Confeitarias tradicionais de SP retiram açúcar das mesas para evitar roubo
Morador há quase 20 anos de Higienópolis, na região central de São Paulo, costumo frequentar diariamente as confeitarias da área. Recentemente, me surpreendi com a informação dada por uma atendente da Cristallo (fundada em 1953) do Shopping Patio Higienópolis, onde um doce de tamanho médio pode custar R$ 8,50, e uma empada, quase R$ 9: na hora em que a moça me trouxe o café, eu disse na maior ingenuidade que tinham esquecido de colocar o açúcar e o adoçante na mesa. Ela perguntou quantos envelopes eu queria, enfiou a mão no bolso do uniforme e tirou a quantidade. "Se precisar mais, só pedir", disse.
Perguntei se era uma nova política da casa, ela me informou que "mais ou menos": "Os clientes começaram a pegar (envelopes de adoçante e açúcar) para levar, então foi preciso tirar da mesa."
Levar? Pra onde?
A assessora da Cristallo confirma o afano, meio na defensiva: "Experimenta colocar o adoçante e o açúcar na mesa, e depois faz as contas para ver o que levam por dia, por mês, por ano. Imagine o custo disso!"
No dia seguinte, provoco uma funcionária antiga da confeitaria para saber mais detalhes do fenômeno. Ela diz que "pegam inclusive o porta-açúcar, as xícaras, os talheres; levaram até a 'caixinha' que as meninas deixam em cima do balcão para as gorjetas. E levaram quando estava cheia".
Digo: "A senhora trabalha aqui há muito tempo, deve saber quem são esses clientes…" Ela: "Claro! Tudo velhinho aqui do bairro mesmo! Outro dia, judiação, até morreu um."
Eu: "O café aqui não é o mais barato do bairro. Quem pode pagar, precisa levar a xícara?" Ela: "Esses que levam não consomem muito não. Enrolam um tempão só num cafezinho."
Muito dessa desinibição dos "velhinhos" da região ela atribui à idade. "A gente vai ficando velho, piora né? Quer dizer: eu espero não ficar assim." Ela conta que antes, "era colocar as coisas na mesa, e em cinco minutos já não tinha mais nada".
Um andar abaixo, no café da grife de chocolates Kopenhagen (89 anos de existência), a balconista me diz a mesma coisa. "Ih, levam tudo.." e enumera. No caso específico desta loja, há um agravante. As mesas ficam num terraço em uma área externa do shopping, fora do ângulo de visão das atendentes. "Nem sempre a gente tem condição de vigiar as mesas", diz uma. Quem "leva" o adoçante é o cliente de uma loja onde uma barra de chocolate de 100g custa até R$ 24.
Procurada, a assessoria da Kopenhagen não comentou.
Uma semana depois, me sento na Dulca (inaugurada há 66 anos) da Rua Itacolomi, onde um sonho pode custar R$ 10. Mesma coisa. Converso com um dos donos, Bruno, ele ri. Pergunto se, entre os que "levam", há mais homens ou mulheres. Ele resiste, e então responde: "Olha, eu não quero ser sexista, mas pelo que eu observo, cabe mais coisa numa bolsa…"
Na padaria Benjamin Abrahão, de novo, a atendente pergunta quantos envelopes de adoçante eu preciso. Será possível? "Sim", diz ela, temos a orientação de não deixar na mesa. A assessora de imprensa faz uma expressão de espanto: "Quando foi isso? Deve ter sido engano do funcionário. Vou verificar agora mesmo."
Uma notícia razoavelmente apaziguadora para os "velhinhos de Higienópolis". Eles não estão sozinhos. De acordo com Cristallo e Dulca, o racionamento de açúcar e adoçante nas mesas é extensivo a outras unidades na cidade.
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