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Paulo Sampaio

O Luiz Felipe disse pra Tati que tinha nojo dela na cama, afirma confidente

Paulo Sampaio

12/08/2018 04h55

Na sala que ocupa em uma casa térrea na região oeste de Guarapuava, cidade de 150 mil habitantes a 250km de Curitiba, a secretária municipal de Políticas para as Mulheres, Priscila Schran de Lima, diz que a violência doméstica segue um padrão. Ela mostra o ciclo em um gráfico na tela do computador, enquanto explica. Começa com pressão psicológica e controle das atitudes da mulher; seguem-se os insultos e humilhações, e depois as ameaças — ocasião em que o homem confirma o domínio na relação; e então, se a mulher aceita, ou não consegue reagir, sobrevêm um episódio agudo de violência física; o marido pede desculpas, diz que nunca mais vai ser agressivo, o casal entra em um período de "lua de mel". E aí, recomeça o ciclo: pressão psicológica, insultos etc. "Quanto mais se repete o ciclo, mais intenso é o episódio de violência", afirma Pirscila.

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O gráfico do ciclo da violência contra a mulher: de acordo com a secretaria Priscila Schran, um padrão que se repete

De acordo com o relato da vendedora Juliane Santos, 35 anos, é possível identificar claramente cada etapa do ciclo da violência no caso da advogada Tatiane Spitzner, que caiu do apartamento onde morava no edifício Golden Gate, no centro de Guarapuava, depois de ser brutalmente agredida pelo marido. Suspeita-se de que o próprio professor Luis Felipe Manvailer, 32, tenha jogado a mulher da sacada. Ela tinha 29 anos.

"A Tati era muito reservada com os assuntos pessoais, mas comigo ela se abria. Da primeira vez em que se queixou do Luis Felipe, disse que o ciúme dele a incomodava. Mas foi um papo nosso de mulher, não achei preocupante", lembra Juliane, que era muito amiga da advogada e se tornou uma de suas poucas confidentes.

Por meio de seus advogados, Manvailer nega quer tenha matado a mulher. A defesa afirma que o casal vivia "feliz" e que ia para o quinto ano de relacionamento. Alegando que ele está "profundamente abalado pelo turbilhão emocional sofrido nos últimos dias" e que vinha apresentando "quadro de depressão profunda", seus advogados pediram a transferência do professor da Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG) para o Complexo Médico-Penal (CMP), em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, "para atendimento psiquiátrico e psicológico urgente".

Casamento não é fácil

Na ocasião em que se queixou dos ciúmes do marido, Tatiane morava com Manvailer na Alemanha, onde ele fazia um curso de pós-graduação. Por conta da distância e dos respectivos casamentos, as duas amigas se afastaram um pouco. Mas logo que o casal voltou para Guarapuava, elas retomaram o contato. "A Tati me ligou em novembro, para dar parabéns pelo meu aniversário, e já quis marcar um café. Naquele ponto, as reclamações passaram a ser mais incisivas. Ela dizia coisas como 'casamento não é fácil' e 'às vezes eu penso em me separar, mas aí me dá uma gastura só de imaginar a burocracia da separação, e depois desmontar o apartamento, fazer a mudança…"

Juliane e Tatiane, com os respectivos cachorros: "Eu não conhecia o Luiz Felipe, mas, pelo que a Tati contava, era óbvio que ela vivia uma relação abusiva"(Foto: Arquivo Pessoal)

Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, Tati e Ju se encontraram na academia e combinaram outro café: "Aí, a coisa foi mais séria", conta Juliane. "Ela abriu o jogo. Disse que o Luis Felipe a estava tratando muito mal, a rebaixava na frente dos outros, fazia tudo para contrariá-la, e chegou a dizer que a odiava."

Assim como todas as pessoas com quem o blog conversou em Guarapuava, inclusive as não tão próximas, Juliane afirma que Tatiane era uma criatura "sem maldade nenhuma, do tipo que confiava no ser humano". "Você podia contar a história mais incrível, ela acreditava. A Tati era alegre, adorava festas, viagens, amigos. Tanto que no dia em que tudo aconteceu, os mais próximos sabiam com absoluta certeza que não tinha sido suicídio."

Educado, mas distante

De acordo com o laudo elaborado por um médico da secretaria da Saúde de Guarapuava, Manvailer "acha que a esposa pulou da sacada", mas "não lembra do que ocorreu". O professor diz ainda que, se realmente fez isso, "deveria morrer".  Segundo a defesa, ele teria tentado "tirar a própria vida".

Publicamente, Manvalier era tido como um homem culto e educado, mas "distante".  Ao contrário de Tatiane, que possuía uma família numerosa e gregária, o professor não falava muito da dele. Em Guarapuava, não se tem muita informação sobre sua vida pregressa. A própria Juliane o encontrou poucas vezes. Sabe-se que ele tem um irmão e uma irmã, que seu pai morreu há alguns anos e sua mãe enfrenta um câncer.

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"O Luis Felipe entrava na academia, cumprimentava as pessoas, treinava e ia embora. Não conversava com ninguém", diz o empresário Marcelo Virtuoso, 35 anos, proprietário da UPlay Fitness.  Ultimamente, além do crescimento profissional, Manvailer estava se dedicando também ao crescimento físico: "Do começo do ano pra cá, ele ficou muito grande (musculoso)", diz Virtuoso. A polícia encontrou no apartamento do casal potes de suplemento alimentar e anabolizantes (esteróides).

Individualista e agressivo 

Obsessivo com horários e no preparo da marmita "fitness" em que acondicionava sua dieta alimentar, Manvailer seguia prazos rigorosos e era agressivo quando não conseguia cumprir o que planejava. A disciplina fazia dele um sujeito individualista. Nesse contexto, Tatiane estava "sobrando": "Era como se a simples presença dela dentro da própria casa o atrapalhasse", diz a amiga.

O psiquiatra Adriano Segal, do ambulatório de endocrinologia do Hospital das Clínicas, afirma que "a ingestão do hormônio (esteróide) pode levar a alterações psiquiátricas, irritabilidade e também à atrofia testicular transitória".

"A Tati um dia se queixou comigo de que ela e o Luis Felipe não transavam fazia mais de um mês", conta Juliane. As conversas por WhatsApp entre as duas foram se intensificando. "A gente passou a teclar muito. Ela me contava tudo. Disse que, como o Luís Felipe não a procurava na cama, ela tentava se aproximar, mas ele a empurrava e dizia que tinha nojo dela."

Relacionamento abusivo

Chocada com os relatos da amiga, Juliane tentou alertá-la. "Eu disse: 'Tati, pelo amor de Deus, você é uma mulher linda, bem sucedida, tem uma família incrível, não precisa disso'." No limite, chegou a mostrar para a amiga que ela estava vivendo um relacionamento abusivo.

Tatiane reagiu entre preocupada e otimista: "Ah, era o que me faltava!"

Pois é.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.