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Paulo Sampaio

'Vou continuar vestindo o que eu quero', diz deputada atacada por decote

Paulo Sampaio

06/02/2019 05h00

Atacada violentamente nas redes sociais por usar um macacão decotado vermelho no dia de sua posse na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, a deputada estadual Ana Paula da Silva (PDT-SC), 43 anos, diz que "a participação da mulher na sociedade é tão minúscula que um decote pode ficar enorme". Assumidamente vaidosa, ela afirma que gosta de usar calças justas e saias curtas:  "Vou continuar vestindo o que eu quero. Não pretendo me violentar para agradar ninguém."

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Deputada Paulinha, julgada pelo decote usado em sua posse na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Foto: Arquivo Pessoal)

Deputada Paulinha, como é conhecida do eleitorado, tornou-se a quinta parlamentar mais votada entre os 40 eleitos no estado (5 mulheres e 35 homens), com 52 mil votos; antes, foi prefeita duas vezes de Bombinhas, município de 20 mil habitantes a 70km de Florianópolis, e, enquanto ocupava o cargo, escolhida duas vezes a melhor gestora de Santa Catarina e a terceira melhor do Brasil. Deixou o governo do município com 90% de aprovação do eleitorado.

"Prostituta" e "Daputada"

Mas boa parte dos raivosos agressores dela não procurou se informar a respeito de sua carreira política.  Protegidos pela própria insignificância no meio da massa, como acontece frequentemente no ambiente das redes sociais, eles se sentiram encorajados para postar comentários como: "Você é representante das prostitutas no Congresso? Aí sim, representou bem a classe" e "Essa não é deputada é (daputada)". O desconhecimento de quem chama a Assembleia Legislativa de "Congresso", ou usa parênteses erradamente não é levado em conta. O importante é a "piada".

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O vale-tudo das redes sociais

O importante é ser "engraçado"

Não se pode esperar que a pessoa que posta tais comentários tenha discernimento para considerar que a roupa usada por um parlamentar diz respeito apenas a ele.  A deputada está convencida de que, na origem, o problema remonta à carência de educação não só básica, mas de maneira mais ampla: "É impressionante o quanto nós somos medíocres no processo de formação de nossas crianças e jovens. A cidadania está relegada ao nada. A gente não discute questões fundamentais da formação de um cidadão."

Falta de educação

Muito articulada, falante, firme, Ana Paula mostra conhecimento de causa quando define suas prioridades — educação e saúde.  Em Bombinhas, ela inaugurou a maior escola de período integral do Brasil, com capacidade para receber 1.800 alunos do 6º ao 9º ano. "Em Davos (Fórum Econômico Mundial, na Suíça), já em 2015, eles estabeleceram como metas na educação o desenvolvimento do pensamento crítico; do espírito de liderança; do trabalho em equipe; da orientação para o servir; da flexibilidade diante das diferenças e da tomada de decisões (capacidade de negociação). Você não vê nada disso nas escolas brasileiras. Talvez em uma ali, outra acolá, mas de forma muito reduzida", diz.

Visitando as obras da escola, em Bombinhas: "Não vou me masculinizar, nem me vestir como um homem, para conseguir respeito" (Foto: Arquivo Pessoal)

Abaixo, trechos da entrevista que ela concedeu ao blog ontem, por telefone.

Blog – Como a senhora recebeu as agressões nas redes sociais?

Ana Paula —  Li os comentários até um determinado momento, então parei. Por mais que você tenha autoestima e fé, não há como sustentar a sanidade diante de reiterados e sequenciais comentários ofensivos. Nenhum ser humano suporta. O pior é que coisas que eu pensei que já tinha superado, antigas feridas, voltaram do passado. Tudo por causa de um decote…

Blog — A senhora imaginava que provocaria essa repercussão, quando escolheu o macacão para ir à posse na assembleia?

AP — Não mesmo. Estava feliz da vida, me achando linda. Eu tenho uma origem muito simples, pé no chão; na infância, não tinha sapato para usar. Jamais pensei que um dia seria prefeita, muito menos deputada estadual. Então, hoje, quando tenho uma ocasião importante, gosto de me vestir, ir ao cabeleireiro, passo a tarde inteira me cuidando.

Blog — A senhora se arrependeu de ter ido com o macacão?

AP — Olha, quando eu me separei, há sete anos, eu tomei uma resolução para a vida. De empoderamento mesmo. A partir dali, nunca mais deixaria alguém decidir que roupa eu usaria. Isso vale para o namorado e para o resto do mundo.

Blog — Quanto tempo foi casada? Tem filhos?

AP — Quinze anos. Quinze longos anos. Duas meninas.

Com as filhas, Mariana e Manuela (Foto: Arquivo pessoal)

Blog — A senhora tem namorado?

AP — Sim.

Blog — É político? Como reagiu?

AP — Sim, é político, mas prefiro não dizer o nome. Ele foi um queridão, me deu muito apoio. Disse que eu estava linda, não deveria ficar triste. A verdade é que quem vai para a vida pública precisa estar preparada para ataques e invasões. Mas dessa vez foi excessivo.

Blog — Nas redes sociais, quem foi mais crítico a sua roupa, os homens ou as mulheres?

AP –– Sem dúvida, as mulheres são mais cruéis. Existe um machismo que elas próprias patrocinam, às vezes até por uma questão cultural. É algo internalizado. Por sua vez, os homens têm um tipo de agressividade mais assustadora. Eles não falam mal da roupa, mas em compensação podem ser violentos. O número crescente de casos de abuso sexual e feminicídio está aí para mostrar. Santa Catarina é o quarto estado que mais maltrata mulheres no Brasil.

Blog — A senhora já passou por alguma situação de assédio ou abuso sexual?

AP — Não que se tenha consagrado como assédio ou abuso. Mas já ouvi comentários impróprios e passei por momentos constrangedores — não só quando estava vestida com roupas consideradas fora do padrão social "aceitável".

Blog — Na assembleia, há 35 homens e 5 mulheres. Acha que, em um ambiente primordialmente masculino, uma mulher que assume um decote fica mais vulnerável?

AP — Infelizmente, sim. Mas isso desaparece quando o trabalho começa. De qualquer forma, não é porque eu estou em um ambiente masculino que vou me masculinizar ou me portar como um homem para conseguir respeito. Quero me vestir como mulher, e ser a mulher que eu sou. Confesso que não sigo protocolos. Às vezes eu só quero estar de jeans e uma camiseta, sem nem um batom, e é assim que eu vou sair de casa. Penso que não tenho de prestar contas dos meus trajes para o contribuinte, mas da qualidade do meu trabalho e dos meus atos na vida pública.

Blog — Acha que ainda hoje uma mulher, para mostrar que tem conteúdo, precisa abrir mão do decote?

AP — Atualmente, está pior. Acredito que devemos ter respeito pela vontade da maioria da população, que elegeu o atual presidente, mas sinto também que, ao se posicionar com opiniões francamente preconceituosas, não só em relação às mulheres, ele legitima um comportamento extremamente retrógrado. Não se trata de esquerda ou direita. Isso é que muita gente não entendeu ainda. É  voltar no tempo, é atraso.

Blog — A senhora foi só criticada, ou elogiada também (pelo traje)?

AP — (Rindo) Ih, recebi umas 250 mil propostas de casamento.

Em tempo: para quem invejou secretamente o macacão da deputada, e a ofendeu em vez de perguntar onde ela comprou, foi em uma loja da grife Animale.

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.