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Paulo Sampaio

'Apanhei, fui traída, mas também corneei muito', diz mãe de Luciana Gimenez

Paulo Sampaio

31/10/2017 08h00

Na sala de casa, no dia da entrevista (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

O bom de conversar com uma mulher percorrida como Vera Gimenez é que, ao contrário dos símbolos sexuais de hoje, ela tem muita história pra contar e pouca coisa para esconder. Embora agora, aos 70 anos recém-completados, ela seja mais conhecida como "a mãe da Luciana Gimenez", Vera teve o seu momento de fama. Loura, sexy e descontraída, ela participou de cerca de 20 filmes entre os anos 1970 e 1990, boa parte deles classificados pelos críticos como pornochanchada; fez papeis coadjuvantes em meia dúzia de novelas, como a primeira versão de "Anjo Mau", na TV Globo, e atuou em comédias comerciais no teatro. Mas o que a deixou realmente famosa foi a união com o diretor Jece Valadão, com quem formava uma dupla estilo a pantera e o cafajeste (como ele era conhecido).

"O Jece era um gentleman. Cortês, educadíssimo, inclusive com as empregadas lá de casa. Passava a mão em todas. Eu sempre fui honesta, até o dia em que soube que ele me traía com Deus e o mundo. Aí, ele tomou tudo de volta. Nunca dei tanto. Corneei o desgraçado até dizer chega", lembra. Independentemente da questão com Jece, a atriz conta que os anos 1970 foram bastante permissivos em termos de sexo: "Quem diz que não transou muito naquela época está mentindo."

Sexy, nos anos 70: "E você ainda diz que a Luciana não se parece comigo?" (Foto: Arquivo Pessoal/Vera Gimenez)

Conspiração trans

O vento agora já não sopra tão a favor: "Estou sem marido, sem trabalho e não beijo na boca faz tempo. Vejo mulheres ficando com outras, mas elas não são lésbicas. Elas estão. É uma condição. Eu vou te dizer: se aparecer alguém legal, eu fico."

Mas precisa ser alguém que ela considere atraente. Cita algumas de suas amigas lésbicas. "Tem umas charmosíssimas. Essa coisa de homem trans não rola comigo. Tenho ojeriza à figura da filha da Gretchen, por exemplo." Psicóloga formada nos anos 1980, Vera conta que fez um estágio no Instituto Brasileiro de Psicanálise, onde era "especialista em teste de personalidade": "Eu  entrevistei um rapaz que tinha um conflito enorme, queria ser mulher, mas era algo realmente muito sério. Hoje, isso virou a coisa mais banal do mundo."

Ela afirma que tem dificuldade de entender a questão da identidade de gênero: "Por que tem tanta gente querendo ser trans? Isso me assusta. É criança trans, homem trans, mulher trans, aparece trans em todo lugar. É alguma coisa na água? No ar? Na comida? Eu penso até em conspiração mundial!"

Para deixar claro que não alimenta nenhum tipo de preconceito e que está disposta a aceitar as diferenças, ela afirma que 90% dos seus amigos são gays. "Mas eles têm postura, são classudérrimos. Nunca gostei de viadinho."

No auge da fase 'pantera' (Foto: Arquivo Pessoal/Vera Gimenez)

Tá falado

Outra vantagem de entrevistar uma pantera de outros tempos, como Vera, é que ela se sente à vontade para dizer o que lhe vem à cabeça, sem levar em conta a patrulha nas redes sociais. Isso porque foi famosa numa época em que as declarações impactantes de uma mulher bonita eram mais valorizadas do que a reprodução automática de um modelo de correção política. "Tenho horror a essa história de 'politicamente correto'. Não se pode dizer mais nada, gente."

Ela continua. Conta que foi agredida fisicamente pelo pai de Luciana, o empresário João Alberto Morad, com quem se casou aos 19 anos, e pelo próprio Jece Valadão. "Eu vivia há seis meses com o João Alberto quando ele me pegou pelo cabelo e me jogou na parede, com a Luciana no colo." Como era seu costume, Vera revidou na mesma moeda. "Peguei uma faca pontuda na cozinha e enfiei na perna dele. A mulher que aceita esse tipo de violência uma vez, fica refém do agressor para sempre", acredita. De João Alberto, ela realmente não recebeu mais nenhum empurrão.

Mas de Jece, bem, foi assim: "Um dia nós estávamos em um festival de cinema em Santos, e eu só vendo ele de galinhagem com as putinhas. Eu avisei que não estava gostando daquilo, ele não deu importância. Aí, eu  fechei o tempo, disse que queria ir para o hotel, tivemos uma discussão violenta. Um escândalo. Ele me deu um soco. Eu disse que da próxima vez jogaria óleo quente na orelha dele. Só não fui embora porque eram 3 da manhã, e eu estava sem carro, não tinha como voltar de Santos."

Galinha como o pai

Apesar das gentilezas trocadas entre os dois, Vera ficou com Jece por quase 14 anos, tempo suficiente para ter um filho com ele, o ator Marco Antônio Valadão,  de 39 anos, que mora com ela em uma cobertura na Urca, zona sul do Rio. Recentemente, Marco Antônio fez o papel de Gregor na novela "Belaventura", exibida pela TV Record.  Sem parecer exatamente com a mãe, ele por outro lado tem traços mais finos que os do pai, cabelos compridos e aparenta ser bem mais jovem: surge na sala de jeans e camiseta, e pede a chave do carro dela. Cumprimenta a visita sorrindo, muito simpático, porém sem o menor interesse em participar da conversa. Ela me diz: "É uma criança grande….", e para ele, dando uma de durona: "Onde você vai Marco Antônio? A que horas chega?" Ele responde qualquer coisa.  Nitidamente, ela tem um xodó pelo filho: "Ele é canceriano, carinhoso. Mas é galinha que nem o pai, o desgraçado. Outro dia, o vidro traseiro do meu carro estava todo sujo de batom. Alguma menina com raiva dele."

Jece Valadão no dia do lançamento de sua biografia, com o filho Marco Antônio

Como boa parte das mulheres que foram muito desejadas, Vera Gimenez afirma ter sofrido preconceito por ser "linda", e se cobrava para "não parecer burra".  A formação em psicologia e o curso na Aliança Francesa foram dois investimentos nesse sentido. Estrela de filmes como "Lua de Mel e Amendoim" e "Os Amores da Pantera", Vera acredita que era menosprezada pela intelligentsia artística e que muitas portas se fecharam por causa do seu relacionamento com Jece Valadão. Durante a entrevista, ela faz questão de afirmar que "não ficava nua gratuitamente". Explica que no filme "A Freira e a Tortura", onde aprece sem roupa frente e verso, "a freira estava sendo torturada". "Ou tirava a roupa, ou a jogavam de cima de um prédio." Perigoso mesmo.

Cartaz de "A Freire e a Tortura": nudez justificada (Foto: Divulgação)

Apesar de todas as torturas, Vera acredita que as mulheres na época dela era mais "reais". "Uma coisa que me apavora hoje é a magreza. A Patrícia Poeta, que é uma mulher linda, emagreceu de uma tal maneira que ficou feia. Minha própria filha, eu pergunto a ela: 'Pra que isso?' Ela responde que eu tenho inveja. Então, tá. Né?" Aparentemente, Luciana diz isso da boca pra fora: "Eu sempre tive muito orgulho da minha mãe. Lembro de quando a acompanhava no programa do Chacrinha, no camarim, ela se maquiando, aquilo pra mim era o máximo."

Brocha e evangélico

Vera teve um terceiro marido, o psiquiatra Renê Batista, que estava com 23 anos quando os dois decidiram morar juntos. Ela, 35.  Renê morreu aos 33, de câncer no cérebro. Na versão de Jece Valadão, em uma entrevista publicada em janeiro de 2007 na revista "Playboy", Renê foi vítima de Aids. "O Jece era boa pessoa. Um psicopata mentiroso, mas boa pessoa", diz Vera.  Jece morreu em novembro de 2006, poucos dias depois de dar a entrevista, de insuficiência respiratória. No fim da vida,  o ator e diretor tornou-se cristão e "quis pregar a palavra para Vera, mas ela era umbandista".  No diagnóstico da atriz, "ele ficou brocha e virou evangélico".

Com o terceiro marido, Renê Batista (Foto: Arquivo Pessoal/Vera Gimenez)

Seis meses depois da morte de Renê, Vera descobriu um tumor na mama esquerda. "Passei um ano sem peito, mas, mesmo fazendo quimioterapia, prestigiei minha escola na Marquês de Sapucaí", lembra, referindo-se a Grande Rio. Em 2004, ela teve uma recidiva em uma costela e, em 2010, outra na sétima vértebra. Ela diz que sua saúde vai muito bem, apesar de uma inflamação crônica no menisco e alterações nas taxas de tireóide. Com uma espécie de humor involuntário, Vera afirma que possui "uma tendência a ter problemas que enchem o saco, mas não matam".

Miséria de R$ 7 mil

Ex-moradora da Avenida Vieira Souto, em Ipanema, e da Avenida Atlântica, em Copacabana, dois dos endereços mais valorizados do Rio, Vera Gimenez diz que se arrepende de não ter juntado dinheiro. Apesar do conforto da cobertura de 250 m2, a atriz afirma que sobrevive com "uma miséria de R$ 7 mil", referindo-se a uma pensão do ex-marido, outra do INSS. "Se não fosse minha filha, eu estaria fodida. Só de plano de saúde, são R$ 3999 por mês, uma estupidez."

Reclama de falta de trabalho: "Eu não quero ir ao programa da Luciana pra dizer (imitando choro de criança):  Eu tô desempregada, gente, me ajuda." Declarando-se horrorizada com a política, ela acredita que figuras como o deputado ultraconservador Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que ameaça concorrer à Presidência da República em 2018,  "vieram para dar um freio nisso tudo". "As pessoas estão fazendo o que querem em Brasília, uma esculhambação. Era natural que surgisse uma figura maluca com essas ideias." Ela afirma que não tem candidato para presidente:  "O Brasil tá cagado, tenho pena dos meus netos", lamenta. E olha que os netos dela — Lucas Jagger, filho do roqueiro Mick Jagger, e Lorenzo de Carvalho, do sócio da Rede TV!  Marcelo de Carvalho — não chegam a ser dois coitados (financeiramente falando, claro).

Com Luciana, Marco Antônio e os netos, Lorenzo e Lucas (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.