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Paulo Sampaio

Em debate na USP, prostituta sueca ataca projeto de lei que criminaliza cli

Paulo Sampaio

09/08/2017 08h00

Pye Jakobsson, no jardim da Fefelech (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

O deputado federal João Campos (PRB-GO), autor de um projeto de lei que propõe a criminalização de quem paga por prostituição no Brasil, diz que se baseou no modelo vigente na Suécia. Alega que "é um dos países mais avançados do mundo". A lei sueca foi aprovada em 1999. Campos é pastor, delegado de polícia da classe especial e integra a chamada bancada religiosa fundamentalista da Câmara.  "Tive acesso a uma pesquisa feita por uma universidade norte-americana que revela que 80% das prostitutas gostariam de deixar a atividade. A prostituição expõe as mulheres à violência física, ao estupro, e carece de um elemento fundamental nas relações íntimas, que é o amor".  A prostituta sueca Pye Jakobsson, 49 anos, presidente da Rede Mundial de Projetos para Trabalhadores do Sexo (NSWP), discorda radicalmente de Campos. Ela  considera a lei que regula a atividade em seu país um desastre. Diz que reforça o estigma de vítimas que a sociedade imputa às prostitutas. No Brasil para participar de um ciclo de debates intitulado "Um século e meio de abolicionismo: prostituição, criminalização e controle da mulher", Pye conversou com o blog em uma sala da Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas da USP, a Fefelech. O ciclo faz parte das comemorações pelos 30 anos do Movimento Brasileiro de Prostitutas.

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Blog – Um deputado brasileiro propôs um projeto de lei baseado no modelo sueco, que criminaliza quem paga por serviços de prostituição. Para fazer a defesa de sua proposta, ele argumenta que a Suecia é "um dos países mais avançados do mundo".

Pye – Não acho que tratar a prostituta como uma vítima seja um avanço. Isso só faz reforçar o estigma que a sociedade colocou nela. Para a elaboração dessa lei na Suécia, eles partiram de supostas pesquisas que teriam indicado que a maioria das prostitutas sofre algum tipo de abuso na infância. E, por isso, elas se tornam "deficientes sociais".  Se têm filhos, são obrigadas a entregar a guarda deles para o pai, mesmo que ele seja um homicida. Na Suécia, ficou famoso o caso da Petite Jasmin, uma prostituta que primeiro perdeu a guarda dos filhos e depois foi morta a facadas pelo pai deles.

Blog – A Suécia é apontada como um dos países mais socialmente igualitários do mundo. Seria de se supor que respeitassem todas as atividades profissionais — incluindo a prostitiuição

Pye – Nossa sociedade tem um padrão de comportamento único. Todo mundo tem de agir da mesma maneira. Quem sai daquele modelo, precisa de ajuda. No caso das prostitutas, o governo tem o apoio das feministas ultra-radicais, que acham que usamos o corpo de forma "errada". Elas se sentem no dever de nos alertar. Nos tratando como coitadas, recebem milhões para tocarem seus projetos de "resgate".

Blog – Você não é feminista?

Pye – Sim! Sou ativista, inclusive. Todo mundo me conhece na Suécia. Mas não existe apenas um grupo feminista.  As do tipo radical acreditam que nós precisamos da ajuda para nos "libertar"  da prostituição. Eu digo "não, obrigada".

Blog –  De uma certa maneira, o deputado fundamentalista João Campos é feminista radical. Ele lamenta que "a prostituição carece de um elemento fundamental em qualquer relação íntima, o amor".

Pye –  Mas se eu amasse o meu cliente não seria um trabalho. As pessoas acham que a gente está lá se divertindo. É um trabalho como outro qualquer. Um dia eu faço com mais disposição, em outro eu apenas ligo no automático. Não é assim com o jornalista?

Blog – Quanto você cobra o programa?

Pye – Em média, 350 euros. É o país da Europa onde o programa é mais caro.

Blog – Algumas prostitutas afirmam que o melhor cliente é aquele que não faz sexo, quer apenas conversar. Seria uma maneira mais fácil de ganhar dinheiro.

Pye –  Eu não acho. Gosto dos práticos, que pagam, transam e vão embora. Não sou psicanalista, não quero ouvir os problemas do cliente com a mulher dele.

Blog – Você tem uma namorada, que também é trabalhadora do sexo. É razoável achar que as prostitutas tendem a se tornar lésbicas, por se relacionar de forma tão mecânica com os homens?

Pye – Em um trabalho como o meu, é bem melhor encontrar uma mulher quando você volta para casa. Muitas acham o mesmo. Mas eu sou lésbica desde antes de começar na atividade.

Blog – Há quanto tempo é trabalhadora do sexo?

Pye – 31 anos.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.