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Paulo Sampaio

Campeonato gay de queimada completa primeiro aniversário no Largo da Batata

Paulo Sampaio

02/04/2017 11h33

O advogado sergipano Igor Dantas Melo, 27, autoproclamado "maravilhoso na queimada", conta que na pré-adolescência foi campeão nos Jogos das Escolas Particulares de Sergipe.

"Checa isso!", sugere alguém por perto, com uma piscada malévola. O objetivo do jogo é acertar a bola no adversário. O time que queimar mais gente ganha.

Ontem se comemorou o primeiro aniversário da Gaymada paulista, campeonato informal que um grupo da comunidade LGBT promove todos os meses no Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A ideia surgiu quando um dos organizadores participou em 2015 da modalidade mineira. "Na volta de Belo Horizonte, resolvi promover a Gaymada aqui. Convoquei as pessoas pelo Facebook, a gente inscreveu o evento no coletivo 'A Batata Precisa de Você' e fomos muito bem recebidos na região. O pessoal do (boteco) Sabor Brasil (que fica em frente) emprestou umas cadeiras, a gente compra cerveja deles, ficamos super-parceiros", conta o jornalista Lucas Galdino, 22.

O terapeuta Eduardo Barros (com a camiseta "Fora Temer"), 27, que é praticante da queimada desde a "época dos bullyings", diz que agora se sente um jogador mais empoderado (Foto: Débora Klempous/UOL)

É o Tchan!

O jogo é disputado em uma quadra delimitada no chão da praça com riscas de giz. "A gente conta 77 quadradinhos no comprimento, e 12 quadradinhos na largura", explica Galdino, apontando para as lajotas que revestem o piso. A bola, semi-cheia, é pequena e amarela.  "Joga viado!", grita um participante na quadra, e em seguida desvia do lance com um passo de axé. As caixas de som emitem "Carrinho de Mão", do grupo Terra Samba. Tocam também Rihanna, É o Tchan, Lady Gaga. Para dar uma dimensão da importância do evento, o editor de fotografia Victor Pereira, 29, comenta que em uma das edições se gravou o clipe do cantor transexual Shanawaara Hara de Figueiredo.

Lucas Galdino e a "Dança da Cordinha"  (Foto: Débora Klempous/UOL)

Todas as Idades

Os organizadores informam que há participantes de todas as idades, mas quem tem mais de 50 percebe que eles se referem a todas as idades abaixo de 30. O universitário Denis Lima, 20, apoia a unha grande e vermelha do dedo indicador no lábio inferior, enquanto pensa desde quando frequenta a Gaymada. O gesto soa exagerado, já que a resposta é simples: desde o primeiro jogo. "Hoje eu estou falando muito com as mãos", reconhece ele, que posou para foto segurando a bola.

Denis Lima reconhece que está "falando muito com as mãos"no dia do jogo  (Foto: Débora Klempous/UOL)

Brincadeira Linguística

No teto da barraca instalada em frente a quadra, há uma caixa que solta bolhas de sabão; o juiz coordena a partida ali em frente, com um mini megafone cor de rosa. Se por um lado o encontro celebra a diversidade, por outro, explica Galdino, o próprio nome acabou "dando uma afastada" nas lésbicas: "A palavra 'gay' na brincadeira linguística (do nome do evento) costuma ser usada para se referir aos homens", explica.

Para reparar a "gafe", criaram um anexo da Gaymada chamado PPKa Foot (lê-se Pepeca Foot), uma partida de futebol disputada pelas meninas em uma quadra contígua. "Resolvemos compensar a falta de representatividade feminina", diz a assistente de direção Leka Peres, 30. "Hoje não teve jogo, por falta de quórum."

Jogo de Viado

Começa então um rápido debate sobre a relação entre o estereótipo de comportamento masculino e feminino, e a preferência esportiva: "Pra mim, jogos que se disputam com o pé, tipo futebol, são de homem; com a mão, como vôlei, de mulher ou viado. No meu time de queimada só tinha gay", lembra o campeão sergipano Igor Dantas Melo. Leka concorda em termos: "Eu sempre gostei de futebol. Mas tá cheio de sapatão jogando vôlei."

No fim, o publicitário Bruno Kawagoe, 24, um dos principais responsáveis pela sobrevivência da Gaymada, fala da satisfação de comemorar um ano: "Eu acho fantástico a gente estar ocupando o espaço público durante o sábado. Antes, a galera LGBT ficava ostracisada dentro da balada!"

Brigadeiros confeitados, vara (vela) e o parabéns na versão de Xuxa.

Lucas (abaixado, com o prato na mão); Bruno (com o braço direito levantado) e Leka (à direita, com outro prato) na hora do parabéns (Foto: Débora Klempous/UOL)

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.