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Paulo Sampaio

Tigrão de 60 anos conta como faz para deixar a gatinha de 40 sem rumo

Paulo Sampaio

13/04/2017 00h48

(Ilustração: Caio Borges/UOL)

Se outrora a testosterona bombava, agora foi preciso resignar-se ao coquetel Finasterida + Viagra +Botox. Mas o tigrão não se abate. Playboy de 60 anos, ex-conquistador serial, nosso personagem sabe que o importante é manter a performance para encarar a gatinha de 40, seu principal alvo. O corpo já não tem o mesmo tônus, e no entanto ele ainda cultiva o visual do motoqueiro selvagem. Jaquetão de couro com a língua dos Rolling Stones bordada; jeans desbotados, camiseta branca e botina de couro com o bico arredondado.  Seu maior orgulho é o passado de bad boy. "É que hoje eu estou fora de forma. Mas já aprontei muito nesta vida", diz o empresário Marcos*, 62 anos (as identidades dos tigrões serão preservadas). No lado direito do rosto, ele tem uma cicatriz que vai da costeleta ao canto da boca, recordação de uma "capotagem de jipe no litoral". Tomou 64 pontos. "Foi no mesmo dia em que o Fleury [Sérgio Paranhos, delegado que atuou no Dops na época da repressão] morreu", lembra Marcos, para situar a efeméride. O empresário diz que "a mulherada curte adoidado essa cicatriz".

Kawasaki 1500

Ao abordar as gatas, a principal ferramenta do tigrão  – especialmente agora que a testosterona anda minguada – é a moto: "Vrum, Vrum", ele acelera ruidosamente, num arroubo de virilidade. "Até mil cilindradas, 30% da cantada está garantida. Acima disso, você tem 90% de chance de levar a moça", acredita o engenheiro Oswaldo, "meia zero" (60 anos), divorciado, três filhos e uma namorada 19 anos mais nova. Dono de uma reluzente Kawasaki 1.500, Oswaldo está 500 cilindradas acima dos 90%. Usa um óculos tipo "Homem Aranha", colete de couro, jeans e bota. O empresário Ronaldo E., "meia um", tem 200 cilindradas a menos de chances na paquera: sua moto é uma Royal Star 1.300.

Os dois frequentam um circuito de bares da Vila Olímpia, região na zona sul de São Paulo, que vira reduto de tigrões nas tardes de sábado e domingo, quando a dupla dá vazão ao seu lado "velozes e furiosos". "A gente é jovem no estado de espírito. A turma se reúne aqui no sabadão para fazer bagunça com os amigos, desestressar, e rola uma azaração também", diz o corretor Cavalcante, 64, o Cavalka, que usa cavanhaque, rayban preto, jaquetão de couro com o adesivo de seu motoclube e calça jeans muito justa.

Tufo desconectado

A novidade na espécie panthera tigris é que muitos deles agora desprezam a lendária Harley Davidson. De acordo com o dentista H. Macedo, 67, que ocupa uma mesa de semelhantes na Mercearia São Roque, no Jardim Europa, zona oeste de São Paulo, a moto deixou de ser referência de status para o garotão de 60.   "Você só vê mulher feia em garupa de Harley. E aquilo [a moto] faz tanto barulho, treme tanto, que se o cara tiver um pivô [dente postiço] vai cair quando ele acelerar."

Antes da resolução 203 do Detran, que em 2006 disciplinou a obrigatoriedade do uso do capacete, o tigrão pilotava a moto com a cabeça ao vento, revelando à luz do dia a árdua batalha da finasterida contra os avanços da calvície. Macedo afirma que toma o medicamento, embora o tufo meio desconectado que ele ostenta na testa tenha mais a aparência de um implante capilar.

Farrah Fawcett

A maior parte das peguetes do tigrão é composta de mulheres de mais de 40, a quem ele se refere como "inteironas". O industrial Alfredo F., 62, mostra na tela do celular uma senhora com a pele do rosto muito lisa, olhos bem abertos e lábios aumentados. Ela garantiu a ele que tem 40. "Olha que gracinha, um amigo me apresentou. Fiquei com ela ontem. Quarentinha. Deixa qualquer uma de 30 no chinelo. Perdeu o rumo de casa comigo." O perfil de gata que agrada Reinaldo e sua turma tem o corpo tipo violão, usa roupa muito justa e mantém o corte de cabelo "em camadas", como o de Farrah Fawcett em "As Panteras". Quando o tigrão está de bola murcha, busca o estímulo de uma jovem de 30. Tanto a mocinha quanto a inteirona enxergam no sessentão um "grisalho charmoso".

"Meu tipo é o George Clooney", diz a advogada Renata B., 45, uma das três inteironas que ocupam uma mesa na calçada do Jacaré Grill, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, outro reduto de tigrões. No momento, não há nenhum exemplar próximo de um Clooney no local. As três comem uma picanha com farofa e palmito assado na casca de banana. O padrão de exigência é alto. "Essa coisa de catraca bamba não é comigo", diz a engenheira química Luciana S., 46. "Deus é pai! Velho de 60, nem com muito Steinhäger", afirma a gerente de marketing Jessica K., 44.

Amigas de lençol

A duas mesas delas, Newton S., 63, que vive "de renda", afirma que tem muitas amigas com mais de 50, mas "não são de lençol". "Minha faixa é de 38 a 45. Hoje em dia, não quero compromisso, nem busco o sexo imediato, curto a conquista. Faço tudo o que a experiência me deu e tchau ", diz. Entre outras lições que a experiência forneceu a Newton está "não correr risco desnecessário". "Se for uma emergência, e eu precisar de um Cialis [concorrente do Viagra, medicamento para disfunção erétil], tomo. Não tenho problema com isso. Agora: se eu sinto que vou broxar, caio fora."

Além do Jacaré e do Mercearia, os tigres caçam também no Charles Edward e no Piove, ambos no Itaim, e no Limelight e no The History, que tocam música dos anos 1970 e 1980, na Vila Olímpia, zona sul. "No Mercearia o nível é mais alto, tem rico de verdade… No Jacaré tem as 'jacaretes'. Elas são gente boa, mas tudo sucata, desmanche. No Charles Edward dá muita puta…", definem os tigrões sentados no "Merça".

300 de Colesterol

O arsenal de galanteria do tigrão inclui tratar os garçons pelo nome e fazer piadinhas, para mostrar intimidade com o ambiente. As moças riem. O garotão de 60 pede porções para "beliscar", um drinque para si e caipirinha para as moças. "Eu quero de kiwi com saquê", diz a administradora de empresas Maria Lúcia, 45, enquanto pendura a bolsa de matelassê no encosto da cadeira. Na cabeceira, o pecuarista Galvão B, 65, espeta duas batatas fritas com um palito, sem dar importância à sua taxa de colesterol LDL, que bate nos 300.

Assumidamente botocado ("minha dermatologista insistiu tanto que eu deixei colocar essa porra"), ele conta como opera em suas conquistas. Primeiro, num dos bares supracitados, ele escolhe a "vítima", oferece um drinque e joga a mesma conversa que vem dando certo há mais de 30 anos. Seu talento para liderar, a paixão pelos esportes radicais,  as frequentes "escapadas" para a fazenda. Ela quer dançar.  Ele a leva para o The History. Na pista, bate palma ao som de "I'll Survive".

Guitarra invisível

Cauteloso nos drinques ("melhor não dar sorte para o azar"), o tigrão bebe bem menos que a moça. A tantas horas, ela apoia a testa no peito peludo dele (que mantém a camisa aberta até o terceiro botão) e diz, rindo, que está meio "altinha".  É hora de rebocá-la para a cobertura duplex, que os amigos dos velhos tempos chamam de "abatedouro".  Sobe com ela para o andar de cima, a acomoda no sofá revestido de veludo preto e dá um copo de gim com gelo para ela. Serve-se de água tônica. Vai até a estante em que mantém a coleção de CDs. Coloca um blues. B.B. King. The Thrill's Gone. Pisca pra gata. Senta, ela deita no colo dele. "Presta atenção, ouve isso", diz ele, apontando para a caixa de som, com os olhos fechados. Dedilha uma guitarra invisível. Conta que assistiu a um show de BB King na França em 1989 e  pagou "o equivalente hoje a 700 euros, mas valeu cada centavo". Ela ri, molenga, sem prestar atenção. Levanta meio zonza, joga o cabelo em camadas para trás. Ele vai atrás. A abraça, suspende seu braço e a faz girar. Ela dá uma resvalada, gargalha, ele a ampara. Segura sua cabeça pela nuca e aplica nela um beijo de cinema. Tira a bota. Joga a jaqueta de couro no sofá. Desabotoa o vestido dela. Aí, é só mostrar toda a experiência. O Viagra gritando, ninguém segura o tigrão.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.