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Paulo Sampaio

Na SP-Arte, artista fala da relação nebulosa entre comprador, intermediário e galerista

Paulo Sampaio

09/04/2017 04h00

Quando se pergunta a Denise Gadelha, 36, qual é sua profissão, ela responde "artista-plástica, professora, curadora e pesquisadora". Nessa ordem. Não gosta de incluir "adviser" (especialista que auxilia o comprador de obras de arte, ou por falta de informação dele, ou por falta de tempo, ou ainda para filtrar o que interessa, depois de um briefing).  Denise acredita que a relação do itermediário com as galerias e os colecionadores (compradores) é nebulosa. "Nos Estados Unidos e na Europa, o adviser recebe uma comissão do comprador da obra, nunca do galerista, como aqui. No Brasil, as galerias acenam com um repasse, para atrair o intermediário, e, muitas vezes, depois dizem que já deram desconto."

Gadelha foi contratada pelo Shopping Iguatemi para guiar clientes VIP das lojas em visitas pela SP Arte (Feira Internacional de Arte de São Paulo), evento que reúne até domingo na Bienal do Ibirapuera mais de 120 galerias e obras de cerca de 2 mil artistas. Ela conversou com o blog depois de liderar um grupo de reluzentes compradoras da loja da grife italiana Versace. Uma delas, a médica Luciana Dias, estava inteiramente vestida com roupas e acessórios da marca: "A Versace nos trouxe, pagou almoço, deu pipoca, sorvete (Bacio di Latte), eu retribuí me vestindo com a roupa deles." Só pela bolsa, que "é de phyton" (pele de cobra), ela diz que pagou R$ 30 mil. Prefere bolsas ou quadros? "Os dois (gargalhada)", diz a médica, nascida em Ituverava, cidade a 400 quilômetros de São Paulo. Terminado tour, Denise Gadelha falou sobre sua experiência no mercado das artes.

Denise Gadelha (na ponta, à esquerda), Luciana Dias (ao lado dela) mais duas convidadas da grife Versace e duas vendedoras da loja (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

 

Blog: Por que você não gosta de ser chamada de adviser?

Denise: Porque para um artista é complicado, pode queimar o filme. A gente é humano, temos nossas preferências. Mas as pessoas nesse mercado são hipócritas, fingem que não.

Blog: Como guia* em uma feira dessas, você influencia as pessoas do grupo?

Denise: Não. Mas sei que muita gente fecha compra de obra depois da visita guiada. Teve uma mulher que gravou um áudio do tour, depois me ligou porque não conseguia entender o nome do artista. Não sabia pronunciar. Disse uns quatro, até que eu entendi quem era e falei pra ela.

Blog: Você pede comissão?

Denise: Depende muito da minha relação com a pessoa. A reputação nesse mercado é tudo. Às vezes, 12 visitas guiadas não rendem o valor da comissão de uma obra. Mas eu não vou colocar minha reputação em risco por causa disso.

Blog: Quem deve pagar a comissão?

Denise: As  relações nesse meio não são claras. Muitas vezes a galeria se oferece para pagar comissão, quando esse papel é do colecionador (comprador). E o pior é que, depois, muitas vezes a galeria diz que a comissão estava embutida no desconto, e não paga nada. Eu sou artista, engulo o calote. Porque mais tarde, quando eu levar o meu portfólio para aquele galerista, quero que ele me atenda. Meu interesse é viver da minha obra.

Blog: Em que situação o galerista paga comissão?

Denise: É comum o adviser orientar amigos, sem cobrar nada. Sabendo disso, o galerista acena para o adviser com uma comissão, para ele levar o amigo para comprar lá. O jogo não é limpo.

Blog: Na hora da venda, a galeria prioriza colecionadores que agreguem valor à obra…

Denise: A galeria tem um branding, uma imagem que ela construiu da qual não vai abrir mão por causa de uma venda.  Ela cuida da imagem do artista também. Eu, por exemplo, vou expor na Pinacoteca agora. Se aparecer uma socialite muito famosa que não saiba reconhecer o valor da minha obra, ou que não vá cuidar dela direito, não vou vender. Não quero uma obra que será exposta na Pinacoteca no meio de uma muvuca. Vendo pela metade do preço para um museu, ou para um colecionador importante, mas não para um comprador que não entende o significado da obra.

Blog: E o que o galerista diz para o potencial comprador numa hora dessas?

Denise: Primeiro, ele entrevista a pessoa, descobre quem é. Se ela não tiver o perfil que se espera, ele segura a obra. Diz que está reservada. Mas não é assim, explícito, claro.

Blog: O Brasil não é exatamente um país cuja elite conheça tanto arte. Deve haver muita gente rica disposta a encher a parede de nomes importantes. Não dá pra desprezar. Investidores, decoradores, emergentes. Se você começa a selecionar muito, não perde oportunidades?

Denise: Depende. Tem artista que produz pouco, então há fila de espera para adquirir uma obra dele. Outros não se importam em ser comerciais. E tem os museus, que são a melhor vitrine para um trabalho.

* A SP-Arte oferece visitas guiadas por nove roteiros, mas há também profissionais que as fazem por conta própria: a carioca Daniele Seve Duvivier, 39, conhecida como a herdeira da "primeira galeria de arte do Brasil", a Ipanema, no Rio, conduz um grupo de alunas em que se inclui a empresária Rosângela Lyra, ex-diretora da Dior no Brasil e ex-militante pelo impeachment de Dilma Roussef. Ao contrário de Denise, Daniela Duvivier afirma que em 95% dos casos quem paga a comissão é a galeria. Ela dá aulas de arte para grupos de 45 alunas. Uma terceira entrevistada, a consultora Cristina Candeloro, 39, afirma que o "padrão internacional de comissão" são 10% do valor fechado da obra acertados com o comprador, não o galerista.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.