De Duque de Caxias para a Sorbonne, estudante negro diz como 'virou o jogo'
O caminho percorrido pelo estudante Elian Almeida entre Duque de Caxias, na temerosa Baixada Fluminense, e a Université de Paris-Sorbonne, uma das instituições de ensino mais prestigiadas do mundo, foi bem maior que os 9 mil quilômetros que separam o Brasil e a França. É preciso contabilizar a distância imposta pelo preconceito social, racial e geográfico que ele teve de enfrentar até o embarque para a Europa.
Quinto e último filho de uma família de renda modesta, Elian, 25 anos, conta que sua mãe é uma dona de casa que no passado trabalhou como empregada doméstica, e seu pai um crente que tem a vida profissional "atrelada a questões religiosas". Explica que seu nome tem origem hebraica e significa "pertence a Deus".
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Líder em homicídios
Em Duque de Caxias, Elian foi criado no bairro do Corte Oito, onde cursou o ensino fundamental na rede pública. A Baixada Fluminense é tida como a região mais violenta do Rio. De acordo com dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), em agosto liderou o ranking de homicídios no estado, com 30 % (ou 97 casos). Os números de Caxias representam 22% desse total.
Foi ali que Elian entendeu, desde cedo, que só conseguiria conquistar sua independência através dos estudos. Diante do boletim repleto de notas altas, seus irmãos se cotizaram para bancar para ele uma escola particular. "Eles estudaram o tempo todo na pública, porque na época minha mãe era doméstica e não podia pagar. Então, o esforço da família não era só um sinal de confiança em mim; eu me vi diante de uma grande responsabilidade", conta ele.
Fenômeno educacional
Concluído o ensino médio, em 2015 ele passou no vestibular para o curso de artes visuais na conceituada Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Por um desses contra-sensos do sistema educacional brasileiro, a grande maioria dos aprovados no exame para faculdades públicas, bancadas pelo governo, pertence a uma elite que pode pagar os estudos em escolas particulares.
Isso porque a grande maioria das escolas particulares são mais bem avaliadas que as públicas. Então, paradoxalmente, quem cursou o ensino fundamental em uma escola municipal ou estadual estaria menos preparado para entrar em uma universidade pública. Entrando na privada, precisaria desembolsar um dinheiro que nunca teve para frequentar uma escola paga.
"Ser um estudante negro em uma das melhores universidades do país é um ato político", diz Elian. Ele não pensa em sua formação apenas como um diploma, mas como "uma experiência que trará retorno para negros, pobres e moradores de periferia que nunca tiveram acesso a um estudo de qualidade".
Elite sucateada
Eis que, por outro contra-senso do sistema educacional brasileiro, em 2016 a UERJ ("uma das melhores universidades do país") estava sendo sucateada graças à crise financeira pela qual passava o estado, depois da gestão fraudulenta do ex-governador Sérgio Cabral — preso naquele ano por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Em agosto, Cabral foi condenado pela 10a. vez, e agora acumula uma pena de mais de 200 anos de prisão. Seu sucessor, Luiz Fernando Pezão, apoiado por ele, também está na cadeia.
Pioneira em programas de ação afirmativa, a UERJ deixou de pagar bolsas em março de 2016. Professores e servidores técnico-administrativos passaram a receber salários atrasados, isso quando recebiam. O bandejão da faculdade, que era usado principalmente por alunos mais pobres, foi fechado. As aulas que se davam em 2017 eram referentes ao segundo semestre de 2016.
Aula com refugiado
Mas Elian já era sobrevivente bem antes de entrar para a faculdade, e logo viu que, mesmo cursando uma universidade renomada no Rio, não alcançaria ali o que imaginou para o futuro. Foi então que se candidatou a um intercâmbio que integra um acordo de mobilidade entre universidades brasileiras e estrangeiras. Seu interesse era Paris. Mas faltava falar francês.
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