u00e9 refer\u00eancia no tratamento da Aids?

Oliveira — Foi. Depois do esfor\u00e7o comunit\u00e1rio das d\u00e9cadas de 1990 e 2000, o governo decidiu tratar a doen\u00e7a como um problema solucionado.\u00a0Quando a gente vai em simp\u00f3sio sobre\u00a0Aids, tem a impress\u00e3o de que est\u00e1 tudo resolvido. Fala-se de PrEP (Profilaxia Pr\u00e9-expsoic\u00e3o ao v\u00edrus da Aids) e PEP (Profilaxia P\u00f3s-exposi\u00e7\u00e3o), como se tudo se resumisse a medicamento.\u00a0A\u00ed, eu tenho um amigo que foi diagnosticado com o HIV, recebeu o medicamento mas abandonou por causa de uma depress\u00e3o profunda e morreu depois de de contrair o v\u00edrus da Hepatite A na ocupa\u00e7\u00e3o em que ele morava.

Blog –– De certa forma, ent\u00e3o, o medicamento piorou a situa\u00e7\u00e3o?

Oliveira –– O medicamento, sozinho, n\u00e3o resolve.\u00a0Em Itaquera, onde eu moro, ningu\u00e9m distribui o folder explicativo de preven\u00e7\u00e3o. \u00c9 s\u00f3 um panfleto na \u00e9poca do Carnaval, onde se l\u00ea: \u201cUse camisinha.\u201d A coisa \u00e9 muito jogada.\u00a0O\u00a0racismo e as desigualdades sociais levam a popula\u00e7\u00e3o negra, que coincide com a pobre, a acessar os servi\u00e7os de sa\u00fade de forma prec\u00e1ria e tardia. Eu mesmo, apesar de trabalhar em hospital, s\u00f3 fui saber que havia contra\u00eddo o v\u00edrus quando j\u00e1 estava com a doen\u00e7a (ele diz conseguiu reverter o diagn\u00f3stico e que hoje a quantidade de v\u00edrus em seu organismo \u00e9 indetect\u00e1vel).

Blog –– Nada mudou?

Oliveira — Sim, pra pior.\u00a0Desde 1988, o SUS funcionava de acordo com cinco blocos que faziam o chamado repasse “fundo a fundo'', regulamentado pela portaria n\u00ba 204/2007 do minist\u00e9rio da Sa\u00fade: 1. Aten\u00e7\u00e3o b\u00e1sica; 2. Assist\u00eancia; 3. M\u00e9dia e alta complexidade ambulatorial e hospitalar; 4. Vigil\u00e2ncia em sa\u00fade; 5. Investimento. Ent\u00e3o, a portaria n\u00ba 3992, de dezembro de 2017, dissolveu os cinco blocos e criou dois ( de custeio e de investimento), que d\u00e3o amplos poderes de manuseio dos recursos aos estados e munic\u00edpios. Ou seja, houve uma flexibiliza\u00e7\u00e3o do uso das verbas, que agora vai depender de quem est\u00e1 no poder.\u00a0\u00a0O dinheiro que era para investimento na preven\u00e7\u00e3o da Aids, ou para transplantes de rim, agora pode ser gasto na constru\u00e7\u00e3o de hospitais.

Blog — Na pr\u00e1tica, como isso\u00a0se verifica?

Oliveira —\u00a0Houve um corte, por exemplo, de exames de CD4, que averigua o n\u00famero de c\u00e9lulas de defesa no organismo. Antes, eles garantiam o teste a cada seis meses; agora, s\u00f3 no primeiro ano ap\u00f3s\u00a0o diagn\u00f3stico. O mesmo aconteceu com o exame de carga viral, que pode informar se o v\u00edrus j\u00e1 est\u00e1 indetect\u00e1vel — o que diminui o risco de cont\u00e1gio.

Blog — A crise\u00a0pol\u00edtica agravou a situa\u00e7\u00e3o?

Oliveira — Sem d\u00favida. Pra come\u00e7ar, o\u00a0governo estabeleceu um teto para os gastos p\u00fablicos nos pr\u00f3ximos 20 anos que come\u00e7ou a vigorar de fato em 2018. O impacto disso na sa\u00fade vai ser gigantesco. O reajuste do investimento n\u00e3o ser\u00e1 proporcional ao crescimento da popula\u00e7\u00e3o e das necessidades dela.\u00a0Bem ou mal, a coisa ainda caminhava.

Blog ––\u00a0Como isso atinge as campanhas de preven\u00e7\u00e3o?

Oliveira — Com as\u00a0PECs dos gastos p\u00fablicos, houve um desmonte dos postos de preven\u00e7\u00e3o em localidades carentes da periferia.\u00a0As campanhas sumiram. Voc\u00ea vai sentir esses cortes l\u00e1 na frente, quando o n\u00famero de mortes aumentar. O marketing midi\u00e1tico \u00e9 importante, mas, nessas comunidades, vale pouca coisa se n\u00e3o houver\u00a0o boca a boca. As campanhas tem de chegar junto\u00a0dessa popula\u00e7\u00e3o.

Blog — Isso faz com que\u00a0os n\u00fameros da Aids\u00a0nessa popula\u00e7\u00e3o tenda a crescer

Oliveira —\u00a0N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 a Aids. Se voc\u00ea v\u00ea os n\u00fameros da tuberculose, da s\u00edfilis, a mortalidade no c\u00e1rcere, na maioria das vezes por causa de doen\u00e7as trat\u00e1veis, todos est\u00e3o subindo.\u00a0As mulheres\u00a0\u00a0negras s\u00e3o as mais atingidas. Elas t\u00eam 2,4 vezes mais chances de adoecer de Aids.

Blog — Muitos falam que os jovens de hoje n\u00e3o t\u00eam medo da Aids

Oliveira —\u00a0Evito usar as palavras \u201cv\u00edtima\u201d e \u201cculpa\u201d, porque o governo tende a responsabilizar\u00a0os jovens que contraem o v\u00edrus, para se eximir de sua pr\u00f3pria obriga\u00e7\u00e3o. Eu mesmo, antes de me aproximar desses grupos de jovens, achava que eles estavam mentindo a respeito de falta de informa\u00e7\u00e3o, por leviandade. Mas ent\u00e3o eu vi que eles n\u00e3o se negam a falar do assinto. E que a informa\u00e7\u00e3o de fato n\u00e3o tinha chegado a eles. Eu me espantei com o n\u00edvel das perguntas. Coisas do tipo: “Pega no beijo?'' “Posso ter amizade com algu\u00e9m que tem HIV''? “Se ela espirrar eu pego''?\u00a0Se\u00a0o n\u00edvel de desinforma\u00e7\u00e3o \u00e9 t\u00e3o alto, um display de camisinha n\u00e3o significa muita coisa para esse jovem.

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