"Ele cantava todas e tinha bafo", diz ex-ajudante de palco sobre Silvio Santos
"Ele cantava todas, não escapava uma", diz a atriz Neide Ribeiro, 68, que nos anos 1970 foi ajudante de palco de Silvio Santos. Na época, as moças que trabalhavam no programa eram chamadas de "silvetes". Neide conta que, quando estava nos bastidores, Silvio costumava desligar o microfone fixado em seu tórax e, muito sorridente, propor "as coisas mais indecentes". "Um dia, eu disse: 'Silvio, se você me der uma cobertura nos Jardins, eu vou pra cama com você'. Eu sabia que ele era miserável, não me daria coisa nenhuma."
De qualquer maneira, Neide afirma que SS nunca fez o seu tipo. "Deus me livre! O homem tinha um bafo… Sabe aquele cheiro azedo de cabo de guarda-chuva? Ele vinha falando, eu ia de ré." Mas até hoje ela acha graça da contraproposta dele: "O Silvio dizia: 'Neide, eu não te dou uma cobertura, mas posso te dar um cobertor'." A atriz conta que havia quem acreditasse nas intenções do apresentador: "Tinha silvete que achava que poderia substituir a mulher dele na época, a Cidinha, que bebia, quando ela morresse. Bobinhas." Procurada, a assessoria de Silvio Santos diz que "ele não concede entrevistas nem dá depoimentos".
Capas de revistas e calendários
Além de trabalhar como silvete, Neide Ribeiro participou de mais de 20 pornochanchadas, foi capa de todas as revistas masculinas da época e posou anos seguidos para calendários de borracharia. Pornochanchada era aquele gênero de cinema feito no Brasil nos anos 1970, começo dos 1980, que juntava galãs escalados na rua, mulheres boazudas sem roupa e roteiros improváveis.
Neide conta que situações como a vivida pela figurinista Susllem Tonani, que acusou o ator José Mayer de assédio, "sempre aconteceram"."Quero ver uma mulher que foi bonita e fazia televisão dizer que nunca propuseram a ela um papel em troca de sexo."
"Vai pagar? É um milhão!"
No caso de Silvio Santos, Neide dá risada. Mas há outros eventos que não lhe trazem boas recordações. Sua expressão torna-se subitamente sombria quando ela se refere a um episódio com o diretor Carlos Alberto de Nóbrega, do lendário programa "A Praça é Nossa", na época exibido pela Bandeirantes (agora, pelo SBT).
Segundo ela, Nóbrega chamou um grupo de atores da "Praça" para fazer uma apresentação em uma palestra corporativa no interior. "Depois da apresentação, que foi em um fim de semana, ele passou a noite ligando para o meu quarto no hotel. Até que, uma hora, bateu à minha porta. Eu abri, disse que não gostava dele, não ia transar com ele, mas se ele quisesse pagar nem me lembro a quantia, chutei muito alto para não correr o risco de ele aceitar, eu o deixava entrar no meu quarto. Falei gritando, malcriada. Ele olhou para a minha cara sem acreditar e foi embora." Na segunda-feira, conta Neide, ela recebeu um telegrama da TV a dispensando. "Dizia algo como: 'Agradecemos a sua colaboração, mas estamos em contenção de despesas."'
A assessoria de Nóbrega informou que "ele não vai falar sobre isso". Achou um absurdo, negou a história e disse que sempre respeitou muito Neide.
A atriz nunca se recuperou da suposta afronta: "O pior é que todo mundo fala dele como se fosse um amor de criatura. Aquilo é um velho babão desgraçado. Passou aquela 'A Praça é Nossa' toda na cara. E ainda oferecia para o filho. As coitadinhas ficavam com medo de perder o emprego." Neide diz que jamais denunciaria o assédio na época, porque a "culpada" seria ela. "Iam dizer que eu era oferecida, que eu é que não valia nada, que eu tinha me jogado no colo dele.."
Segundo andar do beliche
Nascida em São Paulo, Neide Ribeiro passou a infância em Taubaté, no interior paulista, e fugiu de casa aos 17 anos porque se sentia aprisionada pela família: "Tinha de sair pela janela para ir a festas. E eu adorava festas. Apanhei muito por isso." Quando a faculdade de medicina chegou à cidade, o sonho da mãe de Neide era que ela se casasse com um professor. "Eu não queria nada com aqueles babacas!" Um dia, ainda menor de idade, pegou carona no caminhão de leite do irmão de uma amiga e mudou-se para a capital.
A partir de então, fez tudo por dinheiro, "menos me prostituir". "Eu nem conseguiria transar obrigada. Jamais. Quando era assediada, sempre colocava o preço lá em cima." Em princípio, morou no segundo andar de um beliche em uma pensão na Rua do Carmo, centro da cidade. Arrumou um emprego em frente à pensão, como secretária. "Na época, eu era uma boboca recém-chegada do interior. Desconfio até que tinha uma sapatona no quarto. E uma garota de programa. Eu acho que cada um faz o que quer, mas isso tudo não existia pra mim, entende? Eu nem cogitava."
Posando de estátua na feira hippie
Neide foi parar na pornochanchada e em quase tudo que expôs indiscriminadamente seu rosto e seu corpo, seguindo o rastro do dinheiro. "Eu era mercenária mesmo. Contava moeda", lembra. Começou a carreira de modelo posando de estátua na feira hippie da Praça da República, no centro de São Paulo. Na época, confeccionava com a filha da dona da pensão, Katia, uns coletes de couro que vendia na barraca do namorado dela. "Eu fui a primeira a ficar parada no meio da rua, fazendo pose. Colocava um chapelão de couro, o colete e congelava. O povo parava para fazer foto, mas um dia eu disse: 'Se não comprar colete, não faço foto'."
Até que recebeu o cartão de um homem que a chamou para fazer fotos para um comercial na revista da Fenit, a feira da indústria têxtil. Ela foi para o "estúdio" ("era uma salinha mequetrefe no centro") com o irmão de Katia, usado para defendê-la em caso de golpe. Disseram lá que o dono do lugar era sócio do empresário Beto Carreiro. "E eu: 'Sei lá quem é Beto Carreiro'." Ela fez as fotos vestindo camisolas longas, transparentes. "Eu não sabia o que fazer com as mãos, com a boca. Mas estava tudo ótimo. Recebi o equivalente a três meses do meu salário como secretária."
Valisère e "West Side Story"
A partir daí, começaram os convites. Posou, entre outras, para a revista de lançamento da coleção da Valisère, cuja publicidade, hoje, rende milhares de reais a estrelas. Neide progredia, mas ainda não pensava em deixar o emprego de secretária. "Enquanto eu não tivesse certeza de que aquilo não era passageiro, não deixaria nem o emprego, nem a pensão." Seu sonho era, realmente, comprar a cobertura nos Jardins.
Mais uma vez por sugestão de Katia, fez um curso gratuito de teatro no Sesc da Rua do Carmo. "Eles estavam ensaiando 'West Side Story', eu entrei lá no meio, mesmo sem saber do que se tratava. Eu não sabia nadaaa!", lembra ela, gargalhando, com a voz rouca em consequência dos dois maços de cigarros que fuma por dia.
Calendário pelada: "Agora é cult"
A ideia seguinte de Katia foi propor que elas se matriculassem em um curso de "manequim", como as modelos eram chamadas na época. Também no Sesc, também gratuito. "Achei muito engraçado porque a professora, dona Rosinha, era baixinha, toda troncha, mas quando subia na passarela virava outra."
Ela acredita que o curso foi um dos mais importantes passos em sua carreira de dinheirista. Ao fim, algumas alunas eram selecionadas para desfilar as coleções da Cori, uma grife de roupas femininas que existe até hoje. Ela foi uma. "Ganhava dez vezes mais que o salário de secretária." Mas Neide não pensava em investir em uma imagem que agregasse a ela sofisticação e que pudesse render convites mais polpudos no futuro. Não se preocupava com isso. Aceitava todos os convites.
Ela conta: "Eu era a rainha dos calendários de borracheiro. Fazia todo ano. As outras modelos diziam: 'Não queima seu filme. Assim, a 'Vogue' nunca vai te chamar para fazer editorial de moda. E eu: 'Vogue? Quanto paga? Nada? Então até logo, querida, boa sorte!"'. O mais engraçado, diz ela, "é que aqueles mesmos calendários que queimavam filme na época, hoje são cult. Todo mundo quer fazer."
"Na hora do beijo, fechava a boca"
Capas de revistas masculinas ela fez todas: "Teve um mês em que eu estava ao mesmo tempo na capa da 'Playboy', da 'Status' e da 'Ele e Ela'. Eles ficaram putos comigo, porque eu não avisei que tinha feito todas. E eu lá sabia que tinha de dizer? Eu ia fazendo. Na época, era uma boa grana. Tipo quase um um carro popular."
Concomitantemente, Neide Ribeiro seguia sua carreira de atriz de pornochanchada. Foi a personagem principal em filmes como "A Ilha dos Prazeres Proibidos"; "A Fêmea do Mar"; "Tesão e Êxtase". Diz que nunca assistiu a nenhum deles. "Não ia nem na estreia. Quando filmavam, na hora do beijo, eu fechava a boca, girava a cabeça e jogava o cabelo. Tinha o maior nojo. Sei lá onde eles pegavam aqueles atores. Porque o importante era a mulher. Ninguém ia a esses filmes olhar para o homem."
Naquela ocasião, ela lembra, as pessoas tinham muito preconceito com aquele tipo de filme. "Mas todo mundo fazia. A Joana Fomm, a Lilian Lemmertz. Aquele diretor da Globo, Daniel Filho. Tem um filme em que ele faz até trenzinho com as mulheres peladas. O outro também, Denis Carvalho. E aí, quando você chegava à TV, todo mundo te olhava de lado. É que nem BBB quando vai fazer novela." Na TV, ela em geral fazia o papel da "tolinha gostosa" em humorísticos.
Teatro no Macunaíma
Lá pelas tantas, um amigo "intelectual" disse que queriam oferecer a ela uma bolsa no curso de teatro Macunaíma. "Era da mulher do Silvio Zylber. Como era mesmo o nome dela?" (Myriam Muniz). Ela lembra que logo no primeiro dia houve um curso de dicção com um rapaz que tinha a língua presa. "Tadinho. Era um amor de pessoa, mas não aprendi nada."
E a classe cheia de gente: "Um fazia teatro porque era tímido, outro porque não sabia o que queria… Aí, um dia, deram pra gente um pedaço de jornal e nos besuntaram de óleo. Era pra fazer o que quisesse com o jornal. Chamavam aquilo de laboratório. Aquele monte de maluco, uns tinham fumado maconha, eu conhecia muito bem o cheiro, aí a gente foi dar uma volta no quarteirão. Tinha gente quase pelada. Não é que a polícia apareceu e levou todo mundo pra cadeia. Hahahaha! O Brasil tava em plena ditadura, que eu também nem sabia direito o que era."
Fazendo cachorro e cobra
A única aula que realmente valeu foi a de "sair de uma situação embaraçosa". "Eles chamavam de improviso. Aquilo foi bom para toda a minha vida: em comercial, no cinema, no próprio teatro. Eles mandavam você fazer um cachorro, depois uma cobra… e a gente se arrastando por aquele chão imundo. Ainda fiz um ano e larguei aquela merda."
Um dia, trabalhando como modelo em uma Fenit, ela foi abordada pelo endocrinologista carioca Julio César Francesconi Terra, que se dizia seu fã. "Neide Ribeiro, Neide Ribeiro! Eu vi todos os seus filmes!" Escaldada, ela a princípio se esquivou. "Ele estava com um amigo, e os dois insistiram muito para que eu fosse jantar com eles. Encheram tanto o saco que eu chamei duas amigas e fomos. Jantamos no La Tambouille (restaurante estrelado nos Jardins, bairro nobre de São Paulo). Pedi o que tinha de mais caro no cardápio. Não insistiu? Então, paga!"
Neide está casada com o médico há mais de 30 anos. Já viveram sob o mesmo teto, mas chegaram à conclusão de que seria melhor cada um ter a sua casa. Aliás: casa, não. A de Neide é uma cobertura (comprada pela própria, ela faz questão de dizer). E agora tem também um BMW. "As outras (atrizes) que levaram tudo aquilo a sério, não têm nada", afirma.
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