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Paulo Sampaio

A barbárie no centro vai aumentar, diz dirigente de movimento popular

Paulo Sampaio

01/05/2018 19h28

Escombros do edifício Wilson Paes de Almeida, no Largo do Paissandu (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Um jornalista de uma emissora de TV do interior interrompe minha conversa com o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP), dizendo que precisa gravar com ele urgentemente: "Irmão, é rápido, só 10 segundos."

Adianto ao colega que dez segundos com Eduardo Suplicy rendem no máximo uma palavra.

A intervenção televisiva aconteceu a cerca de 200 metros do Edifício Wilson Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de SP, onde na madrugada de hoje um prédio desabou depois de passar por um incêndio. Até agora, segundo o Corpo de Bombeiros, houve uma vítima.

Reforço de manifesto

Segundo Eduardo Suplicy, "a tragédia só faz aumentar a importância do ato" (que sete centrais sindicais promoveram hoje em Curitiba, pelo Dia do Trabalho). Cerca de 2 mil pessoas estiveram na manifestação, segundo a Polícia Militar. De acordo com Suplicy, a ação da atual Prefeitura para resolver o problema dos moradores em situação de rua se resumiu a expulsar os que estavam debaixo dos viadutos, jogar água em seus cobertores e reprimir com batidas da Polícia Metropolitana": "Nos 15 meses da gestão de João Dória Jr, a população de desabrigados em São Paulo cresceu 35%, pelos dados da tabela Fipe."

O professor de geografia Decio Providello, 54, abraça o vereador e pede para tirar uma selfie com ele: "O senhor não quer se candidatar a presidente? Pelo amor de Deus! Não tem ninguém. Eu vou votar no Ciro." Providello diz que não é petista. "Voto no PDT."

O professor de geografia Decio Porvidello tira selfie com Suplicy e pede ao vereador que "pelo amor de Deus"  se candidate a presidente da República (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Em nome de Deus

Antes de conseguir entrar na área que a Polícia Militar isolou, sou barrado por uma funcionária da Prefeitura. Ela levanta o dedo e faz um movimento semicircular, informando que a entrada da imprensa é do outro lado da praça.

Argumento que há uma turma de evangélicos uniformizados circulando na área isolada, ela diz que são voluntários.

Atá.

Pergunto à representante comercial Roseli Araújo, uma das voluntárias, se a presença uniformizada de evangélicos em uma tragédia com ampla cobertura da mídia não leva os circunstantes a acusá-los de estar aproveitando para angariar fieis: "De vez em quando um louco grita isso na multidão, uma louca, mas a gente continua ajudando as pessoas em nome de Deus."

Turma de evangélicos voluntários em nome de Deus (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Cadê o Dória?

Por sua vez, fora do cercado, uma colaboradora de um movimento social, que prefere não ser identificada, dá orientações em voz alta aos doadores: "Atenção, gente, quem tiver alguma coisa para doar, entregue na igreja (Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, que fica no largo)! É ali que a gente está reunindo todas as doações. Não dêem para a Cruz Vermelha!! Eles trabalham para a Prefeitura e estão levando tudo para os albergues!"

A coordenadora de campo da Cruz Vermelha, Debora Levy, afirma que a organização está levando as roupas para um lugar que ela não pode divulgar (e que logo se sabe que é o Espaço Social Cisarte, no Viaduto Pedroso, Bela Vista), "para fazer a triagem". "A gente está separando por tipo de roupa, estado de conservação e de limpeza, para não entregar roupa que estava jogada no chão, junto com coisa de qualidade."

"Cadê o Dória!!?? Cadê o Alkimin!!?", gritam do lado de fora do cercado.

Pegar pesado

Procuro algum prédio ocupado nas redondezas, para saber dos moradores qual o impacto que a tragédia deve provocar na vida deles. "No que essa sua entrevista vai mudar a minha vida?", pergunta uma mulher trans que tem o rosto muito inchado, os olhos marejados e a maquiagem borrada. Está sentada no chão à frente da porta fechada de uma loja de esquina. Não diz mais nada.

Entro no prédio do ex-Columbia Palace, na Avenida São João, onde moram cerca de 50 famílias. À porta, o desempregado Mario Aparecido da Paixão, 53,  diz que era feirante mas sofreu um acidente e mostra um lado da cabeça afundado: "Com esse incêndio, a Prefeitura vai pegar mais pesado com a gente", acredita. "Com certeza, mas a gente está com tudo regularizado!", afirma o autônomo Fábio Santo Sé Lopes, 44. Ele mostra no saguão fotos do prédio "antes e depois" da ocupação. Lopes diz que está ali desde o início, em outubro de 2010, e que participou dos trabalhos de melhoria (que são visíveis).

Estratégia de Resistência

Uma jornalista "de esquerda" me informa que está havendo uma reunião de movimentos sociais no segundo andar: "Você que é todo arrumadinho deveria subir para ver como funciona", diz.

Todo arrumadinho? Um minuto depois de espargir seu ressentimento, a moça parecia arrependida. Mudou de tom e disse: "Sobe, você vai achar interessante."

Subo.

Lá, cerca de dez líderes de movimentos sociais debatem sobre estratégias para fortalecer o processo de resistência contra a tentativa da Prefeitura e do governo do Estado de criminalizar as ocupações.  Marcam para a próxima terça-feira uma reunião no mesmo lugar, seguida de uma caminhada até o Largo do Paissandu e uma vigília. A reunião vai servir para avaliar como estão indo os preparativos de uma mobilização no dia 14.

Reunião de líderes dos movimentos sociais para debater estratégias de resistência à ocupação (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Para a mobilização, a área de comunicação do movimento criou a hashtag #quemocupanãotemculpa."A região do centro é muito valorizada, o movimento (dos sem tento) disputa palmo a palmo esses espaços com os empreendedores imobiliários. Existem mais de 60 ocupações organizadas, além das não organizadas", diz o dirigente da Central de Movimentos Populares (CMP), Benedito Roberto Barbosa, que convocou a reunião. "Se o governo não instaurar uma política de habitação no centro, a barbárie vai aumentar. Vai explodir!"

 

 

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.