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Paulo Sampaio

"Um dedo trabalha muito melhor que um pênis", afirma terapeuta sexual

Paulo Sampaio

21/09/2018 04h00

(Foto: iStock)

Em onze anos aplicando massagens tântricas, o terapeuta sexual Evandro Palma, 52 anos, calcula ter "veiculado" 30 mil orgasmos. Palma se refere a sua experiência na Sadhana Comunna Metamorfose, autodefinida como um "centro terapêutico de desenvolvimento, pesquisa e expansão da sexualidade humana". Ele segue um método criado em 1996 pelo coach Deva Nishok, que comanda em Itapeva, Minas Gerais, "o maior espaço dedicado ao tantra do mundo".

Palma inaugurou o primeiro Centro Metamorfose de São Paulo em 2007, em uma casa de 300 metros quadrados onde atende até hoje, na Vila Madalena, zona oeste. Eram, segundo ele, "meia dúzia de terapeutas". Hoje, são 28 espaços de atendimento em todo o Brasil e 177 profissionais credenciados. No site do centro, o interessado pode escolher o terapeuta/massagista em um cardápio de 20 profissionais de ambos os sexos, ilustrado com fotos e o resumo do currículo.

Heterossexual, casado, pai de dois filhos, Palma é formado em psicologia com pós-graduação em terapia sexual na saúde e na educação. Na entrevista abaixo, ele conta que a principal queixa da mulher que o procura é não conseguir atingir o orgasmo com o parceiro — apenas sozinha. Em menor escala, aparecem também casos como o de uma senhora muito religiosa, que se masturbava sete vezes por dia. O marido tinha "questões com ereção". O valor da consulta de 1h30m é R$ 390.

Blog — Quem procura mais a terapia, homens ou mulheres?

Evandro Palma —  Quando eu comecei, 11 anos atrás, disparado os homens. A proporção era de 70% pra 30%. Hoje, a demanda das mulheres é ligeiramente maior, 55%.

Blog — Qual é a maior queixa das mulheres que os procuram?

Palma — A dificuldade de atingir o orgasmo com o parceiro. (Ele mostra uma folha com anotações à caneta) Isso aqui é o relato da sexta sessão de uma mulher de 30 anos. Ela diz: "Antes, nem orgasmo, nem prazer nenhum. Eu achava que era frígida. Pensava: 'Será que é sempre assim, sem graça?' Agora, sinto que posso melhorar." Mas esse trabalho não é só físico, é psicológico. Você ajuda a pessoa a desatar nós que foram construídos pela cultura.

Blog — Essa moça namora?

Palma — Tem um "ficante". Ela chegou aqui dizendo que, quando ele a estimulava com sexo oral, era o mesmo que nada. Que faltava só ela assoviar. Na última sessão, ela contou que teve duas relações com esse rapaz. Na primeira, sentiu muito prazer. Disse que, se ele ficasse mais um pouquinho, teria tido um orgasmo. E assim foi com o coito também, na penetração.

Blog — Mas se ela monitora o empenho do parceiro, torce para que ele a estimule "mais um pouquinho", não seria o caso de orientá-la a relaxar…?

Palma — Isso. A questão é que, quando ela chega a esse ponto de controle, é porque tem um histórico de relações não prazerosas que se tornaram um padrão. Ela fica esperando que algo aconteça, mas não sabe por qual via será. É como se viesse do aquém, do além.

Blog — O que, na massagem tântrica, faz esse "algo" acontecer?

Palma — Quando o corpo é acionado na forma reflexa (toque), e não psicogênica (tesão), o resultado é muito mais intenso. Em uma transa estilo "rapidinha", por exemplo, apenas para gozar, a pessoa não tem os precipitadores químicos.

Blog — Já li e ouvi relatos de mulheres que dizem que não dependem dos parceiros, na cama, para ter orgasmos. Afirmam que sabem as posições que lhes dão prazer e os pontos a serem acionados — e encaminham a transa para que aconteça do jeito que elas querem.

Palma — Isso é a exceção da exceção. E há aí outra questão. Quando ela se estimula, está ocupada. Quando ela é estimulada, e aí eu digo bem estimulada, não precisa se ocupar fisicamente do próprio clitóris ou de qualquer outra região que dê prazer. Ela está livre para gozar, sem pensar em mais nada. Esse orgasmo é muito mais satisfatório.

Blog —  Além de mulheres que estão com dificuldade em ter prazer com o parceiro, você recebe quem afirme que nunca chegou a ter um orgasmo. O seu atendimento leva quanto tempo?

Palma — Uma hora e meia, mas a gente pede para a pessoa reservar pelo menos duas horas. Eu sou péssimo com horário. Eu passo disso. Não interrompo o processo.

Blog — Quando "descobrem o orgasmo" na terapia, as mulheres mudam o parâmetro de exigência?

Palma — Há muitos tipos de demanda. Umas acham que, se tiverem cinco orgasmos em dez relações, está ótimo. Outras, se contentam em ter dois. Mas tem mulher que quer ter 30 orgasmos em dez relações.

Blog — A mulher que faz a massagem tântrica não corre o risco de associar o orgasmo ao terapeuta – ou de precisar ter um terapeuta como parceiro?

Palma — Aí entra o posicionamento dela. Se essa mulher não se impuser, não tem como. Faz parte da terapia prepará-la para isso.

Blog — O terapeuta leva uma certa "vantagem" sobre o parceiro dessa mulher, já que ela vai ao consultório dele basicamente para ter um orgasmo. Já o namorado, ela não o procura "tecnicamente", mas "afetivamente".

Palma — O que não a impede de observar se o tipo de estímulo que está recebendo na hora do sexo é suficiente, ou gera prazer. Eu ouço cada atrocidade aqui.

Blog — Tipo?

Palma — "Conheci um cara incrível, inteligente, bem humorado, atraente, eu quis ver como seria na cama, e me testar também. Não foi prazeroso. O moço tinha o pênis gigante, eu senti dor, sangrou, e eu não pedi para parar." Como não pediu? Por que não disse que não estava bom?

Blog —  Pelo que se observa, tudo no sexo parece ser muito relativo, inclusive a noção de dor e prazer. Há quem afirme que precisa justamente de um estímulo mais agressivo, até de ser machucado/a, para começar a sentir a tal "pegada". E, por outro lado, há quem sinta prazer subjugando o/a parceiro/a.

Palma — Nesses casos, sem dúvida existe uma compensação — e não necessariamente na cama. A gente pode enumerar muito motivos, desde questões econômicas, até as de controle, de poder. Ocorre que a conta se acumula; esse tipo de relacionamento tem prazo de validade.

Blog — Existe caso de mulher que o procura não por ter dificuldade de atingir o prazer, mas por se considerar "hipersexualizada"?

Palma —  Recebi uma mulher esta semana, casada, o marido tem questões com ereção, não a procura…Aí, você vai buscar o histórico dela, e vê que a primeira menstruação foi aos 10 anos; a primeira noção de prazer (orgasmo), com 12; primeira experiência com outro, com 15; primeiro coito, com 17. Esse histórico vai construir uma mulher muito sexualizada. Aquele corpo já teve muita informação, e muito precocemente.

Blog — E por que ela não procura um parceiro que a satisfaça, ou que tenha um perfil aproximado?

Palma — Aí, de novo, tem a questão da compensação. Essa escolha não é de graça, não é por acaso.  No caso dessa mulher que eu citei, ainda tem a formação religiosa, o que torna a abordagem do assunto mais difícil, ela não consegue verbalizar…bom, ela se masturba sete vezes em um dia.

Blog — Na terapia, a pessoa tem de estar nua?

Palma —  Sim, é o ideal. Porque o corpo é um todo.

Blog —  Você aplica terapia sexual em homens?

Palma — Fui o primeiro a aplicar, mas não atendo mais. Na ocasião, eu pensava "sou heterossexual, mas sou terapeuta, como fica essa história, por que não pode?" Então, houve um caso específico, com um médico, ele tinha se submetido à outra técnica e não estava passando bem. Nos procurou. Eu administrei nele um trabalho que não envolvia o estímulo do pênis, mas do corpo como um todo. Depois da sessão, encontrei uma terapeuta no corredor do centro que me achou pálido; perguntou o que estava acontecendo. Eu me sentia esgotado, quase desmaiei.

Blog — Por quê?

Palma — Não sei, a sessão me exauriu. Foi aí que eu disse: "Opa, não vou lidar com esse público."

Blog — Isso também ocorre entre terapeutas mulheres heterossexuais?

Palma — Não. A questão do gênero, para os homens, é muito rigorosa. Há aqui terapeutas gays, eles ficam mais à vontade com outros homens.

Blog — Desde que os outros sejam gays?

Palma — Sim

Blog — A orientação sexual não deveria influenciar em uma massagem que, como você diz, não é psicogênica, não está ligada ao tesão, e sim puramente à técnica, ao toque. Isso não muda completamente a intenção do trabalho?

Palma — Há questões aí. No caso do terapeuta gay, por exemplo, ele domina mais o universo do outro. Supostamente, enfrentou questionamentos parecidos.

Blog — Para atender a paciente lésbica, o ideal é ter uma terapeuta lésbica?

Palma — Não necessariamente, mas é claro que haverá mais identificação. De todo modo, a lésbica atende homens e mulheres heterossexuais.

Blog — Só o homem hétero não atende homem.

Palma — Pode atender, em casos pontuais. Se você me pede para receber um homem porque acha que eu vou dar o atendimento que ele precisa, eu não vou me negar.

Blog — Vocês já atenderam transexuais e transgêneros?

Palma — É um público que sonda o centro, de vez em quando, e vai embora.

Blog — Por que, ao contrário dos homens heterossexuais, as mulheres heterossexuais às vezes preferem se submeter à terapia com outras mulheres (heterossexuais ou não)?

Palma — Acredito que isso funcione como uma proteção. O orgasmo é um momento de muita vulnerabilidade, uma situação de grande exposição. Fazer a terapia com um profissional do sexo masculino pode engendrar um sentido de ilegalidade. Aí, a gente entra nas questões de gênero, do histórico da pessoa que se submeteu à terapia, se é casada, se não, se namora, como isso vai funcionar para ela em relação às pessoas que a cercam.

Blog — Já ouvi alguns relatos  de mulheres heterossexuais que dizem que o melhor orgasmo que  tiveram foi com outra mulher, em uma transa de ocasião. Muitas acreditam que a possibilidade de uma mulher conhecer os mecanismos de outra é maior.

Palma —  Depende. De feeling, de afinidade, da percepção, de como funciona a resposta do corpo, onde você precisa ser mais intenso, onde precisa recuar. Ok, as mulheres podem, sem dúvida nenhuma, desenvolver isso.

Blog — Eu falo de um conhecimento prévio da anatomia da outra.

Palma — Não é garantia. A vulva é como uma impressão digital, pode haver duas semelhantes, mas nunca idênticas. Anatomia, estrutura, corpo clitoriano. Eu faço isso há 12 anos, já veiculei 30 mil orgasmos. Ou seja, eu já vi muita vulva na vida.

Blog — Até onde vocês vão com os pacientes para proporcionar um orgasmo? Digamos que ele/ela peça para vocês ficarem nus, ou queiram retribuir o carinho recebido…

Palma — Sem chance. O trabalho muda. O que fornece a capacidade do terapeuta de observar o corpo do outro é o distanciamento. A neutralidade.

Blog — E por que o terapeuta consegue manter o distanciamento quando está vestido, e não sem roupa?

Palma – Porque a nudez é símbolo. A sociedade não evoluiu o suficiente para que isso seja padrão de normalidade.

Blog — Qual é a principal manifestação do prazer sexual?

Palma — O prazer é ruidoso. Prazer silencioso é contenção. A pessoa não foi onde poderia ir. A não expressão é sintoma de uma dificuldade.

Blog — A pessoa não pode ser naturalmente contida?

Palma — Pode. Mas se ela não reage ruidosamente, ela está em controle, não se solta.

Blog —  Muitas mulheres afirmam que fingem ter orgasmos.

Palma —  Sim. Elas pensam: "Esse negócio não está dando resultado nenhum, vamos simular um orgasmo." Homem é tudo bobo. Acredita e goza. Elas também simulam quando querem se livrar de um sujeito "mala".

Blog — Como saber se na terapia elas não fingem também?

Palma —  O corpo apresenta contrações características, reações musculares, alteração na respiração, sons emitidos involuntariamente. E depois, se uma pessoa me procura porque não se sente feliz fingindo em suas relações sexuais, ela está querendo resolver isso. O vínculo terapêutico supõe a honestidade e a liberdade de expressão.

Blog — Existe relação entre orgasmo e tamanho do pênis?

Palma — Anatomicamente, a mulher precisa só disso (ele mostra com o polegar e o indicador um intervalo de menos de 10 cm).

Blog — Não é o que se ouve hoje, em rodas de conversa feminina. A maioria fala abertamente que precisa de algo substancial.

Palma — Existe uma herança da pornografia, onde os homens são bem dotados.

Blog — Fala-se também que o mais importante não é o comprimento, mas o diâmetro. A ideia de prazer viria do preenchimento da vagina.

Palma — Pode ser até relevante. Mas o estímulo é pontual. Um dedo trabalha muito melhor que o pênis.

Blog — Por essa teoria, é possível inferir que as lésbicas teriam mais chances de dar prazer às mulheres, já que, pela ausência do pênis, desenvolvem especialmente a habilidade digital?

Palma — Depende. Não é só o toque. Você tem a questão da proximidade do corpo, você tem o abraço, uma série de outros estímulos para conferir integridade na relação.

Blog — Você acha que, para quem tem pênis, é fácil acreditar que vai conseguir tudo — e tratar os dedos como acessório?

Palma — Mas aí é que está, não vai conseguir! Há mulheres que já têm a sensibilidade intravaginal desenvolvida. Ok, essa mulher pode ter orgasmo no coito. Bacana. Mas tem mulher que não. Ela precisa passar por um processo de desenvolvimento de estímulo. O pênis vai dar isso? Não vai.

Blog — Existe a possibilidade de a mulher simplesmente não se preocupar em ter ou não orgasmos? De achar que é muito trabalhoso ir atrás disso?

Palma — Essas não foram devidamente acionadas. Aquela menina que se achava frígida saiu daqui com 30 orgasmos, depois de seis sessões. Você acredita nisso?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.