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Paulo Sampaio

Em manifestação pró-Bolsonaro, fala-se de "amor" e "fuzilamento de bandido"

Paulo Sampaio

22/10/2018 05h00

Em um concorrido trio-elétrico estacionado na esquina da rua Peixoto Gomide, a deputada estadual eleita Janaína Paschoal (PSL-SP) vocifera palavras de repúdio à ditadura, regime que ela associa ao governo do PT.  "A gente vai fazer do Brasil um país de amor, liberdade e democracia!" Eleita com dois milhões de votos, Paschoal deu apoio ao presidenciável Jair Bolsonaro, do PSL, em uma manifestação que reuniu ontem milhares de pessoas na avenida Paulista, região central de São Paulo. Foi muito ovacionada.

Momentos antes, no mesmo trio-elétrico, uma mulher que se apresentou como advogada gritava descontroladamente ao microfone: "O Bolsonaro vai colocar bandido no paredão e matar! Bolsonaro acima de nós, e Deus acima de tudo!!" A multidão a saudou com um: "Êêêêêê!" A mulher não parecia se preocupar com o teor agressivo das palavras que dizia. Aparentemente, ela se achava no direito de falar daquele jeito, já que havia sido assaltada por um grupo que invadiu sua casa.

Janaína Paschoal discursa a favor "do amor, da liberdade e da democracia", pouco depois de uma mulher gritar do trio-elétrico que "Bolsonaro vai colocar os bandidos no paredão e matar" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

UOL aqui não entra

O blog não conseguiu fazer uma foto melhor do discurso de Janaína Paschoal porque foi barrado pelo segurança encarregado de ficar no acesso ao trio-elétrico, David Ramos. "Repórter de onde? UOL? Não entra! UOL aqui não entra!", decidiu Ramos. Ali ao lado, uma mulher disse: "Fora PT, sai, sai!", no que foi acompanhada por alguns circunstantes.

No próximo domingo, Jair Bolsonaro disputa o segundo turno da eleição presidencial com Fernando Haddad, do PT. Em uma pesquisa do instituto MDA encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e publicada hoje pelo UOL, Bolsonaro tem 57% das intenções de votos, e Haddad, 43%.  O cálculo leva em consideração apenas os votos válidos. Exclui os entrevistados que disseram votar em branco, nulo, ou se declararam indecisos.

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Segurança David Ramos: "UOL aqui não entra!" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Facada boa

Se o "amor" citado por Paschoal nem sempre era verificável durante a manifestação, o mesmo não se podia dizer em relação à "liberdade". Ela deu o tom do evento. Muito alegres, os manifestantes expunham livremente seu pensamento: "Aquela facada serviu para dar uma baixada de bola no Bolsonaro. Ali, ele viu que era um ser humano como todos nós", acredita a desempregada Roseli Ceola, 50 anos, que sorri embaixo de um guarda-sol multicolorido. Ela foi à manifestação com o companheiro, o artista plástico Renato Limongi, 55.

Em relação às "besteiras que o Bolsonaro falou no passado", ela diz que as releva: "Quem já não fez piada de preto? Quem já não disse que preto é que nem asfalto, todo mundo passa por cima!? O brasileiro é preconceituoso, gente, não adianta!"

Roseli Ceola, com o companheiro, Renato Limongi: "Quem já não contou piada de preto? Quem já não disse que preto é que nem asfalto, todo mundo passa por cima?" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Ditadura sem medo

Por sua vez, Limongi conta que cresceu "até os 22 anos" na ditadura e que "nunca faltou nada". "Meu avô tinha casa, carro, meu pai também, e eu saía na rua de madrugada, sozinho, sem medo."  Ele reconhece que "foi ruim, sim, mas só para quem era contra o governo". Segundo Limongi, a  qualidade mais louvável de Bolsonaro é dizer "eu não sei", quando desconhece o assunto. "Ele não é um presidente clichê, entende?"

Em outra roda de manifestantes, a técnica judiciária aposentada Edilma Cunha, 74, define sua faxineira como "uma pessoa simples, que foi manipulada". "Vai votar no Bolsonaro porque o pessoal da igreja disse para ela que era o melhor." Edilma admite que, se não fosse o pessoal da igreja, ela mesma teria "manipulado" a faxineira. "Claro! Estou cansada de viver em uma ditadura comunista! Basta!" Alguém que tivesse o mínimo de conhecimento sobre um regime comunista poderia rir. Mas não tinha graça. Era sério.

Matar e morrer

Em relação às famigeradas "fake news" (notícias falsas) que os cabos eleitorais de Bolsonaro teriam divulgado nas redes sociais, Edilma afirma que "quem mente é o PT". "Eles estão fazendo uma lavagem cerebral no povo!", acredita.  Ela está com a professora aposentada Neuza Mendes, 74, outra entusiasta do "fuzilamento da bandidagem no paredão".

Ali perto, o senador do PSL eleito por São Paulo major Olímpio se ocupa de uma pequena multidão de fãs: "Quem dá tiro pra matar, tem de tomar pra morrer! Comigo, vai acabar esse mimimi de vagabundo", afirma ele, entre um selfie com eleitores e outro. "Sempre fui defensor da pena de morte, mas a Constituição veda em uma cláusula pétrea", lamenta.

A técnica judiciária aposentada Edilma Cunha se diz cansada de viver em uma ditadura comunista; ao fundo, sua amiga, a professora aposentada Neuza Mendes, que é a favor de "fuzilamento dos bandidos no paredão"  (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Ex-marido viado

Mais adiante, uma psicóloga de 60 anos diz que concorda "com os valores dele (Bolsonaro)". "Sou contra o aborto, a favor da família e da repressão da violência com a força." Quando a reportagem pergunta a respeito da declaração da primeira mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Valle, que disse ter sido ameaçada de morte por ele, a psicóloga responde: "Nunca se sabe o que acontece entre marido e mulher. Eu mesma chamaria um ex-marido de viado!" Diante da indignação do blogueiro, ela pede para excluí-la da reportagem, alegando que "a entrevista está mais para debate".

Paramentado com uma cartolina onde se lê "Caixa 2", "para tirar um sarro do PT", o analista de sistemas Vitor Reis, 57, diz que a princípio vota em Bolsonaro "contra o Haddad": "Existe um lado claríssimo, que é o PT, e um totalmente escuro, que é o Bolsonaro. Eu quero tentar o novo (o lado totalmente escuro). A gente tem de partir de algum ponto, certo?"A mulher de Reis, Valdecy, 47, parece mais segura: "Eu pesquisei a fundo. Se postam um vídeo do Bolsonaro, eu assisto até o fim."

Yo soy venezolano

No palanque do Movimento Brasil Livre (MBL), dois venezuelanos são chamados para falar mal de seu país: "Ellos (o governo) matan los estudiantes, los assassinan! Yo soy venezolano! No permitan que lo comunismo tome cuenta de Brasil! Fora Maduro! Fora Maduro! Viva Bolsonaro!", dizem os dois, acompanhados por um coro de manifestantes. Ao fundo, há uma bandeira do Brasil, outra de Israel.

Por que a de Israel? Parece gratuito. O coordenador do MBL Wesley Vieira, 24 anos, explica: "Israel é o único país democrático do Oriente Médio. Lá, você tem liberdade religiosa e a maior parada gay do mundo! Ou uma das maiores!" Vieira acrescenta que "eles são perseguidos por vizinhos que não gostam da democracia".

No trio do Movimento Brasil Livre, venezuelano grita "fora Maduro e viva Bolsonaro"! (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Chama um negro!

Aparentemente, o trio-elétrico em que está Janaína Paschoal, e onde se espera a presença da deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL), é o mais festejado da manifestação. Do asfalto, ouve-se um dos manifestantes falar ao microfone sobre minorias. Depois de um discurso em que afirma que as declarações misóginas, sexistas, racistas e homofóbicas de Bolsonaro são "fake news", ele diz: "Olha aqui, gente, mais um homossexual!", trazendo uma pessoa para a frente do trio. E continua: "Quero agora chamar um negro! Chama um negro! Tem um negro aí? Vem cá! Pronto, um negro!"

Alguém anuncia que "a Joice já pousou em São Paulo". O povo grita: "Uhu!!". Joice Hasselmann sempre aparece com notícias fresquinhas. Ninguém duvida da veracidade de suas declarações, já que ela costuma autenticá-las com frases como: "Trabalhei nos maiores veículos de comunicação do país, sei como funciona."

Janaína Paschoal diz que Bolsonaro vai ganhar as eleições "não por causa das fake news, mas das true news (notícias verdadeiras)". Isso pode ser difícil, se continuarem barrando o acesso da imprensa em manifestações.

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.