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Paulo Sampaio

Aos 88 anos, caminhoneira mais velha do Brasil diz que greve é 'necessária'

Paulo Sampaio

25/05/2018 17h29

A caminhoneira Nahyara Schwanke à frente de um 1944-S que ela tinha, antes de trocar pelo modelo mais atual (Foto: Arquivo Pessoal)

Com o fêmur quebrado desde ontem, a caminhoneira gaúcha Nahyra Schwanke, 88 anos, mantém uma lucidez invejável. Do alto de 60 anos de estrada, ela afirma categoricamente que a paralisação dos caminhões "é necessária". Nahyra diz que o motorista que atualmente dirige seu Mercedes-Benz Axor 2536-S não fica com quase nada de dinheiro no fim de 300 quilômetros. "Descontando o combustível e a parte dele, sobram R$ 130 líquidos para mim. Você acha que tem cabimento?"

Filha única do dono de um armazém, Nahyra diz que precisou trabalhar muito cedo para sustentar a família.  "Eu acompanhei o trabalho do meu pai desde pequena, um dia passei a manobrar o caminhão e logo estava na estrada. Ele teve (mal de) Parkinson, perdeu a força para trabalhar", conta ela. Ao mesmo tempo, Nahyra engravidou e tornou-se mãe de uma menina que criou sozinha. "Tinha de pagar a escola dela", lembra. A filha tornou-se advogada, casou-se e teve uma menina também.

A  "vovó caminhoneira", como Nahyra ficou conhecida, deixou a estrada há apenas dois anos, por causa de varizes que apareceram em suas pernas em decorrência de um  período tão longo trabalhando sentada. "Isso causou ulceração e o médico disse que poderia virar uma inflamação séria se eu não me cuidasse", diz ela, que não entregou os pontos. Ainda hoje, ela acompanha o motorista que dirige seu caminhão. "Só não fui junto desta vez por causa da fratura na perna", diz.

Descendente de alemães, loira de olhos azuis, Nahyra diz que cansou de ouvir na estrada comentários como "lugar de mulher é na cozinha", mas nunca deu importância. Também nunca se casou. Baseada na cidade de Não Me Toque, a 300 km de Porto Alegre, ela disse em entrevista ao blog que chegava a viajar seis mil quilômetros por mês, principalmente pelo Nordeste e Centro-Oeste do país, sob a proteção única de Nossa Senhora da Aparecida.

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Blog – Como a senhora resolveu ser caminhoneira?

Nahyra Schwanke — Meu pai tinha um armazém, eu cresci acompanhando o trabalho dele. Um dia comecei a manobrar o caminhão e logo estava na estrada. Depois, ele sofreu de (mal de) Parkinson, perdeu a força para fazer o trabalho. Era só eu ali.

Blog – Que tipo de carga a senhora transportava?

Nahyra  — Carga seca: soja, milho, arroz. Mas às vezes, quando estava no nordeste, ia de uma cidade a outra puxando Coca-Cola, cerveja.

Blog – Quantas toneladas costumava transportar?

Nahyra  — A carreta tinha capacidade para 30 toneladas.

Blog – Que rotas fazia?

Nahyra  — Ah, eu viajava pelo Brasil todo. Ia muito para o Nordeste. E muitas vezes passava três, quatro meses lá. As transportadoras sempre me deram muita carga, graças a Deus nunca faltou trabalho. Ia de Fortaleza pra Recife, pra Salvador…

Blog – A senhora sabe trocar pneu de caminhão?

Nahyra  — Tinha que saber. Guardo um macaco até hoje debaixo da cama.

Blog – Costumava viajar de noite e de dia?

Nahyra  — Sim, mas sempre fui muito prudente. Planejava as viagens com o maior cuidado. Dependendo da hora em que eu saía, já sabia quando seria noite na estrada e em quais postos eu poderia parar para abastecer. E com o tempo, todo mundo já me conhecia no caminho.

Blog – Era muito paquerada?

Nahyra  — Ah, sempre tinha uns, mas eu não me interessava por homem que só queria me perturbar. Sempre estive mais ocupada em conseguir as coisas com o meu trabalho, o meu suor, o meu sacrifício.

Blog – A senhora se recorda de uma situação difícil na estrada?

Nahyra  — Uma vez, cortaram a lona da carreta para levar azeite. O frentista me avisou. Os ladrões ficavam escondidos nos barrancos da serra, e quando a gente passava em marcha reduzida, por causa da subida, eles roubavam a carga.

Blog – A senhora está acompanhando o noticiário da greve dos caminhoneiros?

Nahyra  — Estou sim. Acho que eles estão cobertos de razão. O motorista que trabalha no meu caminhão atualmente roda 300 quilômetros e me dá, líquido, R$ 130. Você acha que tem cabimento? Eles precisam rever isso urgentemente. Nessa paralisação, todo mundo viu o quanto os caminhoneiros são importantes para o funcionamento de tudo no País.

Blog – Houve alguma outra paralisação durante todo esse tempo em que a senhora trabalhou na estrada?

Nahyra  — Dessa dimensão, e com essa repercussão, nunca.

 

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.