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Paulo Sampaio

Filho de Edmundo e Cristina Mortagua conta que sofreu "princípio de exorcismo" por ser gay

Paulo Sampaio

06/06/2017 08h00

Alexandre e Cristina, bem antes da tentativa de exorcismo (Foto: Reprodução/Facebook/Cristina Mortágua)

Filho do ex-jogador Edmundo — também conhecido como "Animal" — e da modelo Cristina Mortagua, o cineasta Alexandre Mortagua, 22, pretende transformar uma passagem de sua vida em roteiro de filme. Trata-se do dia em que sua mãe soube que ele era gay, e tentou submetê-lo a um ritual evangélico para curá-lo. "Foi muito cena de filme. Ela era megaevangélica, rolou um princípio de exorcismo. Quando eu cheguei em casa, já tava tocando um gospel estilo Ludmila Feber (cantora evangélica). Então, minha mãe quis ungir minha testa com óleo, sabe?, essas palhaçadas que esses pastores inventam pra ganhar dinheiro."

Alexandre tinha então 14 anos e havia fugido para a casa do primeiro namorado, que morava em Petrópolis, na região serrana do Rio. Cristina descobriu, ligou pra mãe do garoto e foi buscar o filho.

Na época, Alexandre se mudou do Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio, onde morava com Cristina, para a casa da avó, dona Neide, no subúrbio de Vila Valqueire. Ficou lá até os 16 anos. Agora, ele vive em São Paulo. "Minha mãe queria que tudo seguisse um padrão de perfeição absoluto, nossa casa era toda branca, tudo, tudo. Ela precisou abrir mão de uma porção de certezas para me aceitar e ser feliz. Eu dou graças a Deus de ter tido a oportunidade de me livrar cedo dessas certezas (assumindo a homossexualidade). É uma batalha grande contra o ego."

Mãe e filho reconciliados, em 2014 (Foto/Facebook/Reprodução/Cristina Mortágua)

Edmundo meigo

E Edmundo, como será que reagiu quando soube que o filho era gay? Alexandre afirma que não tem a menor ideia. Seu contato com o pai foi interrompido quando ele tinha por volta de 4 anos. "Só sei dele pela minha mãe. Ela conta que um dia entrou no quarto e meu pai estava assistindo ao vídeo do meu parto, comigo dormindo em cima da barriga dele."

O cineasta também não consegue imaginar como seria uma conversa com o pai sobre sua orientação sexual: "Realmente, não tenho contato com ele. Sei que é meu pai. Mas quando penso nele, eu não ouço uma voz, não sinto um cheiro, nada. Não que ele não seja nada. É meu progenitor. Massa. Mas não me vem nada." Até completar o curso de Artes Visuais, no fim do ano, Alexandre recebe pensão alimentícia de Edmundo. Em 1999, o então jogador foi preso depois que Cristina o acusou de atrasar R$ 21 mil em pensão.

Será que o Animal é homofóbico? "Uma vez eu o vi em um programa de TV dizendo que você pode ser o que for, agir como quiser, desde que coloque terno e gravata em uma reunião de trabalho…"

Carência paterna

Embora seu último filme, "Todos Nós 5 Milhões" — o primeiro longa depois de três curtas –, seja sobre carência paterna, ele diz que "a princípio" não se inspirou em sua experiência pessoal. Reconhece que é muita coincidência ter se interessado pelos dados do Conselho Nacional de Justiça a respeito de crianças em idade escolar que foram criadas apenas pela mãe. "Entrevistei 26 pessoas, fiz três perguntas a cada uma, elas levaram duas horas e meia respondendo. Tenho muita curiosidade a respeito de qualquer pessoa."Estranho que isso não se aplique ao próprio pai. "É, você tem razão", diz.

O filme tem um roteiro ambicioso, em três fases, cada uma interpretada por atores diferentes. Conta a história de uma garota que engravida e é mandada embora de casa pelo pai; ela dá à luz um menino que, por sua vez, vem a abandonar o próprio filho. No fim da filmagem, Alexandre tinha adquirido uma úlcera que o obrigou a parar de beber (gim). Mas continua fumando cerca de um maço de cigarros por dia.

Intervalo de filmagem de "Todos Nós 5 Milhões" (Foto:Mel Coelho/Divulgação)

Nem Godard, nem Fellini 

Ele diz que não sabe dizer por que escolheu fazer cinema. "Não fui criado nessa cultura. Minha mãe não assistia Godard nem Fellini. Ela gostava de 'Titanic' e 'Clube das Desquitadas', que são meus dois filmes favoritos. Meu sonho é dirigir uma versão brasileira do 'Clube das Desquitadas' (três mulheres de meia idade resolvem se vingar de seus maridos, que as traem com amantes mais jovens)."

Antes de se decidir pelo cinema, Alexandre pensou em ser ator e trabalhar com moda. "Só que eu não me sentia à vontade atuando." Nessa fase, quando tinha por volta de 12 anos, posou seminu com a mãe, em fotos publicadas pelo jornal "Extra". "Eu estava chegando da escola, e minha mãe fazendo as fotos. Aí o fotógrafo teve a ideia de me incluir. Ela se empolgou com a história. Eu meio que não sabia dizer não pra minha mãe. Pouco tempo antes, eu tinha mostrado a ela umas fotos da (atriz) Eva Mendes com um cara mais jovem para uma campanha da Calvin Klein.  Foi uma escolha estética ruim", reconhece.

Símbolo sexual superprotetor

O entrevistado cofia nervosamente a barba, e a princípio dá a impressão de ser muito ansioso. Mas com o tempo mostra-se firme em suas convicções, fala de tudo com aguçado espírito crítico e solta frases bem-humoradas ("Nunca sei o que fazer com as mãos quando estou em grupo; então, pego um copo"; "Acho importante viver todas as experiências: não precisa pular de paraquedas do Himalaia. Mas sentir tudo. Agonia, raiva, amor, afeto").

Na conversa com Alexandre, a ideia de que uma mãe que posa pelada para capas de revistas masculinas pode ser mais liberal é reduzida a mero preconceito. "Eu não sei como é ser filho de um símbolo sexual porque minha mãe… era minha mãe. Tipo superprotetora. Fazia festinha em bufê infantil no meu aniversário e guarda até hoje as fotos em álbuns com capa de couro."

Entretanto, ele conta que quando saía com Cristina, gostava de se manter um pouco atrás, com a secretária dela, só para ouvir o que as pessoas comentavam. "Tinha cara que gritava do outro lado da rua: 'Aí Cristina Mortagua gostosa!"' Será que ele passou por alguma situação constrangedora como "filho da gostosa"? "Não, porque minha mãe sempre soube sair muito bem de situações desconfortáveis. Ela faz a pessoa se sentir mais desconfortável ainda."

De volta para o futuro

De acordo com Alexandre, sua mãe se arrepende e fica mal ao lembrar-se da tentativa de exorcismo. Os dois voltaram a ser melhores amigos. "Eu sempre me dei muito bem com minha mãe. Muito, muito, muito. A gente ri das mesmas coisas, ela é crítica, debochada. Crítica inclusive com ela mesma. Já sofreu muito por isso."

Segundo ele, Cristina viveu um mau pedaço por não aceitar que o tempo havia passado. "Até os 40, ainda dá para você fingir que tem 25. Depois, não. Esse rigor com a própria imagem às vezes não é bom."  Embora seja visível que o ex-símbolo sexual, hoje com 46, tenha se submetido a uma série de intervenções estéticas, Alexandre afirma que ela não apresenta sinais de amargura. "Imagina! Hoje, minha mãe só quer ser feliz!"

Os dois se falam muito por telefone, e volta e meia ele manda para Cristina uma foto do garoto que está beijando. Ela eventualmente comenta: "Ele é gato!" Apesar da saudade, Alexandre não pensa em encurtar os quase 500 quilômetros que o separam da mãe. "Voltar para o Rio? Só se ficasse muito, muito, mas muito rico. Milionário. O Rio é uma volta na Lagoa e um beijo."

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.