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Paulo Sampaio

Ex-militante a favor do aborto promove congresso antifeminista

Paulo Sampaio

02/08/2018 04h00

Não foi suficiente criticar violentamente o movimento feminista, dizer que é praticado com ódio, histeria, mentira e sedução. A ex-militante Sara Winter, que no passado se apresentava como líder no Brasil do grupo ultra-radical ucraniano Femen, fundado em 2008, resolveu organizar um congresso antifeminista.

Vai reunir no sábado, em um auditório próximo ao Campo de Santana, no centro do Rio, um grupo de cinco simpatizantes de suas novas ideias, para debatê-las. Sara, que quando era feminista ferrenha protestava à ucraniana, com palavras de ordem escritas nos seios à mostra, agora diz que é cristã, militante de direita, faz campanha contra o aborto e apoia o candidato ultraconservador à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL), que já defendeu a tortura como prática legítima e se colocou frontalmente contra a homossexualidade.

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Com a inscrição "Fora Bolsonaro" nos seios à mostra, em protesto contra o então deputado; agora, ela comunga das mesmas ideias do presidenciável do PSL  (Foto: Gustavo Serebrenick/UOL)

Os cinco mediadores que participarão do congresso são o graduando em filosofia Felippe Chaves, em cujo perfil no facebook se lê a frase (de sua própria autoria): "Homens afeminados buscam ideologias como o feminismo pois, nelas, encontram justificativas para sua própria falta de masculinidade"; a professora de inglês Thais Azevedo, que partilha da máxima antifeminista "Cansei de tanto mimimi"; a professora de história e candidata à deputada estadual pelo PSL em Santa Catarina Ana Caroline Campagnolo, que se apresenta como antimarxista, antifeminista e cristã; a pedagoga Dóris Hipólito, que fundou a Associação Nacional Mulheres pela Vida "para mostrar que a mulher brasileira não abriu mão da sua vocação natural, que é a maternidade, e que repudia o aborto como crime hediondo"; e o jornalista Alexandre Varella, criador do blog "O Catequista", no qual ele e a mulher divulgam o catolicismo.

Aos 26 anos, Sara Winter é mãe de um menino de 2, candidata a deputada federal pelo DEM e sua principal pauta é o combate a legalização do aborto. Diz que não tem financiamento de políticos, vive de palestras e de vídeos que produz para postar no Youtube, e também de uma iniciativa de financiamento coletivo pela Internet: "São pessoas que acreditam no meu trabalho."

Em entrevista ao blog, ela explica melhor o que (não) é o antifeminismo; diz que não teme ser considerada instável (por ir de um extremo ao outro com a mesma paixão); fala de sua simpatia pela monarquia e de quando "a tortura se faz necessária".

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Blog —  Como nasceu o movimento antifeminista?

Sara Winter — Na verdade, não existe movimento antifeminista. Apenas pessoas que não se identificam com o movimento feminista, que acham que é problemático. Eu sou só organizadora do congresso, não há uma liderança.

Blog —   Li que você define o feminismo no Brasil como um movimento de ódio, histeria, mentira e sedução. O termo "antifeminismo" parece depender do feminismo para existir — e evoca a mesma tendência supostamente odiosa. Não seria o outro lado da mesma moeda?

Winter — A minha intenção é fazer um movimento contrário às ideias feministas, partindo do pressuposto de que para você amar, acolher e ajudar as mulheres você não precisa ser feminista. Basta ser cristã. É muito sobre isso que a gente vai falar no congresso. Quando você é feminista, acaba colocando em risco a segurança das mulheres, por ser contra a redução da maioridade penal e do porte de arma para que elas possam se defender. Por outro lado, o movimento feminista acha natural que um travesti ou qualquer pessoa que se diga trans, e na verdade seja um estuprador, entre no banheiro compartilhado e tire fotos daquele momento de intimidade das mulheres, para vender ou compartilhar na rede. Nós queremos amar as mulheres com as nossas próprias mãos. Nós encontramos na igreja, em Deus, uma maneira de fazer isso.

Blog —  Você já disse que os movimentos feministas cobram que as integrantes sejam de esquerda. No congresso antifeminista, por oposição, os frequentadores seriam de direita?

Winter — Não tem como saber a orientação religiosa e política de todos. O público alvo é o cristão, conservador de direita. É um evento democrático, gratuito, livre, qualquer um pode participar, desde que seja submetido a um rigoroso credenciamento, mediante apresentação de documento com foto, como as pessoas fazem para entrar em um prédio público ou uma instituição privada. Temos uma equipe grande de seguranças, preparada para lidar com qualquer ato de vandalismo.

Blog —  Você fala dos defeitos do feminismo. Quais seriam as qualidades do antifeminismo?

Winter — Então, não existe um movimento, apenas pessoas que não se identificam com o feminismo e fazem críticas. Assim como o feminismo não se identifica com a igreja católica e a direita, e faz críticas. Eu vi, ouvi, senti e conheci o feminismo em sua essência; durante cinco anos estive dentro do movimento e posso dizer que ele não tem a ver com ajudar de fato as mulheres. Apenas promover uma agenda de esquerda, usando como elementos políticos pessoas que tiveram muita dor e sofrimento. Então, não existem qualidades no antifeminismo porque não existe antifeminismo.

Blog —  Todas as feministas são assim, tão radicais?

Winter — Existem correntes dentro do feminismo, a liberal, a interseccional e tem a radical. A radical nada tem a ver com radicalismo, com extremismo. É só uma vertente mais à esquerda. Mas eu acho que todo feminismo é radical. Problematiza temas como prostituição, pornografia, questão de gênero. Eu fui feminista, fui radical, saía nua na rua fazendo protesto. Acredito que todas as correntes são radicais, já que a maior pauta é a luta pelo direito de matar bebezinhos dentro da barriga de suas mães. Não há uma violência maior contra o corpo da mulher do que o aborto.

Blog —  Você deu uma guinada ideológica de 180 graus. Não teme perder a credibilidade? Muitos podem achá-la instável.

Winter — As pessoas que acompanharam a minha saída do movimento sabem que não foi de uma hora para outra, e sim em um processo de conhecimento do conservadorismo e de volta para a igreja católica. Em relação à credibilidade, não posso temer nada porque minha vida hoje é um completo sucesso, estou noiva, me caso no ano que vem, tenho um filho maravilhoso. Daqui a um ano e pouquinho termino a faculdade de relações internacionais, falo duas línguas, sou uma conferencista conhecida internacionalmente, com palestras em países como Paraguai e Argentina, com agenda marcada para o Chile, Peru, Costa Rica, Equador, México e Estados Unidos. Depois de tantas palestras, de tanta gente querendo tirar foto comigo na rua, de ver o aumento exponencial dos meus seguidores nas mídias sociais, de 8 mil para 400 mil, eu acho que posso dizer que tenho sido bem sucedida na carreira.

Blog —  Na missa celebrada pelo aniversário de 80 anos do príncipe d. Luiz de Orleans e Bragança, em maio, no Outeiro da Gloria, Rio, você se mostrou simpatizante da monarquia (a ponto de estar lá) e disse que apoia o candidato à Presidência da República pelo PSL, Jair Bolsonaro. A monarquia, no Brasil, foi escravocrata até o fim; e Bolsonaro já defendeu a tortura como uma prática legítima. Você é a favor da volta da escravidão e da tortura?

Winter — Engraçada essa sua colocação, porque foi um membro da família real que assinou a Lei Áurea e colocou fim em todo o sofrimento. É muito óbvio que eu, como filha de um negro, não quero que a escravidão volte, e esse é um motivo pelo qual eu admiro a família real, já que um de seus membros, a princesa Isabel, deu fim a ela no Brasil, sabendo que ia perder a coroa. Sobre o Bolsonaro, eu admiro muito alguns projetos de lei do deputado, o admiro como pessoa, somos amigos; a respeito da tortura, eu acho que é um crime bárbaro, mas que ao longo da história da humanidade se fez necessário muitas vezes — inclusive para salvar vidas. No regime militar, havia uma guerra desproporcional, assimétrica, entre soldados do exército devidamente fardados, com munição e armamentos que todos sabiam quais eram, e guerrilheiros comunistas que não usavam qualquer identificação, não era possível saber quem era quem, e que usavam todo tipo de armamento, inclusive os incompatíveis com as estratégias de guerra e a democracia em geral. Então, foi necessária uma intervenção, para que o Brasil não acabasse como os países que hoje sofrem nas mãos dos comunistas.

Blog —  O Bolsonaro já se posicionou francamente contra a homossexualidade. Por outro lado, li declarações suas afirmando que as feministas rechaçam a heterossexualidade e a monogamia. Mudar radicalmente de ideologia, no seu caso, teria a ver com uma espécie de "trauma"?

Winter — Eu não posso responder pelos atos do Bolsonaro porque eu não sou ele; tenho admiração pelo trabalho dele, pela pessoa. Eu não sou contra os homossexuais, pelo contrário, eu os amo muito, tenho amigos, parentes, uma das pessoas que mais me ajudam atualmente é homossexual de direita, católico etc. Eu abomino o pecado, mas amo o pecador. O que eu sou contra é a questão de ideologia de gênero na educação das crianças, principalmente nas escolas públicas. Com relação a trauma, sim, por influência das minhas amigas feministas eu sofri um aborto clandestino que quase me matou. E quando eu estava tendo uma hemorragia severa, durante o pós-procedimento, nenhuma delas me deu a mão; me deixaram virar estatística. A pessoa que me ajudou foi um homem cristão.

Blog —  Está preparada para os comentários de que você está apenas querendo aparecer?

Winter — As pessoas disseram muito isso no começo, lá pelo ano de 2015. Mas já passou, elas  viram que eu produzo coisas boas para a sociedade, ajudo de verdade as mulheres com os meus trabalhos voluntários, então hoje eu tenho uma credibilidade muito grande com o meu público. Tem muita gente falando que eu quero chamar atenção, porque todo mundo hoje, na Internet, busca isso. Então, é uma coisa de praxe, que sempre vão falar sobre uma figura pública.

Blog —   Na semana passada, uma das fundadoras do Femen, Oksana Shachko, se matou em Paris. Ela já não fazia parte do movimento desde 2013. Você chegou a travar contato com ela? Acha que o suicídio dela tem causa ideológica?

Winter — Esse assunto ainda me deixa extremamente fragilizada. Conheci a Oksana na Ucrânia, era uma menina doce, amável, também havia saído do movimento, como eu, mas não tinha se convertido a nenhuma religião. Continuava lutando contra a depressão e distúrbios psico-sociais. Teve uma decepção muito grande com o feminismo, tanto que na última carta que ela deixou estava escrito "You are fake", "Vocês são uma fraude". Nós, cristãos, trabalhamos contra o suicídio, a auto-mutilação o tempo todo. A ideologia pela qual a Oksana lutava não preenchia o coração dela. Como próprio nome diz, ideologia é algo que só funciona no campo das ideias, jamais consegue se colocar no campo da prática, da realidade. E quando você vive, se alimenta, respira e bebe ideologia, está fadado ao suicídio.

[Diferentemente do informado, o candidato à presidência Jair Bolsonaro é filiado ao Partido Social Liberal (PSL). A informação foi corrigida] 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.