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Paulo Sampaio

Desde fevereiro em SP, doméstica filipina ganha R$ 2.200 e não reclama

Paulo Sampaio

12/08/2017 13h16

Aiaisi Patino, filipina que trabalha em São Paulo

Desde fevereiro no Brasil, a filipina Aiaisi Patino, 50, veio para assumir a dupla função de doméstica e cuidadora de uma senhora de 87 anos na casa de um empresário paulistano.  Ela nasceu em Mindanao, a segunda maior ilha do arquipélago que compõe o país, conta que estudou enfermagem e que foi enviada a São Paulo por uma agência de empregos no Chipre. Entre 2009 e 2017, em Nicosia, a capital do país, ela cuidou de idosos em um hospital público. Agora, sua ideia era ir para o Canadá, mas, segundo diz, levaram muito tempo para chamá-la. "A vaga no Brasil apareceu antes, eu vim", diz ela, que se comunica em um inglês básico.

Aiaisi mora em um quarto vizinho ao da senhora da qual toma conta, no segundo andar de um casarão de cerca de 1.000 m² no nobre Jardim América, zona oeste de São Paulo. Por coincidência, a senhora é filipina também — mas veio para o Brasil ainda muito jovem. O filho dela, patrão de Aiaisi, pagou para a agência que trouxe a doméstica uma taxa de R$ 7 mil, em duas vezes, mais a passagem. "A metade do fee (taxa) a gente pagou antes de ela chegar. O resto, depois de três dias."  Ela veio com um contrato de dois anos para ganhar R$ 2.200 mensais trabalhando 6 dias por semana.  Diz que, no Chipre, ganhava 400 euros (por volta de R$ 1.500) por mês. Antes de lá, ela passou uma temporada trabalhando com crianças especiais em um hospital de Riyadh, capital da Arábia Saudita.

E o que leva alguém que vive em um país com 14 milhões de desempregados a contratar uma filipina para ser doméstica? "A vantagem é que você tem alguém especial, que você escolhe, faz qualquer serviço, cozinha, cuida, limpa, e ainda fala um pouco de inglês", diz o patrão de Aiaisi, um empresário que prefere não se identificar.  Ele é filho da senhora de quem a filipina toma conta. Conta que conversou com Aiaisi por skype antes de ela vir. "Outra coisa: como ela não fala português, não fica ouvindo a nossa conversa. Sempre tive horror a isso. Na minha própria casa, tinha uma diarista duas vezes por semana que fazia o trabalho dela, e ia embora", diz ele, cuja filha empregou uma babá paraguaia.

Igreja e Shopping

Casada, mãe de um menino de 16 e uma menina de 14, ela conta que o pai deles cuida dos dois em Mindanao. "Eu o conheci em um hospital na minha cidade. Como ele não tem nenhum tipo de especialização, fica em casa cuidando das crianças. Eu mando o dinheiro", explica.  Em geral, as folgas de Aiaisi são aos sábados, quando há culto na igreja adventista do 7º dia, da qual é fiel. "Vou ao shopping também." Muito sorridente, ela acha estranho que haja domésticas filipinas no Brasil reclamando de maus tratos. "Vim com mais duas moças do Chipre, uma foi para Brasília, outra para uma cidade no interior de São Paulo. Não nos comunicamos mais, mas acho que eu saberia se houvesse alguma história de maus-tratos. Estou sempre em contato com filipinos pela internet", diz.

Ministério do Trabalho

A Superintendência Regional do Trabalho (SDRT) em São Paulo e o Ministério do Trabalho descobriram que há mulheres daquele país trabalhando em regime de escravidão no Brasil. Pelo menos três casos foram confirmados. Além do Chipre, as investigações tomaram conhecimento de agências de aliciamento de domésticas filipinas em Cingapura, Hong Kong, Dubai e Nepal. A intermediação entre essas empresas e os empregadores, no Brasil, teria se dado pelas agências Global Talent e SDI Serviços de Domésticas Internacionais.

A SDRT e o Ministério do Trabalho identificaram 130 empregadores nos papeis recolhidos nessas agências, e diz que vai chamá-los para prestar depoimento. O patrão de Aiaisi afirma que está tranquilo, já que "ela foi contratada legalmente". "Coitado do rapaz que trouxe essas mulheres. A mídia fez um estardalhaço, está todo mundo indo atrás dele", diz.

Mais do que o medo dos maus-tratos no Brasil, Aiaisi conta que muitas filipinas desistem de vir para cá "por causa da violência e do tráfico de drogas". "Eu nem pensei nisso. Sabia que ficaria dentro de casa a maior parte do tempo."

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.