Joana Fomm comemora retorno de Perpétua, mas reclama: 'hoje estou na rua'
Hollywood produziu muitos roteiros assim. Atualmente sem trabalho, a atriz Joana Fomm se emociona assistindo a seu extraordinário desempenho na reprise da novela Tieta (1989), no canal Viva, em que brilha no papel da bruxa Perpétua — um dos personagens mais populares da história da televisão brasileira. "Eu vejo os colegas de elenco, os que morreram, o Armando Bogus, sinto uma saudade! Tenho vontade de entrar na tela e abraçá-los…". Depois de cerca de 40 anos na emissora, Joana foi dispensada em 2013 sob a alegação de que não havia mais papéis para ela ali. "Sem meias palavras", conta. Há alguns meses, depois de publicar um anúncio informal em seu perfil no facebook, conseguiu uma participação no seriado juvenil Malhação. Agora, voltou a integrar o inédito contingente de 14 milhões de brasileiros desempregados — segundo levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"Outro dia a Sônia Braga me passou um whatsapp dizendo: 'Que saudade do tempo em que a gente trabalhava com crachá'. Rimos muito com isso", conta Joana, que contracenou com Sônia em Dancin Days (Gilberto Braga/1978). "Eu já estive no topo, hoje estou na rua. Nunca imaginei que ficaria sem trabalho um dia."
Fri Brothers
Antes da alta taxa de desemprego, a atriz lamenta "o escândalo da corrupção desenfreada, a falta de cidadania no próprio parlamento, a ruína das instituições". Assim como acontece com grande parte dos brasileiros, não lhe ocorre nenhum nome confiável para assumir o controle do País. Arrisca palpites, sem muita convicção. "Eu gosto do PV. Acho o Álvaro Dias lúcido. Estive em Curitiba, conversei com ele, me pareceu ter boas intenções. O Cristovam Buarque diz coisas interessantes..Eu passei um tempo a fim do Solidariedade, mas aí o Paulinho foi condenado..Bom, sempre vai ter um."
Horrorizada com o fenômeno da delação premiada, ela se refere aos irmãos Joesley e Wesley Batista como Fri-Brothers — em alusão a empresa J&F , dos dois, que controla o frigorífico FBS. "Acho incrível que eles tenham encontrado 1800 pessoas para denunciar. Eu entendo o acordo que os dois fizeram com os políticos, assim: 'Eu não presto, você também não. Então, a gente rouba escondidinho, e fica entre nós.' Mas aí o cara vai com um gravador e consegue ser mais filho da puta ainda…"
Lulíssima
Ex-militante petista, seu desencanto veio pouco depois que o partido elegeu um presidente. "Eu achava do fundo do meu coração que o Lula era honesto. Eu era lulíssima. Fiz campanha para o PT até na televisão. Alguns amigos me diziam que ele não gostava de teatro, mas eu achava que a gente daria um jeito nisso."
Sua primeira decepção, ela conta, foi quando demitiram o diretor da TV Educativa. "Era um cara amado por todos os artistas. Eu escrevi um e-mail imenso para o José Dirceu, pedindo que o mantivesse no cargo. Conheci o Dirceu quando os cavalos passavam por cima da gente, na época da ditadura. Ele me eu uma resposta até que atenciosa, mas assim que o PT tomou posse, demitiram o diretor para colocar alguém do partido."
Anos mais tarde, quando apresentava em Brasília o espetáculo "As Pequenas Raposas", com Sergio Brito e Beatriz Segall, Joana lembra que recebeu a visita de um emissário de José Dirceu. "Eu estava em evidência na época, aí veio um cristo do PT com uma conversa mole, de que tinha um amigo do partido que me admirava, me achava uma mulher muito interessante, e queria me convidar para almoçar. Eu vi na hora que era o Dirceu. Respondi ao sujeito que podia dizer ao amigo dele que eu o desprezava, e que não havia a menor possibilidade de almoço nenhum."
Desencanto
Quando vieram as primeiras denúncias do mensalão, Joana recorda de ter se deprimido profundamente. "Eu me senti tão desiludida, tão desencantada, tão traída, que adoeci. Por coincidência ou não, tive um câncer que eu chamei de Lula", lembra ela, já curada de três tumores nos dois seios.
Não votou mais em Lula, nem em Dilma, tampouco no adversário dela: "O Aécio sempre foi um playboy chato", diz ela, fazendo uma expressão de impaciência. "Eu via aquelas fotos dele beijando uma, beijando outra no camarote do carnaval, achava uma pobreza…"
Depois do meio dia
Há alguns anos Joana sofre de disautonomia, um transtorno neurológico que afeta o controle das funções autônomas do sistema nervoso. Assim, por exemplo, depois de permanecer muito tempo na mesma posição, ao se levantar ela pode sentir uma sensação de desfalecimento. "Você nunca sabe qual a parte que vai falhar", diz. Por conta disso, foi preciso aguardar um momento em que ela estivesse segura para fazer a entrevista. De qualquer maneira, com ou sem desautonomia, ela afirma que funciona melhor depois do meio dia. Nossa conversa começou às 18h.
Apesar da permanente ameaça física, Joana Fomm é muito firme nas opiniões, tem uma beleza digna e demonstra independência afetiva. Diz que nunca se ligou por muito tempo a ninguém. Apaixonou-se várias vezes, casou-se de véu e grinalda ("mas porque o padre era meu melhor amigo") com o ator Francisco Milani e teve alguns outros maridos: os atores Nélson Xavier, Luiz Carlos de Moraes, Juca de Oliveira, o diretor Astolfo Araújo… "Me ajuda a lembrar, deve estar faltando marido", diz, com um cinismo muito próprio.
Será que o pai de seu único filho, o músico Gabriel Gouveia, 41, está na lista? Ela ri. "É verdade! Teve ele! (O escritor) Ricardo Gouveia (filho do médico Julio Gouveia e da escritora Tatiana Belinki)." Ela conta que não passava pela sua cabeça ser mãe, mas pensava que, "se algum dia fosse, gostaria que ele (Ricardo) fosse o pai". Isso não significa que ela tenha participado a ele a gravidez, consultado sua opinião ou contado com o progenitor para criar o garoto. "O pior é que o Gabriel é a cara do pai. Isso me magoa tanto", diz ela, sem se levar a sério.
Dercy Gonçalves
Pergunto qual a origem do nome Fomm, ela afirma que é alemã, de seu pai adotivo. Arthur Fomm era casado com a irmã de sua mãe, Alice. Joana conta que seus pais biológicos eram tuberculosos, e por isso a entregaram aos tios para que a criassem. Diz que não sabe onde nasceu. "Não tenho ideia." Não? "Nunca ninguém me disse. A Dercy Gonçalves uma vez me falou: 'Ué, você é de Madalena (cidade onde Dercy nasceu, no interior do Rio). Todo mundo lá sabe disso'. Eu nunca pude confirmar. Na verdade, eu só descobri que era adotiva aos 13 anos."
Enquanto aguarda ser chamada para integrar o elenco de uma eventual continuação de Tieta, ela pretende filmar um documentário sobre o Retiro dos Artistas, uma instituição que acolhe músicos e atores da terceira idade sem condição de viverem sós. "Quero mostrar como eles ficam", diz. Ela se emociona contando que foi ao retiro visitar a atriz Dirce Migliaccio, uma grande amiga, e que ela já estava sem os movimentos: "Quando eu estava saindo, ela me chamou e disse: 'Joana, vamos trabalhar juntas"'. O diretor do documentário, Aldo Puccini, temeu que o resultado ficasse muito triste. Mas ela ponderou: "E dá para ser feliz em um lugar onde as pessoas vão para esperar a morte?"
Aos 77 anos, Joana diz que tem mais medo de ficar doente do que de morrer. "Mas essa parte eu já senti na pele. Agora, bem que eu poderia ser agraciada com uma morte rápida. Aí, não daria tempo de sentir medo."
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