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Paulo Sampaio

Homem com dois maridos vira favorito na fase virtual do Mr. Leather 2018

Paulo Sampaio

09/04/2018 05h00

Favorito na votação on-line do concurso Mr. Leather Brasil, que há dois anos celebra o fetiche de homens gays em roupas de couro, o desenhista industrial Rodrigo di Biasi, 42 anos, teve a preferência de 62,2% do eleitorado virtual. Na final, que ocorreu no sábado no bar Eagle, na Bela Vista, zona central de São Paulo, Biasi foi prestigiado pela presença de seus dois maridos, o publicitário Thiago Froiser, 30, e o empresário Lucas Pasquarelli, 28. Nenhum dos dois é adepto da filosofia Leather. "Formamos um 'trisal"', explica Di Biasi, usando um neologismo para designar o casal de três.

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Rodrigo Di Biasi, favorito na etapa virtual do Mr. Heather, com seus dois maridos, Thiago, à esq., e Lucas (Foto: Paulo Sampaio)

Movimento grande por trás

Thiago, o marido mais antigo, conta que levou um susto quando Di Biasi abriu seu armário pela primeira vez na frente dele. "Meu Deus, esse cara vai me dar uma surra", pensou o publicitário, ao deparar com o arsenal de roupas de couro do futuro marido. Mas desde que os dois se casaram, há cerca de cinco anos, o desenhista industrial nunca aplicou sequer um peteleco em Thiago: "O Brasil ainda não entende que existe uma cultura leather. É mais do que um simples fetiche. Tem um movimento politico muito grande por trás, muito forte, muito bonito", explica Di Biasi, que é carioca. "Eu me mudei para São Paulo porque o Rio é uma cidade muito preconceituosa." E também porquê, vamos combinar, vestir roupa de couro naquele calor ia dar ruim.

Rodrigo aprendeu a lição: "A cultura do couro pode não estar associada à práticas de sofrimento ou dor. Esse é um cenário que a gente precisa quebrar", diz, recostado no peito de Lucas, que o enlaça pelo abdômen malhado. Embora cultue basicamente "o lado estético" do movimento, Di Biasi acredita que se tivesse de se embrenhar pela prática BDSM (bondage, disciplina, submissão, sadismo e masoquismo) não seria só sádico ou masoquista — mas o que chamam na comunidade de switcher (faz os dois). Da mesma forma, segundo diz, não há papeis definidos na cama entre os maridos do "trisal": "Todos são ativos e passivos", garante.

Masculinidade entranhada

Em sua apresentação no site do concurso, Di Biasi diz que "o poder e a masculinidade do couro foram se entranhando cada vez mais em minha vida a cada aumento de testosterona que vinha com o passar da idade". "Trajar meu uniforme de couro vai muito além do alto tesão que ele proporciona; fico poderoso, com muito mais vontade de mostrar ao mundo toda minha força e meu orgulho."

Na comunidade leather, Di Biasi é conhecido pelo codinome Kake (lê-se "coque"), uma alusão ao personagem principal dos quadrinhos do ilustrador Tom of Finland, que nos anos 1950 tornou-se célebre na comunidade gay por associar couro, militarismo e erotismo. Por influência do ilustrador, Kake reproduz a mesma atitude do personagem. Entre seus dois maridos, na hora da foto, ele faz uma expressão de policial intransigente, torcendo ligeiramente a boca emoldurada por um bigodinho de macho estilizado. "Tenho 100 mil seguidores no Instagram. Quando fiz a divulgação do Kake, recebi mensagens de pessoas do mundo todo. Diziam: 'Você precisa ganhar a etapa Brasil para a gente se conhecer no concurso internacional'. Claro que isso faz bem pro ego", afirma ele, sem, contudo, cogitar a formação de um casal de quatro ou cinco: "Na comunidade gay, a putaria é sagrada. Então, é normal as pessoas acharem que por sermos um casal de três, topamos transas a quatro, a cinco e a seis. Mas nós somos muito fechados em relação a isso."

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.