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Paulo Sampaio

Quatro exemplos de mulheres que vão na contramão do movimento feminista

Paulo Sampaio

10/08/2017 17h33

Por amor, alienação, ou mera submissão, elas acreditam que seu lugar é cuidando do lar, dos filhos, do marido, ou, no caso das lésbicas, do "homem da relação". Tem também as "peruas", que gastam o dinheiro do marido sem culpa (ele adora); e as indignadas, que acham que as mulheres "são as maiores culpadas dos assédios". Veja abaixo quatro exemplos de antifeministas.

  • ficção baseada em fatos reais

Antifeminista 1) Não é justo colocar nela o rótulo de inocente útil, nem tampouco relegá-la ao papel de submissa. A fonoaudióloga ("de formação") MF, 42, defende conscientemente que "homens e mulheres têm papel diferente na sociedade", e que o dela é passar o dia atendendo as crianças, cuidando dos afazeres da casa e preparando um jantar gostoso para quando o marido chegar. A antifeminista do tipo 1 pensa basicamente como o presidente Michel Temer, que, no Dia Internacional da Mulher em 2016 lembrou o quanto a presença feminina no lar é importante, não só pela capacidade da dona de casa de "apontar desajustes de preços em supermercados", como de "indicar flutuações econômicas no orçamento doméstico". O advogado CA, 48, marido de MF, faz lembrar o próprio Temer. CA não se importa em ser mais baixo que a mulher, desde que ela demonstre afeto por ele, se dedique às crianças e tenha autoridade com as empregadas. "O papel do homem é prover; o da mulher, administrar a casa", diz CA.

O círculo de relações do casal é formado por um conjunto de "iguais", de forma que CA nem precisa se preocupar com más influências. Contudo, acontece de MF se ver cercada por amigas de amigas que ela chama de "loucas de tudo". Nessas ocasiões, quando se sente cobrada a "trabalhar fora", por exemplo, e a "ganhar o próprio dinheiro", ela reage com um "cala a boca" geral: "Digamos que eu adore ir ao supermercado, que eu prefira trabalhar em casa do que ficar trancada em um escritório e que eu tenha prazer em receber meu marido, no fim do dia, perfumada. E aí, o que eu faço? Começo a brigar comigo mesma?".

Antifeminista 2) Leve, bem-humorada e segura de seu direito de gastar o dinheiro do marido até o último centavo, a administradora de empresas ("não praticante") CG, 37 anos, costuma ser chamada pelos amigos gays de "perua" — e adora isso.  Por outro lado, se alguém a considera "burrinha" ou "alienada", ela não dá a mínima. Em geral, C está ocupada demais para se aprofundar no assunto.

Ocupada comprando uma bolsa Chanel, tonalizando o cabelo no salão do Vandercreissu, o V, ou retocando o Botox. Em um raro contato com uma militante feminista, na casa de uma amiga sexóloga "de esquerda" que se candidatava à prefeita de SP, C não entendeu nada do que a outra pregava: "Que conversa estranha…De onde surgiu essa mulher?", perguntou, sem muito interesse. Quando o assunto não é compras, tratamentos de beleza ou viagens, o déficit de atenção da antifeminista tipo 2   acaba por blindá-la involuntariamente.  A militância feminista tem uma enorme dificuldade de transpor essa barreira, numa eventual tentativa de atrair sua atenção.

O mesmo não acontece com o marido de C, o doleiro HY, 54. Ele adora cobrir a mulher de roupas, joias e dinheiro. Para o doleiro, vê-la ostentar tudo aquilo é uma experiência afrodisíaca. De preferência, na frente dos amigos dele e, principalmente, das amigas dela. H sente orgulho de chegar ao clube acompanhado daquela loira de cabelo muito liso, vestido caro e bolsa de marca. "Oiê", diz ela, recendendo a perfume americano. E H: "Não me olhem com essa cara, a culpada do atraso é dona C, que leva três horas para se arrumar." C recosta a cabeça no ombro de H, ele dá um beijo na cabeça platinada dela, sorrindo numa atitude de ursão protetor.

Antifeminista 3) Toca o interfone, é a D, do 43.  "Paulo, fiz umas empadinhas com farinha de trigo integral, tem de frango e palmito. Guardei pra você. Vem buscar." Advogada aposentada, D tem cerca de 70 anos, é viúva duas vezes, tem dois filhos e fez algumas cirurgias plásticas; fala com voz rouca de fumante e cultiva os cabelos louros esfiapados para o alto, como se tivesse acabado de dar um passeio de moto, sem capacete.

Embora despreze a terminologia feminista atual (acha "superficial", "rasa", "ridícula"), ela é a típica empoderada. Jamais deixa de dizer o que pensa, e isso inclui dirigir os chamamentos mais ignominiosos às mulheres.  Descontando a mãe dela e uma irmã, todas as outras são "umas pestes". "O que é isso que elas chamam de assédio? No trabalho, nunca conheci uma mulher recusasse cantada do chefe. Se o cara escreve uma poesia, pensando em comer a assistente, é assédio? Elas dizem que não, porque aí a abordagem é 'civilizada'. Aí, elas podem dar tranquilas pro chefe. " O difícil, na opinião dela, é definir quem seduziu quem: "Você acha que elas usam roupa justa, decote, salto alto pra quê? E as jogadas de cabelo?".

O que mais revolta D em relação ao feminismo é a vitimização das mulheres: "Elas são tratadas como coitadinhas, desamparadas, incapazes de se defender." Ela conta que conheceu seus dois maridos quando ele eram seus chefes e que ambos estavam casados e deixaram a família para assumi-la. "Não pega bem me chamar de vilã. Então, eu sou a forte, a libertária, a corajosa; aquela que enfrentou a sociedade e assumiu uma paixão."

D acredita que, "quando essas feministas de 30 envelhecerem, pode escrever, elas vão reclamar de falta de assédio". "Conheço uma porção de mulheres que se queixam de ter ficado invisíveis depois dos 45, 50 anos. Dizem que ninguém mais olha para elas. Não é esquisito? Quando finalmente os homens as deixam em paz, elas reclamam."

Para D, abraçar a causa feminista foi "uma maneira que essas mulheres encontraram de mostrar que existem". "Querido, tá todo mundo desesperado por atenção. Elas cobram dos homens qualidade na abordagem porque deixaram de ser mimadas. Até por quê, cadê os homens? Mais da metade é gay; do que resta, a maioria não sabe conversar, uma parte é brocha e aí vem um restolho que está com a faca e o queijo na mão. Pode escolher quem quiser. Pensa bem. Não tô certa?"

Antifeminista 4) Há quem insista em afirmar que, por silogismo, toda lésbica é essencialmente feminista. A inferência não se comprova em pleno menos um caso: o de Mariléia e Cida — ou "Cidão da Oficina". Para as famílias delas e os amigos, os papeis das duas no casamento são bem claros. Segundo Marialva, irmã de Mariléia, Cidão é "o homem da relação". Marileia cozinha para Cidão, serve cerveja geladinha com frios na hora do jogo Santos e Palmeiras, e guarda a carteira dela quando as duas vão ao show de Ana Carolina — que Mariléia adora.

Nessas ocasiões, Cidão invariavelmente exagera na bebida e acaba tendo uma crise de ciúme. Já virou mesa de bar, ameaçou pegar a arma no porta-luvas do Corsinha (ela fez curso de tiro), e, em casos extremos, chegou a dar uns sopapos em Mariléia (acusando-a de ter "provocado" a paquera). No dia seguinte, se diz arrependida, e Mariléia aceita as desculpas.  Assim, o relacionamento das duas está pra completar 20 anos.

Seu Jonas e dona Dirce, os pais de Mariléia, a alertam para o amor doentio de Cidão, sugerem à filha que vá à delegacia de mulheres registrar um boletim de ocorrência, mas, por maior que seja o hematoma em seu olho, ela sempre defende a outra. Marivaldo, irmão de Mariléia, já saiu no braço com Cidão, e levou a pior. Os dois acabaram fazendo as pazes em uma partida de sinuca. Enquanto os dois jogavam, Mariléia aproveitou para passar um pano com Veja no chão da sala. Na volta, Cidão foi para o sofá jogar playstation e, com os pés cruzados em cima da mesa de centro, perguntou. "A cerveja tá gelada, amor?"

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.