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Paulo Sampaio

"O sonho é maior que a crise": festa de casamento pode custar R$ 1 milhão

Paulo Sampaio

27/05/2017 08h00

Desfile de Lethicia Bronstein: vestidos entre R$ 12 mil e R$ 20 mil: "Baratos", diz uma frequentadora. (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Ainda que todas as instituições pareçam estar ruindo no Brasil, pelo menos uma se mantém firme como nunca: o casamento. Na verdade, a festa de casamento. "O sonho é maior que a crise", afirma a empresária Jessica Freitas, que lida com aluguel de espaço para a festa, decoração e gastronomia.  Jessica é uma das expositoras do Casar, evento que reúne até domingo no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, todo tipo de fornecedor desse mercado. Do estilista que faz o vestido à agente de viagem de lua de mel, passando pelo profissional da filmagem e o que produz a balada — com DJ, banda, LEDs que caem do teto, fumaça, tambor. Para evitar que as crianças se estressem, a arte-educadora Priscilla Credidio oferece um cantinho que ela chama de "wedding kids", onde entretém os filhos dos convidados.

Doces embalados com Swarovski

Apresentado como "o melhor e maior evento de noivas do Brasil", o Casar é realmente incrível. Ali se descobre, por exemplo, que quem faz o bolo da festa não é a mesma pessoa que faz os docinhos. Por sua vez, os docinhos não vêm nas forminhas em que serão servidos. As forminhas são compradas em outro fornecedor. O bem-casado é "um item à parte".  A unidade sai por R$ 3 mas, dependendo da embalagem (crepom nacional ou italiano? Swarovski? caixinha?), pode chegar a R$ 25. Calculam-se três para cada convidado.

Jessica Freitas diz que uma festa completa custa a partir de R$ 80 mil. Entretanto, em um giro pelo evento — que tem 100 stands e deve receber nesta edição 4 mil pessoas –, descobre-se que há quem gaste R$ 1 milhão. "Existem festas para 700 pessoas, em espaços muito disputados, com todos os luxos que se pode imaginar", diz Isabella de Barros, que é a assessora de casamentos — papel desempenhado gloriosamente no cinema por Geraldine Chaplin ("Cerimônia de Casamento", de Robert Altman, 1978), que fazia a personagem Rita Billingsley. No filme, a assessora é tão perturbada quanto a família do noivo e, mesmo assim, se dispõe a apagar um incêndio por minuto.

De acordo com a Associação dos Profissionais, Serviços para Casamento e Eventos Sociais (Abrafesta), em apenas um dia os casamentos de São Paulo consomem 1,4 milhão de flores, 400 mil doces e mais de mil horas de filmagem. Em suas pesquisas, o IBGE revela que o número de registros de casamentos no País aumentou 35% em dez anos.

As melhores histórias

As Rita Billingsley do Casar são detentoras das aventuras mais divertidas, já que acompanham os preparativos desde o início. Colegas de trabalho, Marcela Sammarco, Paula Cardoso e Silvia Hilsdorf contam que não é raro acontecer o que elas chamam de "adendo no contrato". Trata-se daquela situação em que o casal rompe durante os preparativos, mas a noiva não quer abrir mão da festa. Então, ela apenas adia a data, na esperança de reatar com o ex ou já contando em arranjar outro: "Se ela rompe o contrato, paga uma multa. O que você prefere: pagar a multa ou arrumar um noivo novo?", pergunta Paula, na maior naturalidade.  A maior parte dos especialistas afirma que o casamento é "sempre da noiva". No Casar, estima-se que 80% dos visitantes sejam mulheres.

Enquanto exibe um de seus trabalhos, a videomaker Luiza Manaccad, da Alice Wants Desert, diz que deu "sorte": "Só cruzei com gente bonita em meu caminho." (Paulo Sampaio/UOL)

Silvia diz que muitas vezes a expectativa em relação à festa é tamanha que, quando chega a hora, a mulher "desaba". "Recentemente, tive uma noiva que estava tão ansiosa que bastou tomar uma caipirinha pra apagar. O noivo a colocou no Uber e voltou para a festa." O DJ Johnny Nielsen, especializado em produzir trilhas para casamentos, conta que a vontade de "viver o sonho" é tanta que já houve caso de noiva que contratou os serviços antes de conhecer o noivo. "A fantasia dela era a festa", diz Nilsen. As histórias mais estapafúrdias são, naquele ambiente, "coisas que acontecem".

Corações conectados

Os assessores afirmam que uma das atribuições deles é alimentar  os "sonhos" e "fantasias" das noivas. Fazem "por amor à profissão". "Nós valemos muito mais do que eles pagam, porque contamos histórias encantadas. A festa perfeita, pra mim, tem de ser maravilhosa nos detalhes, mas não só. O que me interessa é a felicidade dos noivos. É quando a noiva vem e me diz: 'Eu não vi mais nada, só visualizei ele'.  Não importa o que o casal vive antes. Só a partir daquele momento, do casamento, do 'sim', os corações estão conectados. Ali começa a vida a dois", acha o assessor Paulo Plaça.

Plaça acredita que, como a festa é da noiva, o assessor não tem que aparecer. "Estamos lá para servir, não para posar de subcelebriedade. Eu faço tudo pela felicidade daquela mulher. Se tiver de limpar a bunda dela, eu limpo."

A mais bela

A única coisa que os fornecedores envolvidos na organização lamentam é quando a noiva perde o foco nos preparativos para entrar na feroz competição de vestidos, bem casados, decoração e videomakers estabelecida no Instagram. Muitas não parecem estar preocupadas com o casamento, com o noivo, nem mesmo em se divertir na festa. Querem apenas ser as mais bonitas.

"Se noiva vem com a foto de Kim Kardashian no Instagram e quer o contorno dos olhos carregado, eu mostro que não dá para reproduzir aquele rosto 'Oriente Médio' em todo mundo", diz Marcella Baldoni, que é beauty artist (sim, quem não sabe inglês pode sofrer no Casar). Especialista em maquiagem de noivas, ela explica que trabalha com visagismo — "a construção da beleza através da análise do rosto como um todo".  "Um mês antes, testo várias possibilidades (de maquiagem), incluindo a que a noiva quer e a que eu proponho. Busco mostrar de maneira consistente que cada rosto tem as suas peculiaridades."

A beauty artist Marcella Baldoni faz um teste na noiva Camila Silveira, que se casa em uma sexta feira 13 e pensou se vestir de preto, mas diz que se contentou em "servir camarão na moranga" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Profissão: noiva

Os preparativos da festa chegam a consumir dois anos, e isso pode significar uma espécie de imersão sem precedentes para a noiva. "Há mulheres que deixam de ser advogadas, médicas, publicitárias, para encarnar o personagem da noiva. A profissão dela, durante aquele ano, é 'noiva"', diz a assessora Marcela Sammarco. Cerca de seis meses antes do casamento, os noivos mandam um pré-convite que eles chamam de save the date (em inglês mesmo); pouco depois, um segundo aviso (reminder) e, finalmente, o próprio envelope com o comunicado final.

Com tanto investimento, é comum essa personagem viver a chamada "depressão pós-festa" e "cair no vazio". A agente de viagens Jacqueline Dallal explica: "Onde a noiva vai colocar toda aquela emoção que preencheu quase dois anos da vida dela?".  Né?

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.