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Paulo Sampaio

'O time do Flamengo todo me molestou, e eu adorei', diz ex-rainha do clube

Paulo Sampaio

26/12/2022 23h50

Já faz algum tempo, tipo 31 anos, mas Enoli Lara não esquece aquele Carnaval. Modelo, atriz, cantora, escultora, escritora, palestrante, símbolo sexual e geminiana, ela  foi onvidada pela diretoria do Flamengo para sair na ala que homenageava o time na escola carioca União da Ilha, cujo enredo era Aquarylha do Brasil (1988). Na ocasião,  informaram a ela que não havia verba para uma fantasia que contemplasse mais que um cocar e uma camisa do time. Enoli achou meio "pobre", e então o carnavalesco Max Lopes concordou em trocar a camisa por uma pintura feita diretamente no corpo dela, com as cores do time.

"Um amigo artista plástico me pintou lá mesmo, embaixo do balança-mas-não cai (prédio emblemático, de quase 200 apartamentos, nas vizinhança da Sapucaí), cercada por um cordão de policiais, para me proteger do assédio do povo", lembra Enoli, 70 anos.

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Com Renato Gaúcho, no Carnaval de 1988, quando pintou o corpo com as cores do Flamengo (Foto: Arquivo Pessoal/UOL)

Tótem rubro-negro

Na avenida, ela saiu junto com os jogadores: "Tava todo mundo alto, porque deram uma cachacinha de brinde na concentração", diz. Lá pelo meio do desfile, tomado por um desejo coletivo incontrolável, o time se juntou em torno de Enoli, como se ela fosse um técnico no campo, e passou a boliná-la por todos os lados: "O Renato (Gaúcho) abocanhou meus seios, e tinham mãos atrás, na frente, línguas, dedos… Os seguranças tiveram de me tirar dali, porque eu não conseguia mais desfilar."

Não que ela tenha achado ruim. De jeito nenhum. No centro da avenida, Enoli Lara diz que se sentiu algo próximo de uma "divindade". "Eu era um tótem no meio daqueles homens", conta ela, cerrando os punhos e os olhos com uma expressão que mistura êxtase e drama. "Você pode imaginar o que aquela cena não aguçava o imaginário masculino…"

Na avenida, em 1988, frente e verso (Foto: Arquivo Pessoal)

Sexo, poder e dinheiro

O time do Flamengo, na época, tinha Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Aílton e Flávio; Renato Gaúcho, Bebeto e Zinho. Para Enoli, tudo começou a acontecer quando a elegeram "rainha do clube". "Fui a única", afirma ela, com muito orgulho. "A Cláudia Raia foi também, mas só do baile (vermelho e preto). Eu fui do time, do baile e também madrinha do futebol na areia. O juiz era o Margarida, ele pedia a camisa dos jogadores dizendo que ia agilizar um encontro erótico deles comigo."

Lara, como a chamam os amigos, é extremamente grata ao clube. Não só pelos  orgasmos que vários craques proporcionaram a ela — além de Ranato Gaúcho, a modelo teve um caso (não tão expressivo) com Gauchinho, e chegou a entrar no vestiário do time na Gávea para fazer sexo com vários deles ("foi quase uma Gang Bang") –, mas também poder ("fui amante de um diretor, que é casado até hoje") fama e dinheiro ("fiz os troféus que o time levou para os amistosos de 1988, nos EUA e México").

Candidata à prostituta

Para ela, sexo, poder e dinheiro estão intimamente ligados. "Eu sou que nem a Gabriela (personagem do romance de Jorge Amado), teúda e manteúda. Mulher bíblica. Gosto de ser presenteada com jóias, carros, apartamentos…".

Apesar de achar justo receber uma remuneração informal pelo prazer que oferece, Enoli Lara afirma que nunca foi prostituta. Diz que respeita muito a profissão, mas não é a sua "área": a única vez em que se sentiu próxima disso foi quando se candidatou a vereadora pelo PFL carioca, também em 1988. "O ambiente da política, querido, aquilo sim é prostituição", diz ela. Em um raro momento sombrio, Lara conta que perdeu uma fortuna na campanha.

A respeito dos valores no título do clube, Lara diz que "alguém pagou por aquilo, nem seu quem" (Foto: Arquivo Pessoal)

A escultora e o troféu feito para os amistosos de 1988 nos Estados Unidos: "O Flamengo me deu poder, fama e dinheiro" (Foto: Arquivo Pessoal)

Missão de vida

Nascida em Porto Alegre e criada em Curitiba, Enoli Lara tem a convicção de que cada ser humano vem ao mundo com uma missão. Ela seria "predestinada a servir a humanidade por meio do sexo". "É kármico. Sinto que vim para ajudar pessoas que têm problemas nessa área, dificuldades de se soltar, fantasias não realizadas."

Lara está prestes a lançar um canal no YouTube para exibir vídeos eróticos em que aparece fazendo sexo com amigos. Já gravou episódios com três parceiros, sem contar o próprio viedomaker, que é casado, então não pode mostrar o rosto. Para ela, que se define como "extremamente exibicionista", isso não é um problema.

Pelo que Lara explica, os vídeos são tutoriais. "Desde os anos 90, eu tinha ideia de produzir algo assim, demonstrativo, para orientar as pessoas que não têm jeito para a coisa."

Tutorial de oral

Ela garante que não existe no Brasil um trabalho feito com mulheres maduras que tenha um acabamento "sofisticado". "Não é vídeo tipo caseiro não! Nada contra, mas eu sou muito detalhista, gosto das coisas bem feitas." Amanhã, domingo, 22, ela grava um 'tutorial de oral'.

Longeva no sexo, ela diz que começou muito jovem. Aos 7 anos, fez sexo oral em um padre ("eu podia ser uma criança, mas estava plenamente consciente"); aos 13, perdeu a virgindade; aos 17, engravidou na sala de casa, enquanto os pais faziam amor no quarto. "Meu pai era um homem muito viril, militar, usava farda, e eu tinha fixação em toda aquela indumentária. Pegava na arma dele como se fosse um falo." O único filho, de 42, é teólogo, filósofo e biólogo. Mora em Curitiba.

Com o filho, Jefferson, e o neto, Adrian, segurando uma escultura em homenagem ao jogador Zico (Foto: Arquivo Pessoal)

Camille & Rodin

Em 1970, de passagem pelo Rio, ela foi apresentada por um tio artista plástico ao escultor Edgar Duvivier, 40 anos mais velho, que viria a se tornar seu marido por mais de dez anos. "Foi como Camille Claudel e (Auguste) Rodin", diz ela, referindo-se à musa inspiradora, confidente, pupila e amante do escultor francês. "C'est la même chose."

Embora tenha sido fiel a Duvivier nos primeiros tempos, Eloni diz que o sexo é uma "energia mística, sagrada e diabólica" que a domina. Os dois acabaram se separando, quando Duvivier descobriu pelo motorista da família ("a gente tinha até avião") que ela andava saindo com o fotógrafo Antônio Guerreiro. "Aquela altura, eu já estava estudando teatro no Tablado, e o Guerreiro não era o único."

Pelo comportamento libertário, Enoli já foi chamada algumas vezes de "mulher objeto", mas diz que não se reconhece no epíteto: "Objetos eram eles, os homens. Sempre fui uma fêmea alfa."

Antes da Zélia!

No dia da entrevista, Lara leva sua biografia para presentear o blog. "Trilogia do Prazer – A Sacerdotisa do Sexo" tem 300 páginas e é recheada de fotos, mas nada de encheção de linguiça. Os casos são tantos que dariam para editar um segundo volume. Quando conta, por exemplo, que foi amante do ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral, ela faz questão de cravar a marca de seu pioneirismo: "Foi antes da Zélia (Cardoso de Melo)! E da Constituinte!"

Como será que o ministro, já quase com 60 anos, fazia para dar conta da predestinada? Na época, não havia Viagra. "Olha, naquele caso, eu tenho impressão que era prótese. Porque olha, ele era incansável!"

Poupança boa

Em relação à "trilogia", no título do livro, Enoli diz que se refere a "futebol, sexo, e Carnaval" ("é o que me move, a minha pulsão de vida"). Entre as muitas histórias contadas na obra, está a rumorosa indenização que Eloni recebeu, depois de se reconhecer em um comercial do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj), veiculado antes do "Jornal Nacional".

"Apareciam as maravilhas do Rio, o Corcovado, o Cristo e eu, de costas, com um biquíni fio dental. Associavam a minha imagem à "poupança" Banerj; o termo era usado na época como sinônimo de bunda. Pois sem precisar usar a minha, ganhei 40 mil dólares e mais um apartamento de dois quartos." Desde então, Enoli Lara deu várias palestras a respeito de cobrança por uso indevido de imagem.

Com Edgar Duvivier; o bronzeado foi adquirido na piscina do tríplex do casal (não na praia) (Foto: Arquivo Pessoal)

Jantarzinho no Gero

No começo da conversa, a entrevistada afirma que a vida toda preferiu homens mais velhos ("sempre foquei no conhecimento, na sabedoria, no intelecto"), mas, ao mesmo tempo, diz que ultimamente tem atraído "os de 30": "Eles vêm atrás de mim, não sei por quê. Só digo a eles que sou acessível, mas não estou necessariamente disponível.  Não dá para passar de carro pra me pegar e querer fazer sexo no banco, sabe? Pelo menos da primeira vez, tem que me levar para um jantarzinho no Gero, um lugar bom."

Seja qual for a faixa etária do parceiro, Lara gosta de lidar com "instrumentos grandes". "Sempre fiz sexo com  homens bem dotados. De preferência, com dois ao mesmo tempo. Me sinto o pivô da concorrência fálica!" Ah, é verdade. Ela jura que nunca alguém falhou com ela na cama.

Será que não é muita coisa para almejar em um homem só: o intelectual, o bem dotado, o potente e o liberal (a ponto de permitir um segundo, e não uma segunda, na mesma cama)? Não. "O Duvivier, por exemplo, com 70 anos, transava três vezes por dia comigo." Mas ela reconhece que ele era terrivelmente ciumento, e não a deixava ir a praia com o filho; ela tinha de tomar sol na piscina no tríplex.

Afrodite sem calcinha

No Carnaval de 1989, ano seguinte ao da "almôndega" com os jogadores, o enredo da União da Ilha foi "Festa Profana". Promovida ao topo de um carro alegórico, a 30 metros do chão, Enoli Lara saiu de afrodite. Vestindo basicamente uma calcinha, ela se livrou da peça em pleno desfile: "Gente, deusa do sexo não usa calcinha", alegou.

Ela conta que naquele dia havia passado a tarde na cama com o volante Paulo Roberto Falcão, seu namorado à época. Lara desmente os boatos a respeito da orientação sexual do gaúcho, de quem ouvia-se falar que era um gay no armário. "Foi um parceiro espetacular. Melhor oral que eu já tive. Era um príncipe, mandava flores, e ao mesmo tempo um devasso", diz ela. "Por isso, eu o chamei de Calígula. Disse aos censores de ocasião que eu havia trazido dentro de mim, para a avenida, o gozo do Rei de Roma (como Falcão era conhecido na Itália), e que não fazia sentido manter a calcinha." (Ela dá uma gargalhada e diz: "Me saí com essa!").

A partir daquele ano, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) proibiu nu total na avenida — para orgulho de Lara, que foi "a primeira e única" a sair sem nada na Sapucaí. "Depois de mim, elas deixavam cair o tapa sexo, mas não era a mesma coisa."

Modelo de conservadora

A medida em que avançamos na conversa, percebo que Eloni sente muito prazer em praticar uma modalidade específica de sexo oral. Simplesmente, ela gosta de falar do assunto. Falar, falar.

O discurso é semelhante àquele que as feministas tanto desprezam nos homens que alardeiam seus feitos na cama. "Nos anos 1990, comi um número de homens que as mulheres da minha geração vão reencarnar 30 vezes e não vão conseguir", afirma ela, que é fã da polêmica ensaísta norte-americana Camile Paglia, que se declara feminista, mas, ao mesmo tempo, é repudiada por um enorme contingente de militantes do movimento. "Sou conservadora como ela."

Muito à vontade, em foto feito ontem (Foto: Zô Guimarães/UOL)

Pose, só pelada

Combinamos previamente que a foto seria feita no mesmo dia da conversa, e então Lara levou várias sacolas com algumas opções de roupa, todas muito justas, decotadas e em cores cítricas, intensas. Ao fazer as primeiras poses, ela se queixou de estar "sem posição":  "Acho que não sei posar vestida", concluiu, tentando se sentar de lado em uma das mesas do restaurante, com uma calça azul petróleo muito justa e o pé direito balançando no ar, acomodado em uma sandália plataforma dourada, de salto 20cm.

A fotógrafa a convence a fazer as imagens no dia seguinte, em outro lugar. "Minha casa tem uma luz ótima", diz Zô. E assim foi.

O escrete da rainha

Hoje, sábado, 21 de dezembro, Enoli Lara vai dedicar o dia ao jogo Flamengo e Liverpool, na final da Mundial de Clubes, com foco nos jogadores que mais a seduzem. "O que mais admiro é o Diego, capitão. Gosto desde que começou, e agora mais ainda, pela participação decisiva na Libertadores."

Mas "atração de verdade" ela diz sentir pelo meio-campista Gerdon, "o negão de tirar o chapéu". "Depois, o Pabo Mari, o Arrascaeta, o Diogo e o Gabigol."

Como já afirmou alguns parágrafos acima, Enoli Lara considera a companhia de apenas um homem na cama, pouco; dois, bom; e um vestiário cheio, melhor ainda. Em caso de "gang bang" com o time atual, ela convocaria ainda, para cumprir sua missão kármica, o técnico Jesus. "Pelo lado místico."

 

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.