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Paulo Sampaio

"Ela não estava conseguindo ser feliz", diz mãe da jovem que se jogou do hotel Maksoud Plaza

Paulo Sampaio

11/07/2017 04h00

Menos de dois meses depois da morte trágica da filha, a instrumentadora cirúrgica Míriam da Silva Santos, 54 anos, fala do assunto com um misto de resignação e lucidez. Saudosa, mas firme, ela acredita que fez tudo o que estava a seu alcance para evitar aquele desfecho.

Fernanda à esquerda na foto

Na madrugada do dia 28 de maio último, Fernanda Kulicz Zuchetti Santos, 25 anos, saltou do heliponto do hotel Maksoud Plaza, na Bela Vista, região central de São Paulo, em plena balada. Há mais de dois anos o hotel alugava o espaço para a realização da festa Pan Am.

Procurada pelo blog, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo afirma que não pode divulgar o inquérito policial em casos que sugerem suicídio. No entanto, a mãe já trata a morte da filha desta forma e isenta o Maksoud de qualquer responsabilidade sobre o que aconteceu com Fernanda. "Minha filha teria acabado com a vida onde quer que estivesse. Poderia ter pulado da janela do banheiro. Ela não estava conseguindo ser feliz, alternava períodos de depressão e ansiedade. Fazia terapia, se medicava, mas não suportou. Decidiu que aquele era o momento."

De acordo com o boletim de ocorrência, ao qual o blog teve acesso, Fernanda foi à festa da Pan Am com uma amiga que passou em sua casa para buscá-la por volta das 23h30. A jovem declarou que não percebeu nada de anormal no comportamento de Fernanda. Disse que ela estava até alegre.

Tudo começou a mudar por volta das 2h, quando Fernanda encontrou um conhecido que disse a ela que sua "ex-ficante" estava na festa — o que alterou visivelmente seu humor.

Os amigos acharam estranho quando, por volta das 4h, ela disse que subiria ao fumódromo — adaptado no heliponto do hotel –, já que ela não fumava. Também não era de beber. Havia tomado um drinque com vodka e duas cervejas.

Pouco depois, a amiga de Fernanda soube que alguém havia pulado do peitoril que cercava o fumódromo. O episódio a chocou ainda mais porque as duas se conheciam havia pouco tempo, cerca de 3 meses, e ela não tinha ideia dos problemas psicológicos que Fernanda enfrentava. O corpo caiu no pátio de acesso de carros ao hotel, em frente à entrada principal. Procurada pelo blog, a amiga preferiu não dar entrevista.

A assessoria do Maksoud Plaza afirma que não tinha ingerência na administração da Pan Am, apenas alugava o espaço. Ainda segundo o hotel, o suicídio de Fernanda não tem relação com o do casal de jovens que no dia 16 de abril foi encontrado morto na suíte 1.508  — os dois teriam feito um pacto de morte.

O empresário Facundo Guerra, o nome à frente da balada, não quis dar entrevista ao blog. De acordo com o que divulgou anteriormente, a morte de Fernanda coincidiu com o fim do contrato dele com o hotel. O clube Pan Am encerrou as atividades logo em seguida.

Hotel Maksoud Plaza em São Paulo

Vida normal em casa

Segundo Míriam, Fernanda teve uma infância tranquila, era boa aluna e levava uma vida normal. Não usava drogas e só bebia socialmente. Acordava cedo, passeava com o cachorro Luca, da raça lulu da Pomerânea, saía para o trabalho na área de marketing  e voltava tarde. "Sua personalidade era forte", diz a instrumentadora. "Ela sentia urgência em resolver as coisas, e talvez por isso tenha feito o que fez com a própria vida."

O desconforto existencial não chegava a interferir no convívio social nem no profissional.  "Ela tinha muitos amigos e havia acabado de ser promovida no trabalho." Sem nenhuma afetação de supermãe, Míriam afirma que ela e a filha mantinham um ótimo relacionamento. "Sempre estivemos muito próximas, passamos o Réveillon juntas, o Carnaval, eu a ouvia, ela a mim."

A homossexualidade de Fernanda, assumida em família, era conversada abertamente. Não parecia estar ali a causa da angústia: "A Fernanda nunca sofreu bullying, até porque não tinha um comportamento que chamasse a atenção; não era masculinizada ou agressiva. Ao contrário: era muito delicada e sofria com a violência do mundo, a injustiça, a covardia".

Apesar de ser separada do marido, Míriam diz que os dois permaneceram "muito parceiros". Fernanda tinha apenas um irmão, gêmeo, chamado Pedro, e os dois mantinham um relacionamento de amigos. No dia em que ela morreu, ele postou em seu perfil no Facebook:
"Hoje não está sendo um dia fácil. Hoje eu perdi a minha irmã, ela tomou uma decisão para a vida dela. Acredito e espero que ela esteja num lugar lindo e confortada por Deus e por minhas avós.
Por favor quem conhece ela e era amigo avisem os outros. O velório será a partir das 16h30 hoje no cemitério do Morumbi, sala 6. O enterro as 9:00 amanhã. Não me liguem não estarei em condições de falar com ninguém. Por favor orem por ela."

Efeito bola de neve nas redes

Para Míriam, a facilidade de comunicação entre jovens nas redes sociais propicia a propagação de momentos bons e também das mazelas — e isso pode ter um efeito negativo. "Um diz para o outro que está deprimido, o outro se identifica, e um terceiro… Quando você vai ver, aquilo virou uma bola de neve."

Apesar disso, ela diz que a filha nunca se influenciaria por jogos como o da Baleia Azul e minisséries como 13 Reasons Why, que teriam provocado uma onda de suicídios entre jovens do mundo todo. "A Fernanda era muito inteligente,  safa, focada."

Sem jamais desprezar o tamanho da tragédia que acometeu a filha, Míriam aventa outras situações que levam os pais a viverem permanentemente em sobressaltos: "Você vê a quantidade de jovens desaparecidos, assassinados, drogados. Imagina o que deve ser encontrar seu filho na cracolândia, caminhando feito um morto-vivo, um zumbi".

A mãe de Fernanda não quer que a tragédia com sua filha deixe os pais que enfrentam o mesmo problema ainda mais apreensivos: "Observo que muita gente, em vez de ter esperança, se desespera. Não adianta. O apoio ao filho, o acolhimento, o amor, é fundamental nessas horas. Se não for evitável, que a mãe esteja certa de que fez o que estava a seu alcance para não acontecer o pior".

Muito da serenidade que transmite, Míriam encontrou na fé. "Na semana seguinte à da morte da Fernanda, recebi uma carta psicografada. Dizia que ela estava muito melhor, mais apaziguada. A veterinária da Luquinha sonhou que a Fernanda pedia a ela para dar remédio para a cachorra. O que eu pude fazer desse lado de cá, eu fiz. Agora, eu só posso pedir que a acolham do lado de lá."

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.