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Paulo Sampaio

Anoréxicas criam perfis "camuflados" para driblar patrulha do Facebook

Paulo Sampaio

05/03/2018 05h00

Nada de "Viva a Anorexia!", ou "Bulimia Já!".  O nome da página no Facebook que ensina seus seguidores a melhor maneira de vomitar é Pro-Mia. Entre outras, há também a Pro-Ana, a Mia Buli e a Borboleta, esta última uma alusão onomatopéica ao farfalhar das asas da rhopalocera dentro do estômago vazio. A intenção é camuflar o perfil, para driblar a patrulha da rede  — que afirma não apoiar esses grupos e exclui e sanciona usuários que se dedicam à apologia do transtorno alimentar. "A segurança das pessoas em nossa plataforma é a nossa maior responsabilidade. Nossos Padrões de Comunidade proíbem o uso do Facebook para promoção de suicídio e automutilação, incluindo distúrbios alimentares. Contamos com nossa comunidade para denunciar conteúdos questionáveis que possam estar na plataforma, para que sejam rapidamente revisados", diz o porta-voz do Facebook.

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A melhor forma de vomitar (Foto: Captura de tela)

Ao que parece, os esforços do Facebook não têm sido suficientes. Uma mexicana contatada pelo blog diz que recebeu uma advertência da plataforma, mas sua página nunca foi excluída: "Me advirtieron una vez, pero nunca me han cerrado la página", afirma ela, que batizou seu perfil de Ana & Mia. A garota tem 16 anos, 1,60m de altura e 47kg — mas diz que sua meta é chegar aos 40kg. Ela conta que participa também de um grupo de 52 anoréxicas no aplicativo whatsapp.

O grupo do whattsapp tem participantes do mundo todo. A mexicana os convoca pelo Facebook: "Não esqueçam de colocar o código do país antes do número", pede. No FB, elas promovem desafios:

Desafio: perder (mais) 2kg (Foto: captura de tela)

Competição doentia

A psicóloga clínica Rogéria Taragano, supervisora do atendimento ambulatorial em Anorexia Nervosa do Hospital das Clínicas, diz que "algumas das pacientes, por características de personalidade, têm prazer em exibir seus quadros de desnutrição, fotos de seus corpos emagrecidos, além de ter satisfação na comparação com outras pessoas na mesma condição". De acordo com Rogéria, muitas "estabelecem uma competição doentia pela magreza". A psicóloga diz que a maioria das pacientes é do sexo feminino: em cada dez, um ou dois são meninos.

O diagnóstico de transtorno alimentar é feito pela avaliação clínica. Segundo Rogéria, os sintomas mais comuns são  "um forte medo de engordar", "prazer no emagrecimento, associado com distorção da imagem corporal (a pessoa se vê gorda/grande mesmo estando com o peso baixo ou adequado)". "Nas mulheres, pode ocorrer a interrupção do ciclo menstrual. Frequentemente, a pessoa recorre a métodos purgativos (vômito autoinduzido, uso de laxantes ou diuréticos) ou exercício físico exagerado. A autoestima e a autovalorização centram-se fortemente no peso/tamanho."

Adicionalmente, afirma Rogéria, o profissional usará como critério de diagnóstico o IMC (índice de massa corporal), obtido dividindo-se o peso pelo quadrado da altura. "De acordo com os parâmetros atuais, o IMC >=17 kg/m2 já indica um quadro de anorexia leve. IMC abaixo de 15 kg/m2 já classificaria o paciente numa anorexia extrema."

Novas amigas: ana & mia

Na página Pro-Mia, há um post onde se celebram, em espanhol, novas amizades.  "Encontre dos nuevas amigas que nunca me dejaran sola: Ana & Mia". Uma jovem bulímica que batizou sua página de Borboleta explica que o fez por se tratar de um símbolo de  "beleza e renovação". "A transformação do corpo, pelo emagrecimento, é o que todas almejamos", diz.

Por sua vez, alguns grupos mostram que o objetivo dos usuários é encontrar cúmplices no sofrimento. Na página Mia Buli, a imagem da tela traz a foto de uma garota coberta com os dizeres: "I wish my weight was as low as my self esteem". (Eu gostaria que meu peso fosse tão baixo quanto minha auto-estima). Apenas duas páginas, de sete contatadas pelo blog, retornou às mensagens.

Unidas pelo sofrimento (Foto: captura de tela)

Infiltrada rechaçada

Aparentemente, o Facebook criou para os solitários portadores dos transtornos alimentares uma possibilidade de "isolamento em grupo", ou de convívio social entre "iguais". Mas alegada "democracia" na rede acaba quando aparece alguém de "fora" querendo socializar. A porta-voz da página "Anorexia e Bulimia", criada para "conscientizar as pessoas sobre os distúrbios e expor o assunto a todos (já que é escondido)", afirma que levou uma bronca de elementos de páginas pró-anorexia e bulimia: "Foi necessário criar um perfil se passando por uma garota que quer ser anoréxica ", conta ela. "Mas quando percebiam que a conta era 'falsa' ficavam bravas."

Jovens de Lençois Paulista, no interior de SP, criaram página para conscientizar anoréxicas e bulímicas (Foto: captura de tela)

O grupo é composto por oito jovens com idades entre 15 e 18 anos, todos estudantes do ensino médio em Lençois Paulista, no interior de SP: "Foi um desafio entre escolas", explica a porta-voz, que não se identifica nominalmente, apenas como "grupo Anorexia e Bulimia".  "Alunos falavam sobre coisas que precisam ser mudadas na sociedade. Nosso grupo escolheu o distúrbio alimentar por ser um assunto evitado, mas que está acontecendo com maior frequência." Ela diz que a página "ajudou algumas usuárias (isoladas) da rede a 'descobrir' que sofrem do transtorno". Mas quando já estão em grupo, segundo os estudantes, essas pacientes oferecem muita resistência: "Mais de 75% não são a favor da nossa iniciativa", diz.

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.